Ao sair de Sinop, no Mato Grosso, em 15 de fevereiro, com uma carga de soja, o caminhoneiro Joel Testa estimava que a viagem pela BR-163 até o terminal fluvial em Santarém, no Pará, levaria cerca de dez dias, como costuma acontecer. Em 17 anos de estrada, o máximo que havia gastado, até então, nos 1.293 quilômetros usados como rota de vazão da safra do Centro-Oeste aos portos do Norte foram 15 dias. Tudo corria bem desta vez, até a cidade de Vila Planalto, no Pará. Um trecho de 47 quilômetros sem asfalto foi totalmente destruído pela chuva, impedindo a passagem dos veículos. Por sorte, Testa, ao contrário de muitos dos seus colegas, tinha mantimentos para a longa espera. A viagem só acabaria no vigésimo dia, um novo recorde.

Atoleiro: enquanto caminhoneiros enfrentam lama na BR-163, governo Temer anuncia pacote modesto de concessões de infraestrutura
Atoleiro: enquanto caminhoneiros enfrentam lama na BR-163, governo Temer anuncia pacote modesto de concessões de infraestrutura (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

A parada forçada do caminhoneiro não podia vir em pior hora ao Brasil. Sua carreta carregava uma parcela do que deve ser a melhor safra de grãos da história, segundo as estimativas oficiais. Em meio à profunda recessão, o agronegócio seria a melhor notícia para o PIB neste ano, mas os buracos da rodovia estão jogando parte dessa riqueza pelo “ralo”, como disse o ministro da Agricultura, Blairo Maggi. O prejuízo estimado com os problemas da BR-163 é de US$ 400 mil por dia, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetais (Abiove). Trata-se apenas de mais um dos incontáveis exemplos de como a infraestrutura precária eleva o custo Brasil e afeta a competitividade.

O governo federal tenta correr atrás do prejuízo. Na terça-feira 7, anunciou uma nova rodada de concessões, com 55 projetos e investimentos de R$ 45 bilhões. O presidente Michel Temer afirmou que a medida tem “importância fundamental” para a economia e possibilitará a criação de 200 mil empregos diretos e indiretos. “Queremos ter uma infraestrutura eficaz para que o escoamento da produção se dê com grande facilidade”, disse. O Arco Norte, formado por portos em Rondônia, Amazonas, Amapá, Pará e Maranhão, representa a alternativa mais barata para escoar a safra de Mato Grosso, maior produtor de soja do País.

Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o preço do frete de Sapezal, no oeste do Estado, até o porto de Santarém é de R$ 238,90 por tonelada, ante os R$ 288,00 para Santos. A diferença de 20% atrai cada vez mais as tradings, empresas responsáveis por comprar e embarcar os grãos. Em 2014, a participação do Arco Norte nas exportações de soja e milho era de 17%, segundo a Conab. Para esta safra, a expectativa é de que chegue a 24%, ou 96,9 milhões de toneladas. “As tradings investiram muito nessas regiões, construindo terminais”, afirma Leandro Barreto, sócio da consultoria de logística Solve Shippings. O lamaçal da BR-163 paralisou o embarque nos terminais de Miritituba e Santarém, que escoam os grãos aos portos do Norte via rio Tapajós.

solução: diante da situação precária das rodovias, o agronegócio defende a ampliação das ferrovias para baratear o custo do frete
Solução: diante da situação precária das rodovias, o agronegócio defende a ampliação das ferrovias para baratear o custo do frete (Crédito:Ailton de Freitas)

Como alguns contratos haviam sido fechados antes das chuvas, o prejuízo não chegou aos produtores. “Mas ainda existe um volume grande de carga que não foi precificada”, afirma Daniel Furlan Amaral, gerente de economia da Abiove. “Essas serão revistas com base no que aconteceu.” Dada a urgência, a situação na BR-163 começou a ser resolvida no início do mês, com serviços de manutenção emergenciais e a chegada do Exército, que organizou o tráfego. Por enquanto, não há sinal de que o mesmo esteja ocorrendo em outros trechos castigados pelo País, mas uma pesquisa de 2016 da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que quase metade das estradas federais e das mais importantes estaduais apresenta problemas que prejudicam o fluxo de veículos.

Bruno Batista, diretor executivo da CNT: “Faz anos que a qualidade da infraestrutura não melhora”
Bruno Batista, diretor executivo da CNT: “Faz anos que a qualidade da infraestrutura não melhora” (Crédito:Julio Ferenandes)

A situação aumenta em 25% o custo do transporte. No caso das ferrovias, que são mais eficientes, a constatação é de recursos insuficientes. Em nove anos, o governo gastou apenas 67,5% dos R$ 19 bilhões destinados ao modal. “Faz anos que a qualidade da infraestrutura não melhora, só piora”, diz Bruno Batista, diretor-executivo da CNT. Os dados levantados pela CNT mostram ainda que os R$ 5,95 bilhões destinados para as rodovias em 2015 – número mais recente – representaram 78% do valor autorizado em 2014, o menor valor aplicado desde 2011. A entidade estima que seriam necessários R$ 57,1 bilhões apenas para recuperar as estradas cuja condição do pavimento está desgastada ou totalmente destruída.

O pacote de infraestrutura lançado nesta semana pelo governo traz apenas uma nova concessão rodoviária, um trecho da BR 101, em Santa Catarina. Entre os novos leilões, há quatro terminais portuários. O restante inclui renovações de 12 trechos ferroviários, relicitação de três rodovias, além de linhas de transmissão (leia quadro ao final da reportagem). “O plano pode marcar uma retomada dos investimentos, mas são poucos projetos diante das necessidades”, diz Batista. Os especialistas dão ênfase na necessidade de expandir e melhorar a atual malha ferroviária, que possui 28.176 quilômetros, mas é pouco utilizada. A questão é considerada crucial para o agronegócio.

“O Brasil não vai longe se continuar exportando soja via caminhões”, diz Barreto, da Solve Shippings “Os gastos são muito altos para um produto com valor baixo.” Com os problemas na BR-163, um grupo de seis tradings, que inclui a Cargill e a Bunge, elaborou um projeto para construir uma ferrovia de 1.142 quilômetros, de Sinop (MT) a Miritituba (PA). Havia expectativa de que o projeto fosse incluído no anúncio do governo, mas isso não aconteceu. Ao custo de R$ 12,6 bilhões, a chamada Ferrogrão poderá reduzir o custo do frete ao Arco Norte em pouco mais de 30%. Mesmo que saia do papel, trata-se de um projeto de médio prazo. Enquanto isso, o jeito é seguir viagem pela BR-163 e torcer para que todo o trabalho dos agricultores não seja jogado na lama.

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