Ao decidir transferir sua linha de produção de Curitiba para a Zona Franca de Manaus, em 2015, a fabricante de computadores e tablets Positivo passou a conviver com a insegurança e o desconforto de se distanciar dos grandes centros consumidores. O grupo estava há 28 anos na capital paranaense, mas foi seduzido pelo conjunto de subsídios fiscais da zona amazonense. O acerto da decisão ficou claro ao final do ano passado, quando a companhia pode contabilizar o resgate de créditos tributários que costumava acumular.

Em nove meses, foram recuperados R$ 60 milhões em impostos, 75% do esperado para o ano, enquanto no mesmo período de 2015 o estoque era de R$ 66 milhões a receber. “Isso, junto à mão de obra, compensou a distância geográfica”, afirma o presidente do grupo, Hélio Rotenberg. “Tínhamos muitos créditos tributários federais acumulados.” Com 50 anos de idade completados em fevereiro, 600 indústrias e 79 mil funcionários, a Zona Franca de Manaus, composta por três pólos – industrial, comercial e agropecuário –, ainda carrega como principal atributo as pesadas vantagens tributárias para conseguir atrair novas empresas.

Para compensar uma distância de cerca de 4.000 quilômetros de São Paulo, as companhias são agraciadas com redução de 88% do Imposto de Importação nos insumos, 75% de Imposto de Renda e isenção de PIS/Pasep e Cofins. Na esfera estadual, as companhias recebem restituição parcial ou total do ICMS e ainda são agraciadas com incentivos adicionais, como a venda de terrenos a preços simbólicos. “Os benefícios fiscais assegurados pela Constituição são as principais vantagens”, afirma Cesar Ueda, gerente geral da fábrica da Panasonic em Manaus. A companhia se instalou na região em 1981. “Quando se faz um comparativo com os custos logísticos, que são altos, as isenções cobrem esses gastos.”

A força dos subsídios: segundo Hélio Rotenberg, presidente da Positivo, os subsídios da Zona Franca de Manaus compensam a distância para os centros comerciais
A força dos subsídios: segundo Hélio Rotenberg, presidente da Positivo, os subsídios da Zona Franca de Manaus compensam a distância para os centros comerciais

Criada em 1967, a ideia da Zona Franca era ajudar a incentivar o desenvolvimento dos Estados da Amazônia Ocidental – Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima – e as cidades de Macapá e Santana, no Amapá, que equivalem a 25% do território nacional. “Ela nasceu dentro da lógica de substituição de importações do governo militar”, diz Rebecca Garcia, superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). “Mas atualmente não se limita a isso, tendo desenvolvimento tecnológico e mão de obra altamente qualificada.”

Os defensores da iniciativa apontam para os benefícios sociais que a medida teve na economia das sociedades da Amazônia Ocidental, cujas atividades após o ciclo da borracha se restringiam, basicamente, à agricultura familiar, fruticultura e extrativismo. Dados do Departamento de Economia e Análise da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) mostram que ela foi responsável por elevar o PIB da Amazônia Ocidental de 0,7% do total brasileiro em 1965, para 1,6% em 2010. “Por 50 anos a Zona Franca sustenta Manaus”, afirma Arthur Virgílio Neto, prefeito de Manaus. “Ela representa 79% da economia do Amazonas.”

A zona especial também é apontada como responsável por garantir a manutenção de uma grande parte da floresta amazônica de pé. O caráter sustentável é um desenvolvimento importante, ainda que não intencional. “Se não fosse pelo Pólo Industrial, veríamos um desmatamento muito elevado da floresta”, diz Garcia. Ainda que tenham contribuído para gerar riqueza e desenvolvimento na região, as isenções fiscais da Zona Franca são controversas e suscitam questionamentos quanto à capacidade de aprimorar a competitividade da economia como um todo a um custo elevado de recursos públicos.

Segundo dados do Sindicato dos Funcionários Fiscais do Estado do Amazonas (Sindifisco), a renúncia mensal foi de R$ 640 milhões na média no ano passado, ou mais de R$ 7,7 bilhões no ano. O valor é superior à previsão orçamentária de arrecadação do ICMS de outras atividades, excluindo a Zona Franca, de R$ 7,3 bilhões, insuficiente para garantir que as contas fechem no azul – a estimativa é de um déficit de pouco mais de R$ 1 bilhão neste ano. Os incentivos pesam ainda mais na esfera federal. A renúncia é estimada em R$ 28,5 bilhões em 2017, só atrás das isenções tributários com o Simples Nacional (R$ 79,7 bilhões), segundo dados do Orçamento.

Na questão da competitividade, o risco é que as empresas se tornem muito dependentes da contribuição pública. Outro ponto levantado pelos críticos é que o formato do pólo ainda se escora quase que integralmente no mercado interno. No ano passado, as vendas a outros Estados totalizaram R$ 72 bilhões em 2016, enquanto as exportações foram de apenas R$ 1,5 bilhão. Para Rafael Cagnin, economista do Instituto para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), essa forma de atuação é distinta de outras zonas francas do mundo e não gera ganhos tecnológicos.

Modernidade: inaugurada em 1967, a zona franca tinha como proposta trazer Desenvolvimento econômico para a região norte, que desde o fim do ciclo da borracha estava isolada do resto do país e dependia de atividades de pouco valor agregado, como o extrativismo
Modernidade: inaugurada em 1967, a zona franca tinha como proposta trazer Desenvolvimento econômico para a região norte, que desde o fim do ciclo da borracha estava isolada do resto do país e dependia de atividades de pouco valor agregado, como o extrativismo (Crédito:Arquivo/Ag. O Globo)

“Ela fica concentrada apenas na montagem porque não está integrada às cadeias globais”, diz Cagnin. Não se trata exclusivamente de um problema da Zona Franca, mas acaba se refletindo na área especial e no emprego dos subsídios. Os motivos por trás da falta de integração são históricos. “Na década de 1980 era a estabilidade macroeconômica que prejudicava, em 1990, era a questão do câmbio e dos juros altos.” O debate sobre o custo-benefício das isenções fiscais voltou à tona em 2014, quando o Congresso antecipou as discussões sobre uma nova prorrogação dos benefícios, originalmente programadas para 2023.

Apesar das críticas, o Legislativo aprovou a extensão das reduções tributárias até 2073. Enquanto poucos duvidam dos benefícios da criação da Zona Franca de Manaus para o avanço econômico da região, o questionamento se centra sobre a eficácia do modelo como forma de desenvolvimento regional. “Penso que o Estado pode fazer muito melhor ao canalizar os recursos para o investimento em educação e em infraestrutura”, diz Roberto Castello Branco, diretor do centro de estudos FGV Crescimento & Desenvolvimento.

Para Maurício Brilhante de Mendonça, professor do Departamento de Administração da UFAM, essa questão não pode ser resolvida enquanto não houver uma reflexão sobre como melhorar as condições para a indústria como um todo e como integrar áreas isoladas à economia maior. “Enquanto não se tem essa discussão acerca de alternativas, a política de incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus é necessária por questões sociais, políticas, geopolíticas e econômicas”, afirma. Será assim por mais de 50 anos ainda.

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