A piora da inadimplência por causa da recessão gerou um volume bilionário de créditos em atraso no País. O movimento obrigou os bancos a intensificarem a venda dessas operações para empresas especializadas em cobrança, em um mercado conhecido como o de “créditos podres” – dívidas que já estão há bastante tempo vencidas e, portanto, de difícil recuperação. A estimativa é que as instituições financeiras movimentem entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões em créditos podres este ano, ante uma média de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões negociada nos últimos anos, segundo fontes ouvidas pelo ‘Estadão/Broadcast’.

Nos últimos três anos, o sistema financeiro brasileiro “limpou” de seus balanços cerca de R$ 200 bilhões em prejuízos. Ou seja, os bancos reservaram esse valor para fazer frente às perdas com devedores duvidosos. Mas o tamanho do mercado total de dívidas em aberto – de pessoas físicas e empresas, considerando, além de bancos, financeiras – pode chegar a R$ 400 bilhões. Desse montante, que engloba operações renegociadas e em atraso, apenas R$ 100 bilhões são dívidas consideradas recuperáveis, diz Flávio Suchek, presidente da Recovery, empresa líder em gestão e recuperação de crédito, que desde o fim de 2015 pertence ao Itaú Unibanco.

Embora a economia esteja dando sinais de reação, com juros e inflação em queda, o total de brasileiros e de empresas que já não consegue pagar suas dívidas continua alto. Em junho, o número de consumidores inadimplentes bateu 60,6 milhões de pessoas, uma leve queda sobre maio – quando atingiu recorde de 61 milhões brasileiros, de acordo com dados da Serasa Experian.

No caso das empresas, a situação é parecida. Em maio, houve um crescimento de 15,9% das companhias com débitos atrasados, com 5,1 milhões de CNPJs “negativados” – o maior índice desde março de 2015, quando o levantamento passou a ser feito. O valor total de dívidas em aberto das empresas é de R$ 119,2 bilhões.

Carteira

Pela regulação, dívidas com mais de 180 dias de atraso, e que foram 100% provisionadas (montante que os bancos reservam para arcar com essas possíveis perdas), são retiradas do balanço das instituições (baixadas a prejuízo). É na tentativa de diminuir a perda com esses empréstimos que já são considerados dinheiro perdido, que o bancos negociam os “créditos podres” para instituições especializadas em fazer a cobrança com mais eficiência. Essas carteiras de dívidas são vendidas com desconto e, por conta da crise, que impulsionou o volume dessas operações, têm atraído cada vez mais investidores.

“A crise é o principal motor e a melhora da situação da economia foi o acelerador desse processo de venda de créditos vencidos no Brasil. Isso porque, no ápice da crise, os bancos estavam muito mais preocupados em reestruturar créditos importantes”, avalia Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, empresa especializada na recuperação de dívidas vencidas.

Agora, essas transações voltam ao radar dos bancos. Na prática, a venda dos créditos podres tem pouco efeito em termos de resultados para as instituições financeiras. A vantagem, segundo executivos do setor, está no fato de que, ao se desfazerem dessas dívidas, os bancos desafogam sistemas e equipes. Com isso, conseguem dar maior foco à recuperação de créditos ainda vigentes, que trazem maior retorno.

“A venda de carteiras de crédito já baixadas a prejuízo libera recursos financeiros e humanos e permite a probabilidade de uma recuperação maior. De fato, temos apresentado resultados importantes na cobrança de outros créditos”, disse o vice-presidente do Bradesco, Alexandre Gluher, na teleconferência de resultados do segundo trimestre.

Compensação. O Bradesco, que por anos relutou recorrer ao mercado de crédito podre, já vendeu quase R$ 9 bilhões no mercado. Além da crise, pesou o fato de o HSBC, cuja operação no Brasil foi incorporada no ano passado, ter aumentado a sua carteira de operações problemáticas. A estreia do banco no segmento é, inclusive, vista como o grande incentivador do mercado de créditos podres este ano. Isso porque supriu a ausência de outros bancos, como a Caixa Econômica Federal, o mais ativo nesse segmento. O banco público está impedido há mais de um ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de vender carteiras após o órgão identificar irregularidades nas operações já feitas.

A maior atividade dos concorrentes no segmento possibilitou ao Banco do Brasil reforçar o seu braço de recuperação de créditos inadimplentes, a Ativos, em operação desde 2003. A empresa já comprou quase R$ 4 bilhões em operações somente na primeira metade deste ano, o dobro do volume adquirido em todo o exercício de 2016. “Sob a ótica da Ativos, a crise gerou uma oportunidade de negócio. O processo de uma crise bastante alongada teve impacto na carteira dos bancos e fez com que eles procurassem alternativas para operações de crédito que já estavam na carteira em perda”, explica vice-presidente de Controles Internos e Gestão de Risco do BB, Márcio Hamilton Ferreira. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.