A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) fez fortes críticas à condução da Assembleia Geral de Acionistas da Vale (AGO), realizada nesta quinta-feira, 20. Pelos cálculos da entidade, mais da metade das procurações de acionistas estrangeiros foi impugnada pela companhia. O resultado foi a falta de quórum para a eleição em separado de candidatos indicados pelos minoritários ao conselho de administração da mineradora.

“Estamos muito preocupados. Um nível alto desses sugere que os parâmetros que estão sendo estabelecidos pela Vale e por outras companhias talvez estejam sendo excessivos”, disse ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, o presidente da entidade, Mauro Cunha.

A Amec afirma que vai alertar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre os episódios. O temor da entidade é que esse padrão de “recrudescimento de requerimentos burocráticos” passe a se repetir, justamente em um momento em que cresce o ativismo societário no País e em que são adotados procedimentos como o boletim de voto a distância. “Se essas impugnações forem abusivas, toda melhoria no processo de voto dos últimos anos não vai ter adiantado de nada”, ressalta Cunha.

Para o presidente da Amec, a Vale não seguiu as melhores práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), que determina a boa fé na recepção de procurações. “Houve procuração assinada pelo presidente do Banco Central da Noruega sendo impugnada por falta de um carimbo”, exemplifica.

A AGO foi a primeira realizada pela Vale após o anúncio de sua reestruturação societária, que prevê o fim da Valepar – holding que reúne os controladores -, a unificação das ações em uma única classe e a adesão ao Novo Mercado, mais alto segmento de governança corporativa da bolsa de valores. “O mercado ficou excepcionalmente decepcionado com o resultado da assembleia”, disse Cunha.

A tentativa frustrada dos minoritários da Vale de elegerem um membro independente para o conselho de administração da mineradora por falta de quórum gerou tensão na AGO. A reunião começou com duas horas de atraso, porque a companhia optou por computar os votos dos acionistas antecipadamente. Além disso, houve demora na validação de procurações de acionistas, locais e estrangeiros, que não compareceram presencialmente. Uma boa parte deles teve seus documentos rejeitados pela Vale e acabaram não podendo votar.

Representante de fundos estrangeiros com grande participação na Vale, o advogado Daniel Alves Ferreira registrou um protesto durante a AGO. Segundo ele, menos da metade das 46 milhões de ações ordinárias e das 180 milhões de ações preferenciais que representava tiveram sua participação validada sob a alegação de problemas na documentação.

“A questão da governança nos preocupa. Não foi a melhor prática. Meu escritório participa de mais de 400 assembleias por ano e a única companhia que impede o acionista de participar é a Vale”, disse Ferreira, lembrando que o cômputo dos demais votos em suas mãos não alteraria o resultado da eleição.

Candidato a vaga destinada aos detentores de ações preferenciais por indicação do fundo Geração Futuro L.Par, VIC DTVM e Victor Adler, o advogado Marcelo Gasparino pediu que a companhia abrisse os votos computados por candidato, mas não foi atendido. Ele afirmou na assembleia que detentores de 387 milhões de ações preferenciais votariam em seu nome. No entanto, apenas 295 milhões de ações foram registradas como aptas a votar.

“Eu entendo que no momento pelo qual a Vale passa é muito importante que ela tenha membros independentes. É lamentável para todo o processo que se apresentou como de mudança de nível de governança da companhia. Me esforcei muito para apresentar propostas. Fico entristecido de saber que dos votos que soube que estão presentes mais de um terço não foram computados”, disse durante a AGO.

O diretor executivo e Recursos Humanos, Sustentabilidade, Integridade Corporativa da Vale, Clóvis Torres, não detalhou os problemas encontrados nos documentos. O executivo frisou que a Vale publicou o edital de convocação da AGO há 30 dias, como determina a lei societária, e o manual da assembleia, onde constam as exigências para participação. “Para nós é uma surpresa porque são procedimentos relativamente simples de serem cumpridos e que sejam usados para acusar a companhia de não cumprir as regras de governança corporativa”, disse. Torres afirmou que criar exceções a acionistas que se apresentam de última hora sem atender às exigências é que seria um descumprimento das boas práticas.

Mauro Cunha destaca que será difícil entender o que aconteceu de fato na AGO da Vale, porque a CVM não acatou a sugestão da Amec de exigir a divulgação do mapa analítico de votação, apenas o sumário do processo.

O representante da Valepar na assembleia propôs que o conselho de administração da companhia avalie a convocação de uma nova assembleia de acionistas, com o objetivo de dar uma nova chance para a eleição de um membro independente ao conselho. Indicada pela Aberdeen pela cadeira dos preferencialistas, a especialista em governança corporativa Sandra Guerra disse que a iniciativa dos acionistas controladores é positiva.

“Não me lembro de um caso como esse. Demonstra interesse em conseguir um caminho para que os minoritários sejam representados no conselho”, disse após a assembleia. Ela destacou que, mesmo com o avanço da tecnologia, o processo de voto dos minoritários, em especial os estrangeiros, ainda percorre um caminho complexo e que pode dificultar a eleição de candidatos. No caso dela e de sua companheira de chapa, Isabella Saboya, os nomes acabaram de fora de boletim de voto (proxy card) por falha do banco depositário dos papéis. “Fui abordada por investidores de fora que disseram que queriam fortemente votar em mim mas não conseguiram”, disse.

Sandra diz que está disposta a se candidatar novamente caso uma nova assembleia seja convocada pela Vale. Já Marcelo Gasparino diz que não vai concorrer novamente. “Não serei candidato. Acho que a postura da companhia foi equivocada. Me pergunto se será a mesma quando precisar dos minoritários para aprovar uma proposta”, disse ao Broadcast. Em junho a Vale fará nova assembleia para aprovar a conversão de ações preferenciais em ordinárias, passo essencial para a continuidade de sua reestruturação.