No dia 26 de fevereiro, um domingo, o empresário Antônio Alberto Saraiva e a rede Habib’s deram o que falar nos meios de comunicação e nas redes sociais de todo o País. O motivo foi a morte do jovem João Victor de Souza Carvalho, de 13 anos, que se envolveu numa confusão com funcionários da lanchonete da rede em Vila Cachoeirinha, na Zona Norte de São Paulo. Câmeras de vigilância registraram o momento em que o menino fugia de três pessoas no estabelecimento e, instantes de depois, reaparecia sendo arrastado por elas. Os funcionários afirmaram que João Victor pedia esmola e ameaçava quebrar os vidros da lanchonete e de carros de clientes com o pedaço de madeira que carregava.

A cena, que circulou nas redes sociais e na TV, sugeria que João Victor havia sido agredido e mostrava ele sendo arrastado e largado na calçada, agonizando. Algumas testemunhas disseram, em depoimento à polícia, que o garoto havia apanhado. O laudo da necropsia, no entanto, apontou que a causa da morte foi um infarto do miocárdio causado pela ingestão de drogas. A defesa da família contestou o resultado e vai pedir a exumação do corpo. Mesmo que, em um primeiro momento, o Habib’s tenha sido inocentado no campo criminal, o episódio gerou danos incalculáveis à imagem e reputação da rede.

“A demora da empresa em pedir desculpas públicas pelo comportamento inadequado dos funcionários da unidade é o que mais pode manchar a sua imagem”, afirma Eduardo Tomyia, CEO da consultoria Kantar Vermeer para a América Latina. “Num momento de crise de imagem como esse, o presidente tem que mostrar a cara rapidamente, assumir uma postura transparente e garantir que algo assim não se repetirá. Caso contrário, poderá sofrer um boicote do consumidor.” E foi o que aconteceu. A morte de João Victor despertou a revolta de consumidores em todo o País, com protesto em frente a diversas unidades da rede. Mensagens de repúdio e avaliações negativas inundaram as redes sociais. “O estrago está feito. A reação negativa do consumidor está relacionada à forma como o caso foi tratado pelo Habib’s”, diz Júlio Moreira, especialista em gestão de marcas. “Não se pode delegar culpa em caso assim, e o ‘escapismo’ da empresa pegou mal.”

Durante toda a semana, o empresário Antônio Alberto Saraiva não atendeu ligações no celular e nem retornou aos pedidos de entrevista. Por meio da assessoria de imprensa, o Habib’s divulgou uma nota oficial. “A empresa esclarece que os funcionários envolvidos continuarão afastados e que, após apurações finais, tomará medidas cabíveis e emitirá um novo comunicado.” O mesmo documento informa, de forma extensa e detalhada, que o laudo 75042/2017 do Instituto Médico Legal (IML) conclui que a causa da morte foi o consumo de drogas, e que não foram encontrados sinais de lesões no corpo do garoto. É a segunda vez em que o fundador do Habib’s se envolve com um tema polêmico nas redes sociais.

Nos últimos dois anos, especialmente durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Saraiva tornou-se um dos protagonistas do meio empresarial no front de combate ao governo petista. “Não posso me amedrontar, me calar e me recolher diante de um momento histórico do País, que está agonizando com tanta corrupção e pessimismo”, disse ele à DINHEIRO, dias antes do afastamento de Dilma. A explícita posição política do empresário gerou dividendos, segundo ele, com a venda recorde de esfihas e quibes naquele período, além da gigantesca e espontânea exposição na mídia. Por outro lado, também atraiu a inimizade daqueles que defendiam a permanência da presidente no posto.

Qualquer que seja o desfecho, o caso João Victor deve se tornar objeto de estudo de gestão de marca e gerenciamento de crises corporativas. Um dos mais emblemáticos envolveu a água mineral Perrier, em 2011. Um laboratório americano identificou benzeno no produto. A empresa demorou a reconhecer o erro e, em duas semanas de polêmica, a companhia perdeu US$ 40 milhões em vendas e teve sua credibilidade manchada. Em 2013, a Unilever Brasil teve de dar explicações públicas sobre a contaminação de suco de maçã Ades, que continha soda cáustica, em decorrência de uma falha no processo de envase.

O presidente Fernando Fernandez, no entanto, pediu desculpas aos consumidores. Um ano depois, a PepsiCo também admitiu que havia colocado no mercado um lote do achocolatado Toddynho contaminado por uma bactéria. “O problema não é errar, porque todos erram, principalmente empresas grandes e pulverizadas, como é o caso do Habib’s com suas franquias”, afirma Marcos Bedendo, professor de branding do curso de pós-graduação da ESPM. “O erro pior está na demora em responder e na dificuldade em entender que a sociedade brasileira está cada vez mais sensível na busca por justiça. Se o Habib’s tivesse enxergado isso, o ‘capital de perdão’ dos consumidores seria maior.”