Como todo político em Brasília nos dias de hoje, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, vive dias inquietos. Em tempos de vacas magras na economia, ele dribla o desafio de impedir que as pesquisas parem no País por falta de recursos e ainda lida com um pepino gigante: o caso da operadora de telefonia Oi, que está em sérias dificuldades financeiras (leia mais aqui). Filho de libaneses, ele ostenta um currículo vasto na vida pública. Foi vereador, prefeito de São Paulo, deputado estadual e federal, ministro de Estado do Governo Dilma e ainda fundou um partido, o PSD.

Agora, no Governo Temer, enfrenta os efeitos da delação da Odebrecht. Seu nome foi mencionado nos rumores sobre a lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que envolveria seis ministros e incendiou o debate sobre o uso de financiamento ilegal de campanhas políticas. Kassab defende a operação Lava Jato: “Qualquer que seja o partido político, se tiver feito alguma irregularidade, que seja punido”. Na quinta-feira 16, ele falou à DINHEIRO.

DINHEIRO – Como o governo brasileiro analisa a crise financeira da operadora Oi, cujas dívidas alcançam R$ 65 bilhões? Haverá algum tipo de intervenção na empresa?

GILBERTO KASSAB – A preocupação é evidentemente muito grande. A Oi tem uma presença muito forte no País, opera em mais de dois mil municípios. E, se a intervenção judicial na empresa não for bem-sucedida, só nos restará intervir. Até porque, somos obrigados a fazer isso por meio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que está preparada. A Agência tem tomado as últimas providências, tenho sido atualizado semanalmente sobre a situação. O que estiver ao nosso alcance para apoiar a Oi, que não sejam recursos, poderemos fazer. Mas [o que podemos fazer] é muito pouco no momento.

DINHEIRO – A sua percepção diante dos fatos é de que deve haver uma intervenção na Oi?

KASSAB – Se eu te disser que é, amanhã isso será manchete em todos os jornais. Até porque não é. Uma intervenção tira do comando os atuais controladores. Para eles é muito melhor o entendimento com os investidores do que perder o controle com uma intervenção. Nós não queremos intervir e acredito que eles também não queiram.

DINHEIRO – E em relação às multas da Anatel? A Oi diz que deve R$ 11 bilhões. Já a Anatel afirma que tem R$ 20 bilhões a receber da operadora. Haverá uma anistia para esta dívida, algum tipo de barganha por algum tipo de compromisso de investimento?

KASSAB – Chance zero de barganha, não existe esta palavra aqui. E chance zero de anistia. O que existe é uma discussão com Ministério Público, Anatel, Tribunal de Contas da União e Advocacia Geral da União. Isso para saber até que ponto, pensando-se exclusivamente no usuário, existe a possibilidade de se fazer uma conversão de parte da dívida, sem perdão. Investimentos que seriam definidos pelo Poder Público para este fim.

DINHEIRO – Muitas operadoras de telefonia reclamam que o aplicativo WhatsApp fornece um serviço de voz sem pagar os devidos impostos que elas pagam, o que caracterizaria uma concorrência desleal. O governo pretende taxar o WhatsApp por estes serviços?

KASSAB – Não haverá nenhuma carga tributária sobre o WhatsApp. Temos a perfeita noção de que isto penalizaria demais o consumidor brasileiro. É preciso encontrar outras saídas criativas de convivência desses dois mundos, de novas tecnologias e operadoras. Mas jamais com a criação de impostos.

DINHEIRO – Que tipo de “saídas criativas” podem ser adotadas?

KASSAB – É preciso uma saída que contemple ambos os lados. Assim como o WhatsApp tem esta facilidade, o conforto de não pagar impostos, é possível algum diálogo na regulamentação. Da outra parte, das operadoras, identificar formas para que sejam mais baratas as operações que realizam.

DINHEIRO – O Senado aprovou, na última quarta-feira 15, uma emenda ao Marco Civil da Internet que proíbe limites para a banda larga fixa no Brasil. O senhor havia se posicionado recentemente a favor desse limite. Como avalia esta posição dos senadores, que deve agora passar pelo crivo da Câmara dos Deputados?

KASSAB – Em primeiro lugar, não disse que defendia o limite, mas sim de que havia uma discussão. Eu inclusive defendi esse projeto (votado no Senado). Até porque, com o passar do tempo, existirão melhorias tecnológicas e instrumentos que permitam que as operadoras ofereçam banda larga ilimitada. Nesse sentido, tenho certeza que a mudança no Marco Civil é correta.

Orelhões da Oi: intervenção judicial e multas da Anatel
Orelhões da Oi: intervenção judicial e multas da Anatel (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – Há uma discussão crescente no meio político e no mercado se é de fato o momento para uma revisão da Lei de Informática, uma modernização. Isso ocorrerá?

KASSAB – Sim, por causa da decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC), tanto na Lei da Informática quanto na Lei do Bem (em novembro de 2016, a OMC condenou a política industrial brasileira por uma série de incentivos concedidos). O Brasil precisa se atualizar. Até mesmo para proteger nossos investimentos. O País está representado pelo Ministério das Relações Exteriores junto à OMC. De minha parte, já solicitei à Secretaria de Informática um trabalho sobre atualização das duas leis – Informática e Bem – diante de algum posicionamento da OMC nesse sentido. Lembrando que a OMC não está mais aceitando uma série de incentivos aqui no Brasil. E não podemos aceitar isso passivamente, até porque esses incentivos foram fundamentais para o nosso crescimento.

DINHEIRO – Como o governo brasileiro avalia a postura da OMC em relação aos incentivos concedidos?

KASSAB – Avaliamos com muita preocupação. Achamos que é uma postura equivocada da OMC, até mesmo indevida. Mas estamos agindo com a garra de que dispomos, com o peso do governo brasileiro. Vamos com muita energia na defesa dos interesses do Brasil.

DINHEIRO – O que será feito?

KASSAB – Consideramos a “Lei de Informática” um patrimônio brasileiro. E caso a decisão da OMC seja mantida, causará um enorme desconforto, em prejuízo às políticas públicas de informática no País. E um gestor público precisa trabalhar com todas as possibilidades, isto é, para reversão da decisão da OMC e também caso isso não ocorra.

DINHEIRO – Olhando-se no retrovisor, o governo brasileiro concedeu muito mais incentivos para indústria de hardware do que a de software nas últimas décadas. Os números mostram hoje que a indústria de software é muito relevante. O que mudou?

KASSAB – De fato houve grande incentivo ao hardware no passado. Mas continuamos tendo a perfeita noção de que é preciso uma atualização. A razão para isso é que as transformações nessa área são muito rápidas. Penso que continua sendo importante incentivar o hardware, sem deixar de observar o peso cada vez maior da indústria de software.

DINHEIRO – O senhor está com viagem agendada na próxima terça-feira, 21, para o lançamento de um satélite brasileiro na Guiana Francesa. Para que servirá este satélite?

Para o ministro, é preciso encontrar uma solução criativa entre aplicativo e operadoras
Para o ministro, é preciso encontrar uma solução criativa entre aplicativo e operadoras (Crédito:Divulgação)

KASSAB – Vamos lançar o primeiro satélite proprietário brasileiro, construído na França com a transferência de tecnologia, um projeto de mais de 20 anos. Foram gastos R$ 2,7 bilhões, dos quais R$ 1,5 bilhão já foram pagos. Este satélite nos dará autonomia para implantação da banda larga em todo o território nacional, nas regiões mais pobres inclusive. E 30% da sua capacidade será usada para a Defesa, para o monitoramento de nossas fronteiras.

DINHEIRO – Em relação à telefonia fixa, as empresas que assinaram os planos de universalização lá atrás, quando foi feita a Lei Geral de Telecomunicações, são obrigadas a cumprir uma série de compromissos que as outras, que vieram depois, não precisam. Como resolver esse problema?

KASSAB – É preciso lembrar que a telefonia fixa está acabando em todo o mundo. Em 2025, quando terminar a concessão, a telefonia fixa não valerá nada, muito menos o seu patrimônio. Lembrando que, mesmo assim, o que sobrar desse patrimônio o governo brasileiro será obrigado a comprar. Há um projeto em tramitação no Senado, que particularmente defendo, em que haveria uma migração da telefonia fixa. As empresas comprariam esse patrimônio que vale algo hoje, e em contrapartida seriam obrigadas a investir em banda larga.

DINHEIRO – O dinheiro anda escasso em Brasília, cortes grandes nos orçamentos. Como está o seu cobertor no ministério, curto?

KASSAB – Assumimos o ministério com uma situação de terra arrasada. O fato é que vivemos uma conjuntura econômica desfavorável, não daria para imaginar que teríamos aqui no ministério uma Ilha da Fantasia, um céu de brigadeiro. Mas com a compreensão do presidente Temer e da equipe econômica, recuperamos um pouco, cerca de 30% além do que foi orçado no ano passado. Estamos acima da média em relação aos outros ministérios.

DINHEIRO – E quais são as prioridades do ministério?

KASSAB – São os projetos já em andamento. Por exemplo, o projeto do acelerador de partículas Sirius, em Campinas, que será o segundo mais moderno do mundo. Há também os pagamentos da FINEP (fomento à ciência, tecnologia e inovação), os de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sem contar as cidades inteligentes, que ampliaremos, e o trabalho em Internet das Coisas (IOT, na sigla em inglês), que é a grande pauta do momento. Em relação a IOT, aliás, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contratou uma consultoria internacional que até setembro traçará um plano de ação e investimento.

DINHEIRO – E em relação à política? O que o senhor tem a dizer sobre a lista do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot e de que forma influencia o seu trabalho e o dia a dia no ministério?

KASSAB – Eu defendo a Lava Jato, acho que ela é muito importante para o País. Trata-se de um momento muito feliz dessas apurações. Em relação às campanhas que participei, do meu partido e aliados, não tenho conhecimento de nenhuma irregularidade. Portanto, que sejam feitas as investigações. E qualquer que seja o partido o político, se tiver feito alguma irregularidade, que seja punido.

DINHEIRO – Quais são os seus planos políticos?

KASSAB – Hoje estou licenciado do meu partido [PSD]. Mas no momento correto vou me reunir com meu colegas. Parodiando o governador Geraldo Alckmin, ano ímpar é para administrar; ano par, cuida-se de eleição. Eu gosto da vida pública, já fui muita coisa e vou continuar. Considero-me uma pessoa muito feliz. As circunstâncias ditarão
o meu futuro.