Um governador que pode ser cassado pela justiça eleitoral; um ex-governador preso por receber cerca de R$ 360 milhões em propinas, acusado de cometer 184 crimes de lavagem de dinheiro; um estado com dívidas de R$ 106,15 bilhões; hospitais paralisados; 246 mil funcionários públicos inativos e 232 mil ativos com salários atrasados há, no mínimo, quatro meses, e a constante ameaça de a polícia cruzar os braços por falta reajustes salariais. Eis o caldeirão em que o Rio de Janeiro se transformou desde o fim da Olimpíada.

Tomado por protestos e conflitos quase que diários na capital fluminense, o Estado não tem a receita necessária para pagar as despesas dos próximos dias, estimada em, pelo menos, R$ 3,9 bilhões. Sem contar as dívidas já acumuladas. “Se eu tivesse (dinheiro) você acha que eu deixaria de pagar a folha de pagamento dentro do mês? Eu queria pagar dia 28 ou 27. Mas não é a realidade das finanças hoje. Por isso eu peço compreensão e ajuda”, disse o governador Luiz Fernando Pezão em entrevista coletiva na quarta-feira 15.

A história se repete como tragédia. A Grécia, depois de receber a Olimpíada de 2000, mergulhou numa grave crise financeira, que, passados 16 anos, ainda deixa um rastro de incerteza nas contas públicas (leia reportagem aqui). O Rio parece um espelho grego. Sete meses depois da realização dos Jogos, as arenas estão abandonadas. Para entregar o evento esportivo no prazo, o Estado precisou de um financiamento estimado em R$ 17,5 bilhões, entre 2012 e 2015, o que piorou sua situação fiscal. A dívida consolidada de R$ 106,15 bilhões no ano passado, provocou atrasos no pagamento dos salários de funcionários públicos.

Desde o mês de janeiro o governador negocia um empréstimo de R$ 6,5 bilhões com o Banco do Brasil para honrar as contas. Na última semana, porém, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, suspendeu o repasse dos depósitos judiciais do banco para o Estado. “Essa é uma recessão que veio para ficar por muito tempo, pois o Estado não tem novas frentes de arrecadação”, diz Marcelo Neri, ex-ministro de assuntos estratégicos e diretor da FGV Social. “A crise é uma situação crônica. Terá que cortar muita despesa, já que politicamente será muito complicado.”

Na semana passada, a secretaria estadual da Fazenda publicou no Diário Oficial o excedente nos gastos com pessoal dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) permite que o governo dedique até 60% do orçamento para esse fim. Mas o Rio ultrapassou esse teto em 12,3 pontos percentuais. Essa situação levou ao abandono de serviços essenciais, como a saúde, e fez os policiais militares ameaçarem parar. O exército, por exemplo, será responsável pela segurança pública até, pelo menos, o carnaval.

“Acompanhamos a situação do Rio de Janeiro de perto e não avaliamos melhoras dentro de um horizonte de um ano e meio, caso medidas estruturais não forem tomadas”, diz Paulo Fugulin, analista-sênior da agência americana de classificação de risco Fitch. “Uma resolução definitiva virá apenas com a reforma da previdência.” Os resultados apresentados ao longo do último ano fizeram com que agências de rating rebaixassem a nota do Rio, que carrega o título de mau pagador. Na Fitch, é o pior Estado brasileiro, com a nota C. O déficit primário de R$ 6,3 bilhões das contas públicas fluminense foi quase duas vezes superior ao segundo pior resultado da lista, que é de Minas Gerais, com R$ 3,2 bilhões.

Para se ter uma ideia do buraco, a Previdência do Rio apresentará um déficit de R$ 13 bilhões neste ano, o equivalente a 65% do saldo negativo total de R$ 20 bilhões no Orçamento estadual. Isso explica a razão do ajuste previdenciário ser um dos pontos centrais do acordo de socorro negociado com a União. A Alerj, no entanto, parece viver em outra dimensão e se mostra despreocupada com o caos do Estado. Em janeiro, o governo federal, por meio do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, e o estadual costuraram um acordo que representaria um alívio de R$ 62 bilhões no caixa do estado nos próximos três anos. Mas, para que o plano tenha validade, é preciso que a Alerj aprove projetos como contrapartida a esse socorro. A oposição ao governo estadual vem atuando para atrasar o avanço de propostas.

Enquanto o Estado liberou quase R$ 1 bilhão para quitar e reajustar pelo menos o salário de servidores ativos e inativos da Segurança Pública, os deputados adiaram a votação do projeto que autoriza o uso das ações da companhia de saneamento, a Cedae, para viabilizar um empréstimo imediato de R$ 3,5 bilhões da União. Em nota, a Alerj afirmou que a votação prosseguirá nas sessões ordinárias entre os dias 21 a 23 de fevereiro. “Para que o Rio de Janeiro saia do buraco, é preciso que todas essas medidas sejam aprovadas na Alerj”, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. “A demora para aprovar as medidas causará um colapso social.” Uma lentidão que vai dando contornos de uma tragédia grega sem fim.

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