A primeira semana do mês é esperada com ansiedade nos corredores da subsidiária brasileira da P&G, localizada na Zona Sul de São Paulo. Isso porque esse é o período que o presidente da companhia, o pernambucano Alberto Carvalho, reserva para ouvir os planos e ideias dos funcionários das mais diversas áreas. O clima é igual ao visto em rodadas de investimento de startups ou em programas de televisão do gênero, como o Shark Tank, no qual o candidato tem três minutos para convencer o investidor a apostar na sua ideia. Na semana da P&G, os funcionários apresentam suas ideias e como elas podem ser rentáveis para o futuro da companhia, que faturou US$ 65 bilhões globalmente em 2016.

Tudo em menos de dez minutos. Na bancada em frente deles, Carvalho anota as suas observações, acompanhado de dois diretores, que são escolhidos aleatoriamente a cada mês. Trata-se do programa “Inovar para Crescer” e o jeitão de Vale do Silício, região da Califórnia de onde saíram algumas das empresas mais disruptivas (radicalmente inovadoras) do mundo, como Facebook e Google, é totalmente proposital.“Queremos deixar claro que a inovação está no nosso DNA e garantir que o consumidor esteja cada vez mais próximo da companhia”, diz Carvalho.

Seja por meio de clubes de assinatura, produtos inéditos ou serviços digitais e sob demanda, companhias como P&G, Ambev, Itaú, Visa, Bradesco, Cyrela e Anima, que fazem parte do ranking das 1.000 maiores empresas de AS MELHORES DA DINHEIRO e faturam globalmente o equivalente a R$ 386 bilhões, estão mudando a forma de se relacionar com os seus clientes. Se antes desenvolviam produtos e depois criavam a demanda para esses lançamentos, agora essas companhias buscam analisar os problemas dos clientes para criar novas soluções para eles.

“As empresas estão entendendo que a experiência do usuário é tão importante quanto a qualidade do produto”, diz Reynaldo Saad, sócio-líder para a indústria de bens de consumo e produtos industriais da consultoria Deloitte. “É o que se chama de Indústria 4.0: as empresas devem estar sempre em um patamar à frente da concorrência.” E é exatamente o que a P&G vem buscando com os seus programas de inovação. Iniciado há seis meses por Carvalho, a meta do “Inovar para Crescer” é estimular os funcionários internos a trazer soluções vistas em startups.

No último ano, por exemplo, a empresa colocou em operação dois clubes de assinatura: o Gillette Refil Club, que entrega em casa lâminas de barbear e produtos para pele, e o Clube Pró Saúde Oral-B, que vende kits de higiene bucal com descontos para pacientes de dentistas cadastrados. O CEO quer surfar na onda de clubes de assinatura, que entregam itens na porta dos clientes e mantêm um relacionamento duradouro com eles. Até agora, o programa da Oral-B tem 38 mil dentistas cadastrados e vendas que já somam R$ 100 mil. O Gillette Refil Club conseguiu 500 associados em três meses.

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O lançamento do clube da Gillette também tem outra explicação. Em julho de 2016, a rival Unilever pagou US$ 1 bilhão pela startup americana One Dollar Shave Club, que inaugurou os clubes de assinatura de lâminas de barbear. “Além das vendas, conseguimos entender os hábitos de consumo e as vontades dos clientes, o que aumenta a possibilidade de customização”, diz Carvalho. Para completar, diz o executivo, outros serviços podem ser importados de subsidiárias da companhia, como o lava jato de carros nos Estados Unidos, que leva a marca de produtos de limpeza Mr. Clean.

Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuda a entender o estágio de adoção dessa busca por inovação no Brasil. De acordo com o levantamento, 48% das companhias já usam tecnologias digitais em sua produção. Desse montante, 39% apostam que essas ferramentas podem ser preponderantes para aprimorar a qualidade dos produtos ou serviços. “A indústria 4.0 é um conceito recente. É natural que ele seja usado, a princípio, para ganhar eficiência e produtividade e, posteriormente, para diferenciar as ofertas na ponta”, diz João Emílio, gerente-executivo de política industrial da CNI.

Mesmo sendo um movimento ainda em maturação, já existem dados que comprovam os ganhos de quem segue essa abordagem. Segundo um estudo da empresa americana CA Technologies, o investimento em tecnologias digitais no Brasil, seja nos processos de manufatura ou no lançamento de produtos e serviços, tem o potencial de ampliar as receitas das empresas, em média, em 50%. No mundo, esse percentual é de 37%. “Um dos reflexos dessa onda de digitalização vai ser o crescimento de serviços e novos modelos de negócio associados aos produtos tradicionais”, afirma Emílio.

Foi o que aconteceu com a gigante de bebidas Ambev, que faturou R$ 45,6 bilhões no ano passado. A empresa, que domina quase 70% do mercado de cervejas, vem apostando em novos modelos para atender a um público que pede por cervejas de maior qualidade e onde ele estiver. Por isso, a companhia lançou, em agosto do ano passado, o Zé Delivery, uma plataforma de entrega de bebidas e petiscos. O segredo, no entanto, não é o simples envio para os clientes, mas a logística pensada para isso. A Ambev procurou bares parceiros nas cidades de São Paulo e Ribeirão Preto e ajudou os donos a se prepararem para a empreitada no melhor estilo iFood, o maior aplicativo de entregas de refeições do País.

Além da capacitação do ponto de venda, com o fornecimento de todo os aparatos tecnológicos, a empresa auxilia na gestão do estoque. Tudo para não faltar nenhuma de suas marcas, incluindo artesanais como Colorado e Wäls, na hora da entrega. Os pedidos podem ser feitos pelo navegador ou aplicativo. Os bares cadastrados recebem um percentual não revelado pela empresa, enquanto o frete fica para o entregador. A ideia, também, é atrair parceiros que não tenham uma loja estabelecida, mas que gostariam de fazer da sua casa um ponto de entrega. Ou seja, aqueles que queiram aumentar o seu rendimento no fim do mês, inspirados nos motoristas do Uber.

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A Ambev, que levou a Zé Delivery ao Rio de Janeiro no início de 2017, não divulga números relacionados. “Atendemos um consumidor diferente, que não teve como programar a compra”, diz Leonardo Longo, gerente de marketing de e-commerce da empresa. “É um consumo por impulso.” Enquanto a indústria se preocupa em conquistar o cliente em um novo momento de consumo, outros se mexem para sobreviver diante das mudanças dos tempos. Poucos setores evoluíram tanto quanto o bancário nos últimos anos. Antes, eram necessários dias para receber os extratos bancários, por exemplo, pelo correio. Agora, praticamente tudo pode ser feito pelo smartphone ou tablet.

De acordo com o Banco Central, 60% das transações realizadas em 2015, último número divulgado, tinham sido feitas fora das agências bancárias, seja pela internet ou serviço telefônico. A estratégia do Itaú, maior instituição financeira privada do País, é, de fato, deixar seus clientes cada vez menos dependentes dos pontos físicos. Esse processo foi acelerado com o surgimento de bancos 100% digitais, como o Original e o Nubank, conhecidos como fintechs. Para não perder mercado e conquistar os jovens, o Itaú segue o mesmo caminho.

Prova disso é que, em setembro do ano passado, a empresa passou a permitir que usuários abrissem suas contas correntes no banco pelo celular. Eles só precisavam enviar fotos dos documentos para as agências digitais, que em poucos minutos tudo estava confirmado. O resultado dessa e de outras ações: em 2016, o número de transações por meios digitais do banco brasileiro foi 33% maior em comparação ao ano anterior. Além disso, o Itaú quer migrar boa parte dos seus clientes de alta renda para as agências digitais. No fim de 2016, a empresa chegou a dois milhões de usuários com contas ligadas aos seus programas UniClass e Personnalité.

A promessa para angariar novos adeptos é que, a partir do celular ou do navegador, os clientes poderão resolver todos os problemas relacionados ao banco. “Nossa meta é oferecer na plataforma mobile todos os serviços disponíveis nos caixas eletrônicos e no site da companhia, ainda neste ano”, disse Roberto Setubal, presidente do Itaú, durante a divulgação dos resultados de 2016, em fevereiro deste ano. Além disso, o banco diminui custos com pontos físicos. Somente no ano passado, 168 agências foram fechadas. Essa migração para as contas digitais, aliás, tem sido alvo frequente de sindicatos, que afirmam se tratar de uma precarização de trabalho e o início de uma onda de demissão dos funcionários. Questionado pela DINHEIRO, Setubal negou a possibilidade. “Não estamos prevendo uma aceleração do fechamento de agências”, diz ele.

DINHEIRO DE PULSO No setor financeiro, a movimentação não está restrita aos bancos. A americana Visa é uma das gigantes que está se mexendo para acompanhar os novos hábitos dos consumidores. E o fio condutor dessa jornada é a busca por canais alternativos ao sistema de pagamento tradicional, bem como a oferta de serviços atrelados a essa plataforma. “O cartão está sendo desconstruído. Hoje, ele está dentro do celular, do relógio ou mesmo invisível, em serviços como Uber e Netflix”, diz Fernando Teles, presidente da Visa no Brasil. O plástico virou até pulseira. “Os vestíveis não vão substituir os cartões, mas serão mais uma alternativa de conveniência para os usuários.”

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Nessa ponta, a Visa já tem produtos na “prateleira”. Em julho, a companhia, em parceria com a Swatch e a Brasil Pré-Pagos, lançou um relógio pelo qual é possível fazer pagamentos por meio de tecnologia de aproximação, mais conhecida como NFC (Near Field Communication). O aparelho é vendido nas lojas da marca suíça por R$ 550. Outra iniciativa também traz como emissora a Brasil Pré-Pagos. Em novembro, as duas empresas lançaram uma pulseira NFC, vendida pela internet, por R$ 99. O produto tem recarga por débito, crédito ou boleto. Entre outros recursos, o usuário consegue controlar os seus gastos e seu saldo por um aplicativo.

“A grande sacada de soluções como essa é que ela permite atender a busca crescente por personalização e exclusividade das novas gerações”, diz Percival Jatobá, vice-presidente de produtos da Visa no Brasil. O pacote de novidades da Visa é amplo. No início do ano, a empresa e o site de reservas de restaurantes Restorando lançaram um aplicativo pelo qual o consumidor consegue acompanhar e controlar todos os pedidos, em tempo real, além de pagar a conta com apenas um clique na tela do celular. Os recursos estão disponíveis, inicialmente, em mais de trinta restaurantes cadastrados em São Paulo. Outro exemplo é uma solução baseada em inteligência artificial, criada para o ShopFácil, marketplace do Bradesco.

Sob o conceito conhecido como Chatbot, o usuário entra no Messenger, aplicativo de conversas do Facebook, digita ShopFácil e começa a “conversar” com um assistente virtual, que, por sua vez, ajuda o consumidor a encontrar o que procura. Fruto de uma parceria entre a rede social americana, o Bradesco e a Visa, o projeto ilustra um fator que vem ganhando peso no dia a dia da Visa e que é mais comum entre as startups: a velocidade para desenvolver e colocar produtos e serviços no mercado. “Da primeira reunião até colocar o assistente no ar foram menos de seis meses”, diz Teles. Ele observa que a companhia tem reforçado o investimento em protótipos e provas de conceito que são testados, em média, no prazo de seis semanas. “O fato de não dar certo não é ruim, pois você falha barato e aprende muito rápido.”

As startups mudaram a forma como alguns serviços passaram a ser prestados. Quem imaginaria há poucos anos que a Netflix desafaria as grandes redes de comunicação do planeta e ainda sairia vitoriosa. Não é por acaso, então, que a líder de serviços de streaming de vídeos foi uma referência para a HSM Educação Executiva, empresa de gestão executiva do grupo Anima Educação. “Disseminar rapidamente os conteúdos e oferecer acesso a um grande número de pessoas é uma das características desse universo”, diz Guilherme Soárez, presidente da HSM. Foi assim que a companhia lançou, no fim de 2014, uma espécie de “Netflix corporativo”, batizado de HSM Experience.

Trata-se de um serviço digital, por assinatura, que reúne mais de 500 vídeos e 1,5 mil artigos, além de livros e a revista digital do grupo. O conteúdo pode ser acessado sob demanda, via internet ou dispositivos móveis, e passa por uma curadoria de uma equipe interna. Um dos destaques são as entrevistas exclusivas realizadas com palestrantes e gurus do mundo empresarial durante os eventos promovidos pela HSM. “Tornamos nosso conteúdo mais acessível, a qualquer momento e de qualquer lugar”, afirma Soárez.

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Com cerca de 50 mil assinantes corporativos, a HSM Experience também bebeu na fonte de uma outra startup famosa: a sueca Spotify, principal serviço de assinatura de música na internet. “Nós começamos a oferecer playlists organizadas por temas e trilhas de recomendação para os usuários”, diz Patrícia Chagas, gerente da área digital da HSM Educação Executiva. O próximo passo é dar mais poder de escolha aos assinantes. “Além de criar suas próprias playlists, eles terão perfis e poderão seguir outros participantes e fazer comentários”, afirma ela.

Enquanto alguns seguem as tendências digitais nos últimos cinco anos, outros iniciaram essa trilha há meses. É o caso da incorporadora Cyrela, que foi levada a entrar nesse mundo de startup por conta da crise que atingiu o setor imobiliário. Diante do aumento de distratos e da queda do número de inquilinos, a empresa passou a ter gastos altos com manutenção e impostos, como o IPTU. A saída encontrada foi a parceria com a startup Quinto Andar, que facilita o aluguel fornecendo seguro-fiança gratuito para os interessados em locar um imóvel. O resultado já aparece no balanço da Cyrela.

A economia do IPTU foi de R$ 450 mil e, para este ano, o valor esperado é R$ 700 mil. Mais: por conta da agilidade da startup em se comunicar com os clientes, o índice de reclamações da Cyrela caiu mais de 30% em sites como o Reclame Aqui. Para completar, a redução de despesas financeiras oriundas das locações deve cair R$ 3 milhões, em 2017, por conta da parceria. A Cyrela gostou tanto dos resultados que planeja uma incubadora dentro da empresa este ano. “Esse choque de culturas, com a tecnologia mais presente, está sendo ótimo para nós”, diz Juliano Bello, diretor administrativo.

Ser uma empresa com produtos ou serviços inovadores chama a atenção da clientela, mas para isso é necessário pagar um preço. O investimento em setores de pesquisa e desenvolvimento é fundamental para que os resultados apareçam. Em um momento de crise, no entanto, destinar recursos a essa frente não é uma tarefa simples. Segundo um estudo da CNI, 66% das companhias afirmam que essa é a maior barreira para engrenarem na digitalização. Apesar das dificuldades, Marcelo Nakagawa, diretor de empreendedorismo da FIAP, ressalta que a transformação digital é um caminho sem volta para o empresariado. “Mais do que um modismo, é uma tendência e ainda mais do que uma tendência, é uma necessidade”, diz ele.

A P&G sabe bem disso. Por ano, a empresa separa US$ 2 bilhões para investimentos em inovação. O Brasil, mais do que nunca, está no radar. Foi anunciado para o segundo semestre o primeiro centro de inovação da empresa no País, que será o 17º no mundo. Baseado em Campinas, ele receberá investimentos de R$ 150 milhões. Influenciada ou não pela economia instável, outra abordagem começa a ganhar espaço: a maior abertura para o desenvolvimento de projetos em parceria. “Percebemos que estávamos ficando para trás ao não envolver nossos clientes na concepção dos nossos produtos”, diz Teles, presidente da Visa.

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Para mudar esse panorama, no Brasil e globalmente, a empresa passou a abrir suas interfaces de programação de aplicativos para desenvolvedores externos e parceiros como bancos, emissores, varejistas e adquirentes. A ideia é estimular a criação de soluções a partir das plataformas da empresa. Como um reforço a esse novo modelo, em setembro, a companhia inaugurou um Centro de Coinovação em São Paulo, similar às cinco unidades que mantém no exterior. “A inovação não tem mais dono. Ela é aberta e fundamentalmente colaboracionista”, afirma Jatobá, vice-presidente da Visa.

Outras gigantes também já apostam no modelo de colaboração. Até porque, por terem estruturas grandes, sozinhas, acabam se movimentando mais lentamente. O Itaú Unibanco, por exemplo, inaugurou em setembro de 2015 o Cubo, projeto de coworking que reúne startups, empreendedores e investidores. Atualmente, 56 empresas compartilham o espaço instalado. O Bradesco criou o InovaBra, projeto que atrai startups com soluções tecnológicas diferenciadas. A Ambev, por sua vez, instalou um escritório no Vale do Silício, em 2012.

Na Meca mundial da inovação, a ideia é estabelecer parcerias e entrar em contato com o que há de mais disruptivo. “Hoje, os modelos de inovação das grandes empresas está cada vez mais próximo dos métodos das startups”, diz Bruno Rondani, cofundador do 100 Open Startups, movimento que conecta empresas novatas com grandes companhias. Ele usa os milhões de aplicativos disponíveis, por exemplo, nas lojas virtuais Google Play e App Store para ilustrar essa tendência. “A maior parte do que está sendo testado e validado nessas lojas de aplicativos tem uma marca gigante por trás.” As possibilidades de potencializar os ganhos nessa área são grandes.

De acordo com um estudo da Deloitte, feito em 48 países, o cargo de CIO (Chief Information Officer), especializado na área de tecnologia, vem sendo cada vez mais fundamental para a obtenção de melhores resultados nas empresas. Mesmo assim, 52% dos executivos entrevistados afirmam que não existe um estímulo ao desenvolvimento de soluções disruptivas em suas companhias. Autor do best-seller O dilema da inovação e professor de Harvard, o americano Clayton Christensen afirma que as grandes empresas muitas vezes ignoram a inovação por não enxergarem o potencial que estes novos nichos de mercado podem alcançar. Diante da nova realidade do mundo, quem age dessa maneira, definitivamente, só pode ser míope.