O especulador George Soros ganhou fama mundial ao “quebrar o Banco da Inglaterra” em 1992. Soros, na prática, não quebrou banco algum. O que ele fez, por meio de seus fundos de hedge, foi uma aposta muito arriscada que deu certo. Ele percebeu que a libra esterlina estava muito valorizada no fim do primeiro semestre daquele ano. Ao analisar o comportamento da economia inglesa, que crescia pouco e acumulava um crescente déficit em sua balança comercial, Soros viu que a situação era insustentável.

Com grande apetite por risco, ele começou a fazer apostas colossais em uma desvalorização da libra, que ocorreu no dia 16 de setembro, quando o governo deixou a taxa de câmbio flutuar em relação às demais moedas europeias. A tacada rendeu US$ 1 bilhão em lucro e consolidou a fama de Soros, e de outros gestores, como tubarões do mercado. No entanto, 25 anos depois, Soros não conseguiria repetir a proeza. Prova disso é que, no fim de junho, Robert Soros, seu filho mais velho, anunciou que estava deixando o comando da Soros Fund Management, empresa que gerencia a fortuna de US$ 26 bilhões da família.

Soros, e seu filho Robert (no destaque): aposta na desvalorização da libra que rendeu US$ 1 bilhão em 1992 seria impossível hoje (Crédito:Divulgação e Bloomberg)

Em vez de fazer apostas pesadas em moedas e taxas de juros, Robert vai dedicar-se a investimentos menos líquidos, como participações em empresas fechadas e em start-ups. “Nosso fundos têm feito menos apostas macro, pois há uma escassez de oportunidades”, disse ele à agência de notícias Bloomberg. “Robert tem realizado um excelente trabalho e lançou bases sólidas para a nova fase da empresa”, disse o papai George ao comentar o assunto. Na prática, as coisas não são tão róseas. A desistência de Soros, filho, mostra a mudança no mercado de fundos de hedge.

O nome desses mastodontes do mercado financeiro pode levar a uma conclusão errada. “Hedge” é o termo inglês para proteção financeira. Por exemplo, quando um exportador brasileiro de café compra um contrato futuro de dólares para se proteger no caso de uma valorização do real em relação à moeda americana, capaz de corroer seus lucros. No entanto, os fundos de hedge ficaram conhecidos exatamente pelo comportamento oposto. Esses investidores tinham um patrimônio total de US$ 2,3 trilhões no fim do primeiro semestre, segundo estimativas da consultoria especializada americana EurekaHedge. Para entender esse número, basta lembrar que, em 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil foi de US$ 1,8 trilhão.

Com um enorme apetite por risco, eles se dedicam a procurar distorções no mercado, como a que havia com a libra em 1992, e fazer apostas pesadas. Sua atuação já foi muito contestada – foram acusados de quebrar Malásia, Tailândia, Indonésia e Coreia na crise da Ásia, em 1997 –, mas, há muito, eles deixaram de ser os vilões da história. Isso ocorre por dois motivos. O primeiro é uma significativa mudança no mercado desde os tempos das tacadas bilionárias. Há quase dez anos, ainda nos tempos de Ben Bernanke, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vem mantendo os juros nos Estados Unidos perto de zero.

O Banco Central Europeu (BCE), de Mário Draghi, vem fazendo a mesma coisa. E em sua reunião da quinta-feira 20, Draghi disse que as taxas vão subir. Só não disse quando. “Ainda não chegamos onde gostaríamos com relação à saúde da economia e do sistema financeiro”, disse Draghi. Juros consistentemente baixos tendem a nivelar as distorções de mercado. “Fica mais fácil obter capital para especular, e com mais especuladores, há menos oportunidades”, avalia o especialista americano Roger Ibbotson, professor de finanças em Yale e, ele próprio, um gestor de fundos de hedge que abandonou a atividade.

As mudanças no mercado fizeram com que os fundos macro, dedicados a explorar distorções em taxas de câmbio e de juros, perdessem relevância ao longo dos últimos cinco anos. Nesse período, sua participação na indústria, que era de 14%, caiu à metade. Mais do que isso, a rentabilidade média do setor como um todo caiu (veja os quadros). O outro motivo para explicar a maré baixa dos fundos de hedge é que, após a crise, muitos fundos e bancos quebraram, lesando milhões de investidores.

As consequências foram uma fiscalização muito mais rígida por parte dos bancos centrais. Em 2003, o gestor americano Steve Cohen, criador do fundo SAC Capital Advisors, era considerado um oráculo do mercado. Dez anos mais tarde, ele foi multado em US$ 1,8 bilhão por uso de informação privilegiada, história que deu origem a uma série de televisão, intitulada “Billions”. Ainda bilionário, Cohen se retirou do mercado e dedica-se à filantropia. Depois de aterrorizarem os mercados, os tubarões tornaram-se sardinhas no mar da liquidez mundial.