Em 2004, quando o ítalo-canadense Sergio Marchionne assumiu o comando da Fiat, a montadora italiana estava à beira da falência. Nos anos seguintes, ele se consolidou como um nome de peso na indústria automobilística ao conduzir a companhia de volta ao lucro. Um dos destaques de sua gestão foi a fusão com a americana Chrysler, que deu origem à FCA, dona de um faturamento de € 111 bilhões de euros em 2016. No mesmo ano, a Fiat figurou entre as 50 maiores empresas do Brasil no anuário AS MELHORES DA DINHEIRO.

Aos 65 anos, Marchionne tem uma última meta antes de se aposentar, em 2019: deixar a FCA bem posicionada em um cenário de consolidação do setor, que ele classifica como inevitável diante da demanda crescente pelo desenvolvimento de tecnologias como os carros elétricos e autônomos. Depois de tentativas frustradas de aproximação com a alemã Volkswagen e a americana General Motors, essa busca por alternativas parece ter ganhado uma nova opção. No dia 14, as ações da FCA chegaram a subir 8,3% com os rumores sobre a sondagem de empresas chinesas para adquirir o grupo.

Fusão à vista: para Marchionne, CEO da FCA, a consolidação na indústria automotiva é inevitável (Crédito:Chris Helgren / Reuters)

Na segunda-feira 21, esse interesse ganhou um nome, literalmente, dentro da Grande Muralha. Em comunicado, a chinesa Great Wall Motor (GWM) confirmou que vem avaliando uma oferta pela FCA, sem especificar, no entanto, se uma eventual proposta incluiria toda a operação, cujo valor de mercado é de US$ 22,7 bilhões, ou parte dos ativos do grupo. No setor, porém, são fortes as especulações que o foco de uma investida estaria restrito à marca Jeep. À parte das especulações, a Fiat informou que não foi procurada pela GWM.

Para analistas, a aquisição da Jeep se encaixaria perfeitamente na estratégia da GWM para ganhar escala no mercado global. Em seu país, a companhia é uma das principais fabricantes de SUVs e picapes. “A Jeep é uma marca forte e não há muitas opções de ativos à disposição para que os chineses entrem nesse jogo global”, diz o executivo de uma consultoria automotiva com atuação no mercado chinês, que já foi procurada pela GWM para uma análise da FCA. “E eles têm o governo chinês como acionista. Capital não é problema para os chineses.” Contudo, sob o ponto de vista da FCA, uma eventual venda do ativo é vista com ceticismo por parte do mercado.

Alguns fatores contribuem para essa visão. As mais de 1,4 milhão de unidades vendidas da marca em 2016 representaram o quinto ano consecutivo de recordes da Jeep, classificada por alguns especialistas como a “joia da coroa” no portfólio do grupo. Em julho, Adam Jonas, analista do Morgan Stanley chegou a apontar em relatório que, sozinha, a marca valeria mais do que o restante da FCA. Outra possível barreira para um acordo seria a declarada rejeição de Donald Trump às aquisições de ativos dos Estados Unidos por companhias chinesas. A possibilidade de um símbolo americano como a Jeep seguir esse caminho fatalmente seria alvo de uma forte resistência por parte do político.

Sob esse cenário, Rodrigo Custódio, analista da consultoria Roland Berger, entende que, um caminho mais provável para a concretização de um acordo seria o modelo já adotado por outras montadoras chinesas. Em 2013, por exemplo, a Dongfeng investiu cerca de € 800 milhões na compra de 14% da francesa PSA. A cifra ajudou o grupo francês, dono da Peugeot e da Citroën, que estava próximo da falência. “Uma parceria nesses moldes faria mais sentido”, diz Custódio. “A FCA teria uma injeção de capital importante. E a GWM teria um caminho mais fácil para ganhar escala global.”