Entre tantos recordes e números superlativos acumulados nos últimos dias, a bolsa de valores alcançou um feito que passou despercebido para a maioria das pessoas: o valor de mercado somado de todas as ações ultrapassou, pela primeira vez na história, R$ 3 trilhões. É quase metade do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2016, que foi de R$ 6,3 trilhões. Esse dado demonstra a força da alta do Ibovespa, o principal índice da B3, que neste ano acumula uma expansão de 26,2%. Se o período de análise considerar 2016, esses quase 21 meses mostram uma elevação de 75,3%. As instituições financeiras mantêm uma expectativa positiva até o final deste ano. As projeções variam de ganhos de 4% a 12% a partir do recorde nominal de 76.004 pontos alcançado no pregão de quarta-feira 20. Se os otimistas estiverem certos, o indicador da bolsa chegará aos 85 mil pontos. A euforia não para por aí. Para 2018, muitos analistas já apontam o foguete do mercado de ações ultrapassando a estratosfera, algo nunca visto no Brasil, atingindo mais de 100 mil pontos.

Ao lado dessa farra dos investidores, as empresas voltaram a procurar recursos via mercado de capitais em 2017, um comportamento distinto ao de 2015 e 2016. Nesse biênio, 20 empresas cancelaram seus registros de companhia aberta e apenas duas fizeram a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês): Par Corretora de Seguros e o laboratório de análises clínicas Alliar. Neste ano, cinco empresas realizaram ofertas iniciais e secundárias (follow on) de ações, movimentando R$ 11,5 bilhões. Os dois principais IPOs até aqui foram da rede varejista Carrefour e da empresa aérea Azul, que captaram R$ 5,2 bilhões e R$ 2 bilhões, respectivamente. Camil, Neoenergia e Tivit estão com ofertas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e devem ir a mercado ainda neste ano.

Festa da estreia: o IPO do Carrefour, realizado em julho deste ano, movimentou R$ 5,2 bilhões, para alegria de Abilio Diniz (segundo da esq. à dir.), presidente do conselho de administração, e Charles Desmartis (de braço erguido), presidente executivo (Crédito:Claudio Gatti)

Além delas, a resseguradora estatal IRB Brasil também está na fila e projeta uma captação de R$ 2 bilhões. A BR Distribuidora pode fazer o IPO em dezembro. E o governo federal não descarta levar a Infraero e os Correios à bolsa. “O IPO é uma boa alternativa para os Correios”, afirmou Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, na quinta-feira 21, durante um seminário em Nova York. “Como os Correios têm vários aspectos monopolistas, tem que ser olhado com muito cuidado essa questão da privatização. Existem outros países que já fizeram isso de forma bem-sucedida.” Se a maior parte desses planos se concretizar, este poderá ser o melhor ano para os IPOs desde 2007. Para entender os motivos desse otimismo, é preciso separar a análise em duas partes. A primeira são os fatores internos, que vêm mudando com muita rapidez.

A economia brasileira tem, finalmente, dado consistentes sinais de recuperação. A inflação está abaixo do centro da meta e as projeções já apontam para um PIB entre 0,5% e 1% neste ano. Além deles, a Taxa Selic caiu com uma velocidade inesperada. No ano passado, a expectativa era a de que ela encerraria o ano de 2017 aos 11% ao ano. No primeiro mês deste ano, o mercado financeiro projetava a taxa básica de juros entre 8,5% e 9,5%, em 12 meses. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a equipe comandada por Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, baixou o juro para 8,25%. A perspectiva, agora, é que encerre o ano em 7% (alguns já falam em 6,5%), um patamar que deve se manter ao longo do próximo ano.

Taxas baixas de juros por um longo período, de forma consistente, provocam a corrida de investidores de renda fixa para ativos que possibilitam maior retorno e ajudam as empresas a terem um custo menor com suas dívidas, o que se reflete no balanço. “A queda de juros, por si só, já reduz a despesa das empresas com os juros”, afirma Marco Saravalle, analista da XP Investimentos. “Só com isso, mesmo que a empresa não faça nada, o lucro cresce porque ela paga menos juros.” A segunda parte da análise sobre a alta da bolsa brasileira está no exterior. Os investidores estrangeiros estão em busca de maiores retornos em razão da baixa rentabilidade nos mercados locais. A Europa, por exemplo, mantém sua política de juros baixos para estimular a economia e o Japão continua com juros negativos.

Cuidado com o risco: “Não importa o quão sereno o dia pode ser, o amanhã é sempre incerto” – Warren Buffett, megainvestidor (Crédito:Bruno Rocha/Fotoarena/Agência O Globo)

Nos Estados Unidos, a presidente do Federal Reserve, Janet Yellen, sinalizou um aumento de 0,25 ponto percentual no juro básico americano, que estárá em 1,50% no final deste ano. Além desse aumento, ela apontou que o programa de ajuda para aquecer a economia será reduzido em US$ 10 bilhões por mês, podendo alcançar US$ 50 bilhões em meados de 2018. O anúncio foi considerado uma picada de mosquito nos mercados, por ser uma retirada suave dos estímulos. Neste ano, somente para o Brasil, o fluxo de capital estrangeiro está positivo em R$ 15 bilhões. “O governo programou vender ativos, como a Eletrobras, e o mercado está gostando, principalmente os estrangeiros que estão com um fluxo forte de compra”, diz Pedro Galdi, analista da Magliano Corretora. “O País saiu da recessão profunda e os indicadores mostram uma melhora da atividade econômica.”

Mas, afinal, a bolsa está cara ou está barata? Se o investidor olhar o histórico, ainda há espaço para mais ganhos. É o que o mercado chama de viés de alta. Apesar do recorde nominal de pontos, o Ibovespa ainda está 51.820 pontos abaixo do pico em valores constantes, ou seja, com a correção da inflação (veja quadro “Olhares distintos”). Soma-se a isso a indústria de fundos de investimento, que ainda mantém um comportamento tímido com o mercado de ações. Nos últimos três anos, os fundos de pensão reduziram em R$ 130 bilhões suas posições na bolsa. Os fundos de ações também ficaram nanicos e respondem, hoje, por menos de 5% do total do setor de fundos, que acumula patrimônio líquido de R$ 4,4 trilhões. Em 2007, eles tinham uma fatia de 22%. É natural que os fundos de pensão migrem para ativos de mais risco para bater as metas atuariais, assim como os investidores troquem os fundos de renda fixa por outros mais rentáveis.

Luz verde: a volta de empresas à B3, o fluxo de capital estrangeiro e a recuperação da economia são fatores que trazem resultados à bolsa de valores (Crédito:Edilson Dantas / Agencia O Globo e Aloisio Mauricio/Fotoarena / Agência O Globo)

No caso dos estrangeiros, os dados são ainda melhores e explicam por que eles aceleraram a alocação nos ativos brasileiros há três meses. Entre 17 de maio, quando foram reveladas as gravações de Joesley Batista contra o presidente Michel Temer, a bolsa despencou 10% e se manteve num patamar baixo por aproximadamente um mês. Pesava contra o receio de que a recuperação da economia teria sido afetada e as reformas não teriam continuidade. Mas o ministro Meirelles saiu a campo para mostrar que a equipe econômica seria mantida, mesmo sem o presidente, e que as reformas não seriam engavetadas. O fator Lula é outro ponto favorável. Ele já está descartado pelo mercado para as eleições 2018.

Se o investidor local queria ver para crer nas promessas, os estrangeiros olharam para o valor do Ibovespa e enxergaram um risco baixo. Em dólares, o indicador da bolsa brasileira ainda está 20 mil pontos abaixo do pico, em 19 de maio de 2008. Para eles, mesmo com essa expressiva alta, a B3 está abaixo de suas concorrentes na América Latina. “Na América Latina, somente as bolsas de Colômbia e Peru estão defasadas. As demais bateram seus recordes nominais de pontuação neste ano”, diz Einar Rivero, gerente de relacionamento institucional da empresa de informações financeiras Economatica. “Mas o Ibovespa em dólar só é melhor que o índice colombiano. Por isso, na ótica do investidor estrangeiro, ainda há espaço para crescer no Brasil.”

Mas, como ensina o megainvestidor Warren Buffett, “não importa o quão sereno o dia pode ser, o amanhã é sempre incerto”. Os riscos não estão descartados. Ao contrário, eles estão muito presentes e devem ser o fator primordial de análise para quem pensa em pegar carona no foguete. A instabilidade política ainda traz insegurança para a economia brasileira. É preciso lembrar que, apesar da aprovação da PEC que limita o crescimento dos gastos, a situação das contas públicas ainda é muito delicada. A crise fiscal não foi resolvida e a Reforma da Previdência continua em discussão, sem horizonte para aprovação. Para completar, as ameaças de novas denúncias contra a classe política não estão descartadas.

É difícil saber qual será o conteúdo de novas delações, como a do peemedebista Geddel Viera Lima. Ou se os empresários Joesley e Wesley Batista terão de abrir todo o jogo que esconderam na manipulação que fizeram no acordo anterior. Os analistas de mercado acreditam que o mais grave seria uma denúncia contra Meirelles, que fez parte do conselho do grupo J&F. Isso abalaria a confiança na economia. Temer, como não é pré-candidato à presidência em 2018, traz pouca preocupação. Porém, não elimine as eleições do radar. Um candidato que seja menos liberal, contra as reformas e as privatizações vai provocar uma venda de ativos brasileiros. As pesquisas de intenção de voto serão um importante parâmetro. “Uma reversão do cenário econômico, como a frustração do crescimento econômico, tem efeito direto no preço das ações”, diz Nicolas Takeo, analista da Socopa. “Não dá para saber, também, qual vai ser o cenário eleitoral. Essa indefinição, os possíveis candidatos e a incerteza dos nomes são, sim, um risco.”

O cenário externo também traz muitas incertezas. Uma crise geopolítica provocada pelas ameaças entre o presidente americano Donald Trump e o ditador norte-coreano Kim-Jong Un é a centelha de pólvora para causar uma inversão da tendência de compra de ações em mercados arriscados, como o Brasil. Uma guerra provocará a fuga para ativos considerados porto seguro, como os títulos do Tesouro americano ou o ouro. A China precisa ser vista com muito cuidado, tanto pelo seu alto endividamento como pelo fôlego do seu crescimento. Um novo soluço do dragão asiático impacta diretamente a demanda pelas commodities brasileiras e vai afetar o desempenho da bolsa no Brasil.

Para vencer: Mesmo em meio à crise do governo, o ministro Henrique Meirelles garantiu a continuidade da recuperação da economia e agradou os estrangeiros (Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Até agora, foram os estrangeiros que pilotaram o foguete da bolsa brasileira. Os analistas das corretoras estavam mais cautelosos e muitos perderam o primeiro impulso de alta. Neste momento, a maioria está refazendo as contas para saber quais são os novos preços-alvo das ações, para se adequar à revisão da pontuação do Ibovespa. Uma dica para encontrar oportunidades é olhar o múltiplo preço-lucro (P/L) da ação. Essa é uma maneira de calcular quantos anos demoraria para recuperar o capital investido na compra de uma ação. Em regra, quanto menor o número, mais atrativa é a ação. “Nos últimos 10 anos, o P/L ficou entre 14 e 15 vezes”, diz Luís Gustavo Pereira, estrategista da Guide Investimentos. “Agora, é preciso rever esse múltiplo, que pode ser mais elevado, em razão das projeções que levam a bolsa aos 100 mil pontos.”

Neste momento, 12 papéis apresentam P/L negativo (veja quadro Liquidação ao longo da reportagem). Isso significa que elas provavelmente tiveram prejuízo no exercício anterior. Caso a empresa tenha apresentado despesas pontuais, é possível que reverta a perda e sua ação esteja com preço descontado. Duas dessas empresas merecem destaque. A Petrobras tem conseguido realizar um bem-sucedido plano de desinvestimento, que tem possibilitado a desalavancagem da companhia. A projeção do presidente Pedro Parente é alcançar uma relação de 2,5 vezes a dívida líquida pela geração de caixa em 2018. O que deve colaborar com essa meta é a abertura de capital da BR Distribuidora, que vai engordar o caixa da empresa. Além disso, a nova governança corporativa está contribuindo para a Petrobras deixar no passado a ingerência política em sua gestão. A ação PETR4 está em alta de 5,4% no ano e fechou cotada a R$ 15,67, na quinta-feira 21. Nesse valor, o ganho esperado é de 20%, em 12 meses.

Na mira de Yellen: o fim dos estímulos à economia americana, anunciados pela presidente do Fed, Janet Yellen, não mudaram o destino do capital dos investidores estrangeiros para os emergentes (Crédito:Divulgação)

Outra ação que está na lista de P/L negativo é a BRF. O setor de frigoríficos sofreu nos anos de 2015 e 2016, com o preço dos grãos muito altos. A BRF foi uma das mais afetadas e reportou seu primeiro prejuízo na história, no ano passado. A projeção era de uma recuperação neste ano, principalmente pelos custos menores com a compra de grãos. Porém, a Operação Carne Fraca, que investigou irregularidades nas empresas do setor, adiou a virada da companhia. Agora, a BRF está reestruturando sua administração e anunciou a saída do presidente Pedro Faria, que deixa o cargo em dezembro. O nome do substituto ainda não foi informado ao mercado. Com perda de 2,34% no ano, a ação BRFS3 estava sendo negociada a R$ 47,12%. A projeção de alta é de 15%, em 12 meses.

Duas escolhas: a Petrobras e a Guararapes, holding da Riachuelo, são ações que ainda apresentam um preço atrativo para os investidores

Além desses papéis, mais dois ligados à recuperação da atividade econômica entram na carteira de recomendações. O primeiro é o Carrefour, que fez sua estreia na bolsa neste ano. A aposta é que o efeito negativo do crédito rotativo não se repetirá no próximo ano. Cotado a R$ 16,97, o CRF3 tem potencial de ganho de 40%, em 12 meses. No mesmo segmento, a Guararapes, controladora da Riachuelo, apresenta um bom trabalho de gestão interna, que vai começar a aparecer nos próximos resultados. Mesmo com a alta de 148% no ano, só perdendo para os 476,4% do Magazine Luiza no setor de consumo, o GUAR3 ainda tem um potencial de ganho de 30%, em 12 meses.

Neste momento, o mais importante é ter cautela. As ações, de maneira geral, já estão bem precificadas. O potencial de alta, até o final do ano, é pequeno. Mas o Ibovespa não pode chegar aos 85 mil pontos? Sim, mas até lá, é esperada uma realização de lucro pelos grandes investidores, ou seja, a venda das ações para embolsar os ganhos. Esse movimento, que é inesperado e rápido, pode causar pânico e fazer o pequeno desavisado se apavorar e perder dinheiro. Mais uma vez, é preciso ouvir o conselho de Buffett, que diz que “quando alguém vê o vizinho ficando mais rico, começa a evolução natural da bolha. Bastam três coisas para a sua formação: os inovadores, os imitadores e os idiotas”.