Depois de amargar uma fase ruim com a recessão econômica e a crise política no governo Dilma, a Bolsa de valores dá sinais de o que o pior já passou. No período de um ano, a Bovespa registra ganhos ao redor de 120%, muito mais do que as Bolsas dos Estados Unidos. O mercado de ações pode também voltar a um período de bonança, diante de uma nova onda de abertura de capitais, acredita Edemir Pinto, presidente da BM&FBovespa. Tudo isso capitaneado pela retomada do crescimento econômico e por uma agenda de reformas estruturais. Otimista, EDEMIR se vê às voltas com um processo de fusão com a Cetip, uma gigante em serviços de registro e negociação e liquidação de ativos. Enquanto aguarda o martelo final do Cade, o órgão que regula a concorrência no mercado brasileiro, ele falou à DINHEIRO:

DINHEIRO – Como o senhor avalia o atual momento da economia brasileira e de que forma o mercado de ações se insere neste contexto?

EDEMIR PINTO – A situação econômica do País está mudando muito e para melhor. Nesse sentido, o mercado de ações será um dos grandes beneficiados desse movimento porque estamos diante de um choque de capitalismo. Isso porque o governo já não tem mais recursos e há uma escassez de crédito. O BNDES já não consegue mais financiar o desenvolvimento das empresas brasileiras e o Tesouro Nacional já não tem mais dinheiro para repassar. Nesse contexto, o mercado de ações é a grande alternativa para as empresas se financiarem.

DINHEIRO – Pelo seu raciocínio, o mercado de ações será promissor…

EDEMIR – O ano de 2017 será de abertura de capitais (IPO, da sigla em inglês) de empresas brasileiras. Já tivemos até agora o IPO da Movida (locação de automóveis) e da Hermes Pardini (medicina diagnóstica). Até o fim do ano, meus cálculos serão de um total de 17, entre IPOs e follow ons (segunda emissão de ações de companhia que já possuem capital aberto). Isso deve representar algo em torno de R$ 25 bilhões que devem ser captados por essas empresas. Mas reitero que para esse cenário se concretizar é preciso o empenho do governo brasileiro, nas reformas estruturais da economia.

DINHEIRO – Que reformas são essas e quais as prioritárias para o mercado de capitais?

EDEMIR – O mercado de capitais é um setor de longo prazo. É dessa forma que deve ser observado. O governo federal já tomou uma medida de extrema importância, que foi fixar um teto para o gasto público, o que trouxe uma credibilidade extraordinária. Além disso, já está bem encaminhada a reforma da Previdência, algo inédito. Estou há 32 anos trabalhando no mercado de capitais e não me lembro de nenhum governo que tenha colocado para discutir a Previdência no Congresso. Existem ainda informações do encaminhamento da reforma trabalhista, que é de extrema importância para os empresários locais e investidores internacionais. Pontuo também o esforço para uma minirreforma tributária. Tudo isso, junto, é música para os ouvidos do mercado de capitais, em particular para o mercado de ações.

DINHEIRO – Quais são os segmentos de empresas que pretendem abrir capital?

EDEMIR – Existem vários setores. A Bolsa brasileira é uma das poucas do mundo que possui diversos segmentos listados. Não somos apenas de tecnologia, petróleo ou commodities. Temos energia, saúde, educação, enfim, uma gama de setores. Mas diria que o maior interesse é o de empresas ligadas à infraestrutura.

DINHEIRO – Esse interesse das empresas de infraestrutura pode ser considerado uma tendência?

EDEMIR – Deve ser para 2018 e 2019, porque há um esforço em todos os níveis de governo – federal, estadual e municipal – para as concessões e privatizações. E a grande bandeira desses governos é exatamente a infraestrutura. Só não acredito que deslanche este ano porque é preciso todo um esforço, uma preparação principalmente de editais de licitação. Sem contar que será necessário explicar publicamente sobre esses projetos, preparar toda a questão de governança corporativa para atrair o investidor estrangeiro. Mas insisto que esse movimento representa um “choque de capitalismo”.

Marcelo Caetano, secretário da Previdência Social
Marcelo Caetano, secretário da Previdência Social (Crédito:Antonio Cruz/ Agência Brasil )

DINHEIRO – Há liquidez no mercado internacional e o Brasil já foi, até a crise global de 2008, um grande porto para este dinheiro. Quando os investidores estrangeiros voltarão a investir no País?

EDEMIR – Não poderia dizer que o Brasil é hoje a “menina dos olhos” dos investidores estrangeiros, muito embora não deixou de ser também. Se compararmos o País com outras nações emergentes, que requerem capital estrangeiro – como a Rússia, Índia, África do Sul, México, entre outros – diria que estamos muito bem na fotografia. Os estrangeiros estavam muito preocupados com a situação política até o impeachment da presidente Dilma. Isso já está quase que superado, o que deve voltar a atrair a atenção dos estrangeiros ao País. Refiro-me à certeza jurídica das questões contratuais no Brasil, que está melhorando rapidamente com o fortalecimento das agências reguladoras, o que traz um conforto de segurança jurídica extraordinário para o investidor estrangeiro, cujo pensamento é de longo prazo.

DINHEIRO – O dinheiro dos grandes fundos de investimentos estrangeiros, os chamados hedge funds, volta?

EDEMIR – O mercado, por vezes, é muito irracional. Em 2008, com a crise que se alastrou por todo o mundo, houve uma irracionalidade de liquidez em relação ao Brasil. Hoje, não temos mais esse fenômeno. Em contrapartida, vejo que o interesse pelo País é muito grande. O que posso dizer é que estamos ainda na mira dos estrangeiros, embora não sejamos os únicos.

DINHEIRO – Em relação ao câmbio, o real tem se valorizado diante do dólar. Com uma safra recorde a ser colhida, com boa parte dela destinada à exportação, essa pressão cambial deve aumentar. O que isso afeta o mercado de ações?

Bolsa de NY: estrangeiros negociam 55% das ações do Brasil
Bolsa de NY: estrangeiros negociam 55% das ações do Brasil (Crédito:Spencer Platt)

EDEMIR – O câmbio impacta a economia como um todo, particularmente em um País exportador agrícola e de uma série de commodities, como minérios. Por outro lado, o câmbio é flutuante, estamos sujeitos ao mercado externo e à política monetária dos Estados Unidos. Diria que, se considerar o conjunto de medidas que estão sendo tratadas pelo governo brasileiro, das reformas que estão no Congresso, o câmbio está mais próximo de R$ 2,90 do que de R$ 3,50. Mas sublinho que isso tudo está condicionado a essas reformas, às questões estruturais do governo brasileiro.

DINHEIRO – Em 10 de fevereiro, a BM&FBovespa informou publicamente que prestará mais informações ao Cade sobre o processo de fusão com a Cetip. Por que houve esse adiamento e qual o prognóstico para concretizar a fusão?

EDEMIR – Pedimos mais 60 dias ao Cade para entregar outras informações e assim dar mais conforto ao órgão para analisar a operação. Não existe nada de novo. Foi simplesmente um pedido que a Bolsa achou que deveria fazer, lembrando que o Cade tem analisado a fusão há quase 240 dias e tem avaliado dois “remédios”: um em relação à prática abusiva de preços, outro ao acesso de serviços da Bolsa. Em relação a esses dois pontos, achamos que seria mais prudente pedir a prorrogação de prazo, para entrega de informações e documentos. O objetivo é que o Cade tenha mais conforto para a análise do negócio.

DINHEIRO – Em relação aos preços, a crítica é de que poderia existir abusos com a fusão…

EDEMIR – Tanto a Cetip quanto a BM&FBovespa já são dominantes naturais de mercado. Ambas têm mecanismos internos, comitês de fiscalização que avaliam a questão de preços há muito tempo. E, quando se fala em competição, a referência é o mercado global. Para se ter uma ideia, o investidor estrangeiro participa com quase 55% dos volumes de ações aqui no Brasil. No mercado de derivativos, esse número chega a ser de até 42%. O que quero dizer é que o mercado internacional já faz comparações de todo o custo que temos no Brasil com o de outras Bolsas. A competição é global, não há mais muros. Hoje um grande investidor global opera várias Bolsas em todo o mundo e faz comparações de serviços, qualidade e preço. Lembrando que, quando o Cade fez a consulta ao mercado, o próprio mercado aprovou a operação conjunta das instituições. A questão da prática abusiva de preços é um ponto que deve ser levantado não só pelo regulador, como pela sociedade. Mas tanto a BM&FBovespa e a Cetip já estão preparadas para isso há muito tempo.

DINHEIRO – A ATS, que tenta criar uma bolsa rival no mercado brasileiro, entrou com uma representação no Cade alegando que a BM&FBovespa vem adotando comportamentos típicos de agente monopolista que visa a preservar ou manter seu portfólio. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

EDEMIR – Não vou comentar.

DINHEIRO – O que precisa ainda ser feito no mercado de ações?

EDEMIR – Estou aqui desde o final de 1985. Sempre há algo a fazer. O Brasil tem hoje um mercado que é modelo para o mundo. Na Europa, exceção a Londres e a Frankfurt, não há nenhum país com um mercado de capitais como o brasileiro.

DINHEIRO – O senhor pensa em se aposentar?

EDEMIR – Não pretendo nunca ficar de chinelo e pijama em casa. Vou continuar trabalhando até quando Deus me permitir. Em relação à sucessão na BM&FBovespa, a previsão no estatuto é que o presidente tenha mandato até 65 anos de idade. Completo 64 anos agora em julho. O Conselho de Administração da casa já vem analisando há algum tempo a questão da minha sucessão. Mas esta é uma decisão do próprio Conselho, que vai decidir sobre isto e quando ocorrerá.