Há um ano chefiando as operações internacionais da seguradora italiana Generali, o engenheiro e atuário francês Frédéric de Courtois está otimista com o Brasil. Apesar da crise econômica e de toda a turbulência política de 2016, a companhia fez pesados investimentos no País. A meta da Generali, que faturou E 70 bilhões (R$ 233 bilhões) no ano passado, cuja receita foi de R$ 756,7 milhões no Brasil, é posicionar-se entre as cinco maiores seguradoras do mercado nacional. Courtois esteve no País no início de março para anunciar uma parceria com a empresa de telefonia celular Tim, que permitirá vender seguros contra roubo de aparelhos e contra inadimplência por meio digital. Ele falou com a DINHEIRO sobre a ameaça dos juros baixos ao redor do mundo, e sobre os novos desafios oferecidos pelo risco cibernético. A seguir, os principais trechos da entrevista:

DINHEIRO – A Generali anunciou mudanças estratégicas no fim do ano passado. Quais foram elas?

FRÉDÉRIC DE COURTOIS – Nós somos uma companhia global. Estamos em 60 países, nos cinco continentes. Atuamos como seguradora em 40 desses mercados. Além dos seguros, temos gestoras de recursos e também administradoras de benefícios corporativos. Em novembro do ano passado, anunciamos uma reestruturação mundial do nosso portfólio. A principal mudança foi que decidimos encerrar nossas atividades como seguradora em 13 ou 15 países, aqueles onde não temos condições de estar entre os cinco primeiros.

DINHEIRO – A Generali vai sair de quais países?

COURTOIS – Ainda não anunciamos isso, os processos estão correndo e temos questões sindicais e trabalhistas para resolver. Vamos vender seguros em 25 países, apenas aqueles em que podemos nos posicionar entre os cinco maiores do mercado local. Dentre eles, decidimos ficar, investir e crescer no Brasil. O que não foi uma decisão óbvia.

DINHEIRO – O que motivou a Generali a ficar, mesmo não estando entre as cinco primeiras do setor?

COURTOIS– Nosso critério de decisão considerou dois vetores. O primeiro é a nossa posição em cada mercado específico. Avaliamos onde estamos para saber se temos condições de ficar entre os cinco maiores. O segundo vetor é o potencial de cada mercado. Mesmo que possamos estar entre os cinco maiores, esse é um lugar onde vale a pena estar? E é claro que o Brasil é um mercado com muito espaço para crescer, então decidimos ficar, mesmo que nossa posição ainda não seja muito forte. Não estamos aqui para competir na segunda divisão. Estamos aqui para jogar na primeira divisão, por isso nós investimos R$ 300 milhões no Brasil no ano passado. O mercado brasileiro é muito sofisticado e muito maduro. Concluímos que podemos estar entre os cinco primeiros.

DINHEIRO – Como crescer?

COURTOIS – Há dois tipos de mercados, os emergentes e os desenvolvidos. Há um movimento claro nos mercados emergentes. As pessoas estão em um momento de construção do patrimônio. Isso vale para o Brasil e para outros países da Ásia em que atuamos. A China é um bom exemplo. Na China, as pessoas estão enriquecendo e consumindo mais. Eles vão precisar de mais proteção para isso, e esse será um vetor de crescimento. Na China, por exemplo, os três maiores produtos são previdência privada, seguro contra doenças e invalidez e apólices para automóveis, nessa ordem. Nos países desenvolvidos, a população cresce menos, mas vai ficando mais velha e precisa de mais soluções financeiras, como poupança de longo prazo e previdência privada.

Consumo no Brasil: grande potencial de crescimento no mercado
Consumo no Brasil: grande potencial de crescimento no mercado (Crédito:Marcio Fernandes)

DINHEIRO – Por que o Brasil é um mercado interessante?

COURTOIS – O Brasil é um mercado com uma renda per capita razoavelmente elevada, cerca de US$ 12 mil por ano, parecida com a renda per capita da China, que é de cerca de US$ 10 mil por ano. O potencial é enorme. Aqui, nós temos uma empresa de assistência em parceria com o Bradesco, a Europ Assistance, e também operamos com administração de benefícios para empregados de outras companhias. A parceria com o Bradesco e a empresa de benefícios têm sido muito bem-sucedidas, mas não vínhamos tendo muito sucesso com a seguradora até dois anos atrás. Agora, queremos mudar isso. Temos uma excelente equipe de gestão. Antonio Cássio dos Santos, que era nosso CEO para o Brasil, está assumindo a liderança das Américas. O novo CEO do Brasil é o executivo Andrea Crisanaz.

DINHEIRO – Qual é a estratégia?

COURTOIS – Vamos aprimorar nossa distribuição. No ano passado, fechamos uma parceria de 20 anos com o Banco BMG para vender seguros aos tomadores de empréstimos consignados. Desenvolvemos seguros específicos para o perfil de cada cliente. Agora, vim aqui para assinar uma parceria com a empresa de telefonia Tim. Pelos próximos oito anos, teremos a exclusividade para vender seguros contra a perda, a quebra ou o roubo do aparelho celular. Também haverá apólices contra fraude e inadimplência na conta. Essas apólices deverão estar no mercado nos próximos meses. Reforços na distribuição desse tipo nos permitem crescer aceleradamente no Brasil.

DINHEIRO – A Generali vai depender menos dos corretores?

COURTOIS – Vamos mudar nossa forma de atuação. Atualmente temos parcerias com cerca de oito mil corretores e agora vamos restringir nossa atuação a um grupo menor, de 5% a 6% desse total. Será um grupo muito focado, o Clube Generali.

DINHEIRO – No que a Generali planeja atuar, além dos seguros?

COURTOIS – Somos líderes do mercado global em benefícios para funcionários. Um terço das empresas que constam da Fortune 500 são nossos clientes. São corporações como Facebook, General Motors e Nestlé. Temos um centro de excelência em Bruxelas, que gerencia as contas no mundo todo.

DINHEIRO – A Generali planeja fazer aquisições no Brasil?

COURTOIS – Sim, e parcerias estratégicas, como as que assinamos com o banco BMG e com a Tim. Se houver boas oportunidades, estamos comprando ou faremos novas associações.

DINHEIRO – O mercado segurador está enfrentando grandes mudanças em sua atividade. Riscos climáticos, por exemplo. Como o sr. vê esse momento?

COURTOIS – Globalmente temos dois grandes desafios. O primeiro são as taxas de juros. O que eu vou dizer pode parecer estranho para vocês no Brasil, mas o setor de seguros não está preparado para viver em um ambiente de juros perto de zero por tanto tempo. Temos taxas de juros muito baixas nos Estados Unidos, taxas zero na Europa e juros abaixo de zero no Japão.

Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu: juros na Europa estão baixos, o que afeta os resultados das seguradoras
Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu: juros na Europa estão baixos, o que afeta os resultados das seguradoras (Crédito:Daniel Roland )

DINHEIRO – Por que isso atrapalha?

COURTOIS – Isso é um grande desafio quando se pensa que boa parte do resultado de qualquer seguradora depende das aplicações financeiras. O negócio de uma seguradora depende de vender apólices e pagar indenizações. Porém, uma parte dos resultados é obtida com a aplicação do o dinheiro dos prêmios, que os clientes pagam ao contratarem o seguro. Se os juros estão perto de zero, a seguradora não consegue rentabilizar suas reservas.

DINHEIRO – Como resolver isso?

COURTOIS – No caso dos seguros contra roubos e residenciais, é possível contornar o problema gerindo melhor os riscos. No seguro de vida e na previdência, é mais complexo. Em teoria, se seus ativos e suas obrigações tiverem os mesmos prazos, não há problema. Mas isso só ocorre na teoria. Na prática, está cada vez mais difícil conseguir isso. No Japão, em que os juros são negativos, as seguradoras perdem dinheiro. O único jeito de prosperar é melhorar os produtos e a gestão de risco.

DINHEIRO – E o segundo risco?

COURTOIS – É o risco da mudança tecnológica. O cliente mudou muito, e a maneira como ele se relaciona com as seguradoras também mudou. Em muitos países, os clientes preferem os meios digitais. Isso é uma mudança radical em nosso modelo de negócios. Antes, o cliente interagia com o corretor e o corretor falava com a companhia. Agora, todo mundo fala com todo mundo, e temos de ter muito mais atenção que antes. Eu não acho que o mercado será totalmente digital no futuro. Quando o cliente tiver algo importante a discutir, como seguro de vida, aposentadoria ou proteção para a família, ele vai preferir um atendimento pessoal. E também há novas necessidades de proteção.

DINHEIRO – E no caso das mudanças climáticas?

COURTOIS – Esse é um assunto onde ainda há muita polêmica. Baseado na nossa experiência, podemos dizer que é provável que haja mais furacões, enchentes e secas do que antes. Agora, mudança climática é uma tendência de longo prazo. O que as seguradoras podem fazer é, assim que for detectada uma mudança climática, oferecer mais proteção.

DINHEIRO – E além dos riscos climáticos, o que pode afetar sua atividade?

COURTOIS – A principal incógnita é o risco cibernético. É um mercado que cresce muito. Estamos nele há pouco tempo. Só no ano passado traçamos nossa estratégia para lidar com esses riscos.

DINHEIRO – Qual é essa estratégia?

COURTOIS – No caso dos indivíduos, os riscos são de roubo de dados e identidade falsa. As empresas também estão expostas à difamação no mundo digital. Nesse caso, oferecemos dois tipos de soluções. Uma é a tecnológica. Desenvolvemos ferramentas e fechamos parcerias que permitem, por exemplo, localizar, identificar e eliminar conteúdo nocivo à companhia que foi colocado na internet. Outra é a solução legal, para conter as ameaças. Esses riscos são sérios. Em casos mais graves, uma campanha de difamação pode até fazer a companhia falir. Nossa meta é oferecer proteção a nossos clientes. O problema é que a atividade básica de uma seguradora é calcular riscos, mas o risco cibernético é difícil de estabelecer, e, portanto, difícil de precificar. Falhamos algumas vezes, mas estamos aprendendo. O problema é que esse é um campo que muda muito, todos os dias os hackers inventam algo novo, e temos de acompanhar isso.

DINHEIRO –Um caso recente foi o roubo de dados pessoais de cerca de um bilhão de contas da Yahoo, anunciado em dezembro passado. Vocês são a seguradora da Yahoo?

COURTOIS – Não, não somos. E isso é muito bom (risos).