Embora atraiam pacientes pela rapidez do agendamento e pelos preços mais acessíveis, as redes de clínicas populares que se espalham pelo mercado não garantem, na opinião de especialistas, um atendimento mais amplo, principalmente em casos graves.

“Claro que essas clínicas têm uma velocidade de atendimento inigualável, mas o paciente não pode ter a ilusão de que, por isso, tem cobertura garantida e não vai precisar do SUS (rede pública). Isso é mentira. Essas clínicas não cobrem medicamentos, internação e quimioterapia, por exemplo. É um atendimento fragmentado”, ressalta a sanitarista Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A especialista diz ainda que, como não há uma regulação específica para o mercado, esses serviços têm pouco controle de qualidade. “Os pacientes devem ficar atentos à estrutura, às condições dos equipamentos para exames e a eventuais indicações de procedimentos médicos não necessários”, diz.

As clínicas populares que começaram a atrair brasileiros nos últimos anos com consultas a preços mais acessíveis apostam agora na oferta de serviços mais complexos para ampliar a rede, conseguir mais clientes e aumentar a receita. Ressonância magnética, biópsia, vasectomia e fertilização in vitro são alguns dos procedimentos já disponíveis em redes na capital e Grande São Paulo.

A maioria dessas empresas surgiu ou registrou crescimento significativo nos últimos dois anos, período em que houve uma queda drástica do número de beneficiários de planos de saúde no País. Por causa da crise econômica, 2,4 milhões de brasileiros perderam o convênio entre 2014 e 2016, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Cartilha

A ANS se posicionou sobre os pacotes de consultas e serviços oferecidos por essas clínicas. O órgão editou uma cartilha sobre cartões de desconto ou pré-pagos por meio dos quais o paciente têm direito a um número limitado de consultas ou a descontos em outros procedimentos.

Na cartilha, a agência ressalta que essas modalidades de serviço não são planos de saúde e não possuem garantias como o rol mínimo de procedimentos editado pela ANS. A agência salienta ainda que os planos de saúde são proibidos de oferecer esse tipo de cartão.

Atração

As clínicas populares que ganham espaço no mercado não se tornaram uma alternativa somente para pacientes. Médicos de diferentes especialidades estão fechando os consultórios particulares ou pedindo demissão de empregos em planos de saúde ou no SUS para atuar exclusivamente nesse tipo de negócio. O principal argumento dos profissionais que optaram pela mudança são os altos custos de manter uma estrutura própria.

Até 2015, o clínico-geral e endocrinologista Bruno Reis Souza Massatelli Gonçalves, de 34 anos, atuava em seu consultório particular no Itaim-Bibi, zona oeste de São Paulo, ao lado de dois sócios. Com a possibilidade de trabalhar em redes de clínicas populares, os três decidiram fechar o espaço. Gonçalves passou, então, a atuar em período integral no dr.consulta.

“Em um consultório particular, você vai gastar, no mínimo, com o aluguel da sala e o salário de uma secretária. Com os preços altos de aluguel em São Paulo, fica difícil manter um consultório por menos de R$ 7 mil. E ainda havia a desvantagem de não contarmos com uma boa estrutura de marketing e captação de clientes como as redes de clínicas têm”, afirma ele.

O médico relata que, nos últimos anos, as receitas do consultório não compensavam os custos. “Com a crise, a gente estava com uma agenda ociosa. Não tinha fluxo. Na clínica, tenho uma agenda mais produtiva e consigo uma renda até maior do que a que eu tinha antes”, conta ele.

Abandonar o consultório particular e migrar para clínicas populares também foi a opção da endocrinologista Fernanda Lustosa Zinato, de 33 anos. “Além dos custos que tínhamos no consultório, o plano de saúde ainda demora até dois meses para pagar a consulta feita. Nas clínicas, também temos maior garantia de pacientes”, diz ela, que se mudou de Limeira, no interior de São Paulo, onde tinha um consultório com o marido, também médico, para São Paulo. “Pensávamos em outras possibilidades de trabalho quando nos mudamos, mas à medida que fui trabalhando na clínica e vi a praticidade optei por ficar somente lá”, relata.

Já o cardiologista Luís Augusto Saliba, de 36 anos, deixou um emprego em um dos principais hospitais públicos especializados do País para trabalhar em uma clínica popular. “Trabalhava havia cinco anos no Instituto Dante Pazzanese, mas estava desencantado. Embora o instituto tenha uma estrutura excelente, é difícil, dentro do sistema público, dar a atenção integral ao paciente. A gente faz a nossa parte, mas não vê se que aquele atendimento teve começo, meio e fim”, relata.

Fila

Vice-presidente médico do dr.consulta, Marcos Fumio conta que o corpo clínico da empresa passou de 200, no ano passado, para os atuais mil profissionais. “O setor também sofreu com a crise e os médicos estão preferindo não ter burocracias com a gestão de um consultório. Temos fila de espera de médicos querendo entrar”, afirma ele.

Fumio conta que o movimento tem sido observado também com dentistas. “Muitos estão migrando para as clínicas. Para abrir um consultório odontológico, o valor é alto por causa dos equipamentos necessários.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.