Num período de 20 dias neste início de ano, o executivo Renato Franklin, CEO da Movida, realizou 181 reuniões com investidores, o que dá uma média insana de nove por dia. Nem os finais de semana foram poupados. Em um deles, ele virou a madrugada em teleconferências com fundos asiáticos. Os esforços tinham um propósito: garantir que a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) da locadora de veículos fosse bem-sucedida. O temor não estava nos atrativos do negócio. A empresa, que faz parte do Grupo JSL, é a segunda maior do setor no Brasil, com faturamento de R$ 1,4 bilhão acumulado nos nove primeiros meses do ano passado, uma frota de quase 60 mil carros e 233 lojas.

NENHUMA DÚVIDA? : Guilherme Benchimol, fundador da XP Investimentos, não quer desistir do ipo, mesmo após a empresa ter relatado roubo de dados de clientes por hackers
NENHUMA DÚVIDA?: Guilherme Benchimol, fundador da XP Investimentos, não quer desistir do IPO, mesmo após a empresa ter relatado roubo de dados de clientes por hackers (Crédito:João Castellano/ Istoé )

Entre 2013 e 2015, a Movida multiplicou 21 vezes sua receita, um caso sem precedentes nesse segmento no País. O receio de Franklin era amargar um fracasso por ser a primeira empresa a destravar as negociações de novas ações na bolsa de valores, após dois anos de penúria. O resultado foi satisfatório. A empresa movimentou R$ 645 milhões, sendo que R$ 536 milhões vão ser utilizados pela companhia para novos investimentos. O restante do dinheiro vai para o bolso dos acionistas controladores.

“Com essa abertura de capital, nos colocamos de maneira diferenciada para capturar mais espaço no mercado”, disse o CEO, pouco antes de acionar a campainha que marcou a estreia no pregão, na quarta-feira 8. “Trabalhar pelo lucro e pelos bons resultados é um compromisso compatível com os investimentos que estão sendo feitos.” Outras empresas farão companhia à Movida nos próximos dias. Está marcado para a terça-feira 14 o início da negociação de sua concorrente Unidas e do laboratório de análises clínicas Hermes Pardini. Juntas, essas duas companhias planejam movimentar pouco mais de R$ 1,6 bilhão.

Soma-se a elas o registro preliminar da Azul Linhas Aéreas, publicado na Comissão de Valores Mobiliários, na semana passada. O plano da companhia fundada pelo empresário David Neeleman é realizar o IPO em abril e captar R$ 1,5 bilhão, mesmo montante que a Notredame Intermédica espera conseguir, numa oferta que deve ser registrada nas próximas semanas. Em 40 dias, essas cinco empresas fazem de 2017 um ano muito melhor do que foram os dois anteriores juntos, quando apenas duas estreias aconteceram no mercado brasileiro de capitais. Em 2015, a Par Corretora de Seguros levantou R$ 602,8 milhões.

PARA SER O MAIOR: Charles Desmartis, presidente do Carrefour, vem se preparando para um ipo há dois anos. a rede varejista só estava à espera de uma janela. Agora vai?
PARA SER O MAIOR: Charles Desmartis, presidente do Carrefour, vem se preparando para um ipo há dois anos. a rede varejista só estava à espera de uma janela. Agora vai? (Crédito:Assessoria Carrefour)

Em outubro do ano passado, o laboratório de análises clínicas Alliar angariou R$ 674,2 milhões. Em contrapartida, no mesmo período, 20 empresas cancelaram seus registros de companhia aberta, saindo do mercado de capitais. Estão nessa lista Whirlpool, Souza Cruz, Vigor e os bancos Sofisa, Indusval e Daycoval. “Nos últimos dois anos, com a depressão da economia brasileira, ninguém pensava em ir para a bolsa, pois captar dinheiro seria para rolar dívida”, diz Rodrigo Menon, sócio da Arbitral Gestão. “Agora, não é mais uma questão de sobrevivência. As empresas estão pensando em acelerar o crescimento.”

A estabilização da economia brasileira trouxe confiança e reabriu a janela de oportunidades da bolsa de valores. De acordo com o Boletim Focus, do Banco Central, a expectativa do mercado financeiro é de uma expansão de 0,49% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano e de 2,25% em 2018. Mas, mesmo que a atividade econômica encerre 2017 em estabilidade, a perspectiva de recuperação a partir do ano que vem reacende a necessidade de investimento das empresas. A queda da taxa de juros (a Selic está em 13% ao ano, com expectativa de chegar a 9,5% no final de 2017) e a retomada do controle da inflação pelo BC (leia mais aqui) ajudaram a reativar o mercado financeiro de capitais.

“Com a queda dos juros e da inflação, as empresas voltam a se movimentar num cenário macroeconômico menos turbulento”, afirma Saulo Sturaro, sócio da JK Capital. “A volta dos IPOs reflete a vontade das empresas em se capitalizar para fazer investimentos. Por outro lado, os investidores também querem pisar no acelerador e aproveitar as oportunidades.” Novidades não devem faltar. Neste primeiro semestre, pelo menos cinco empresas, além da Azul e da Notredame, correm para entrar na bolsa de valores.

DIN1005-ipos9O movimento financeiro seria superior a R$ 5 bilhões para essas outras operações. São empresas de mercados distintos, como energia, saúde, alimentação e imobiliário, como a LOG Commercial Properties, do Grupo MRV Engenharia, que planeja captar R$ 800 milhões. A BM&FBovespa calcula que 17 empresas (além das quatro que já publicaram seus prospectos) estão dispostas a acessar o mercado em 2017, com ofertas inicias ou secundárias (follow on) de ações. Caso essa expectativa se confirme, este poderá ser o melhor ano da bolsa de valores desde 2013.

“É a retomada do mercado de capitais”, diz Edemir Pinto, presidente da BM&FBovespa. “Este é o começo de um período de choque de capitalismo que vamos experimentar no Brasil. Comparado aos anos anteriores, este ano pode ter um volume espetacular de IPOs, com algumas operações relevantes e importantes.” Na sexta-feira 10, a concessionária de rodovias CCR informou que vai captar R$ 4 bilhões com uma nova emissão de papéis. Uma das empresas que provoca mais expectativa no mercado financeiro é o Carrefour.

Desde 2015, a rede varejista fala abertamente do seu plano de realizar sua oferta inicial de ações no País. O presidente Charles Desmartis sempre reforçou que esse movimento dependia apenas de uma janela de oportunidade e, enquanto ela não abrisse, a companhia “continuaria trabalhando para melhorar sua operação”. Embora a empresa não tenha dado um prazo para essa operação, o diretor financeiro do Grupo Carrefour, Pierre-Jean Sivignon, sinalizou, na última divulgação de resultados, realizada em 19 de janeiro, que o plano é seguir em frente.

“Sobre IPO, não há muito a acrescentar. Acredito que já falamos sobre nossos dois planos para 2017, que são, obviamente, Carmila e Brasil”, disse ele, sobre a operação brasileira e de uma das divisões imobiliárias na Europa da rede varejista. “Estamos trabalhando em ambos e neste momento não há nada de novo para anunciar.” Em entrevista recente à DINHEIRO, o empresário Abilio Diniz, que detém 12% da operação brasileira, disse que o Brasil mudou. “É o momento certo para abrir o capital.”

GIGANTES Ao lado do Carrefour, duas empresas ligadas ao setor financeiro entram na lista de IPOs importantes no ano. O IRB Brasil RE, resseguradora de capital misto que tem o governo federal como maior acionista, intensificou sua preparação para abrir o capital a partir de junho do ano passado, quando Tarcisio Godoy, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, assumiu a presidência da companhia. Há sete meses, ele vem se reunindo com frequência com os bancos para decidir o tamanho da operação da empresa, que tem ativos de mais de R$ 14 bilhões.

O mesmo processo vem acontecendo na XP Investimentos. O mercado calcula que a empresa deve movimentar, aproximadamente, R$ 1 bilhão. Esse IPO é bastante aguardado tanto por novos investidores como por fundos de investimentos que já aportaram recursos na companhia. O General Atlantic, por exemplo, espera conseguir uma oferta secundária para embolsar parte do que foi aplicado na XP em 2013. Nas últimas semanas, porém, uma certa desconfiança encobriu a companhia criada por Guilherme Benchimol. Em janeiro, a XP informou que hackers roubaram o cadastro de 29 mil clientes e chantagearam o fundador em R$ 22,5 milhões para evitar a exposição do problema.

RECEITA PARA O GOVERNO: Tarcisio Godoy tem se reunido com frequência com os bancos para definir o tamanho do ipo do IRB Brasil RE, a resseguradora com ativos de mais de R$ 14 bilhões
RECEITA PARA O GOVERNO: Tarcisio Godoy tem se reunido com frequência com os bancos para definir o tamanho do ipo do IRB Brasil RE, a resseguradora com ativos de mais de R$ 14 bilhões (Crédito:Marisa Cauduro/Valor)

Mesmo com a ameaça, a corretora já deu início a uma série de apresentações internacionais e não quer adiar seu plano. A decisão sobre essas três operações deve mexer com o calendário dos novos lançamentos de ações. Nenhuma empresa quer correr o risco de concorrer com elas pelo dinheiro do investidor estrangeiro. Tanto os fundos de investimento especializados em América Latina como os voltados aos mercados emergentes ainda não retornaram com força ao Brasil. Ainda há espaço em suas carteiras para ativos brasileiros (leia quadro “Capital estrangeiro” ao final da reportagem).

Historicamente, a média de participação do capital internacional em operações na bolsa de valores fica entre 60% e 70%. No pico de euforia com o Brasil, entre 2006 e 2011, 10 empresas registraram participação acima de 90%. A BR Brokers, por exemplo, chegou a ter 98%, com apenas 13 pessoas físicas entre os investidores. Mas, nesse momento de retomada, a cautela deve predominar. A Movida, que fez intenso corpo a corpo no mercado externo, conseguiu atrair apenas 50% de participantes estrangeiros no grupo que bancou o IPO.

“O investidor estrangeiro é menos emocional que o local e continua bastante confiante no Brasil”, diz Leandro Miranda, diretor-gerente do Bradesco BBI. “Eles estão se posicionando bem nesse cenário favorável de novas ofertas, mas não vão repetir os exageros de anos anteriores. Agora, estão bastante conservadores.” O ânimo dos estrangeiros está ligado, também, à valorização do Ibovespa, o principal índice da bolsa. Com alta de 38,9% no ano passado, ele bateu todas as aplicações de renda fixa.

Edemir Pinto presidente da BM&FBovespa: “É a retomada do mercado de capitais. Este ano pode ter um volume espetacular de IPOs”
Edemir Pinto presidente da BM&FBovespa: “É a retomada do mercado de capitais. Este ano pode ter um volume espetacular de IPOs” (Crédito:Claudio Gatti)

Em dólares, o ganho chegou a 60%. Esse desempenho o aproxima de sua pontuação máxima histórica. Em maio de 2008, logo depois que o País conquistou o grau de investimento das agências de classificação de risco, o Ibovespa atingiu 73.516 pontos. Na quinta-feira 9, fechou aos 64.954 pontos. Seria preciso subir mais 13,2% para empatar com o recorde nominal. Considerando a inflação acumulada no período, porém, o Ibovespa precisaria quase dobrar de patamar para bater o nível anterior. Nenhum analista ouvido pela DINHEIRO, porém, projeta quando isso ocorrerá. Até aqui, a alta no ano é de 8%. Nada mal.

Embora o otimismo esteja novamente presente, os riscos não sumiram completamente do radar. Internamente, a instabilidade política continua atrapalhando a economia. Tanto os novos desdobramentos da Operação Lava Jato como eventuais fracassos nas reformas trabalhista e da Previdência podem colocar um freio nesse passo que as empresas estão dando rumo ao mercado de capitais. A crise fiscal ainda não se dissipou. “Os riscos são mais internos e relacionados à encruzilhada de decisões, principalmente à reforma previdenciária”, diz Samuel Kinoshita, sócio da Bozano Investimentos. “No exterior, há uma incerteza absurda, mas sem nenhum impacto imediato para as ações no Brasil.”

O cenário externo permanece uma incógnita. Ninguém consegue prever o resultado do destempero protecionista do presidente americano Donald Trump. Mas se as taxas de juros subirem no EUA por causa disso, os investidores podem correr para ativos de lá. Da mesma forma, as eleições na Europa e o perigo de uma guinada à direita na França e na Holanda podem mexer com a alocação global de ativos. O mundo ainda parece dirigir no gelo, o que exige cautela. No Brasil, porém, o destino aponta em direção à bolsa. Só é preciso cuidado para não acelerar antes do tempo e ter uma freada busca no meio do caminho.

Atualização: Na noite de sexta-feira 10, após o fechamento dessa reportagem, a Unidas pediu o cancelamento de seu IPO para a CVM, alegando condições adversas para seguir com a oferta.

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