Existem naturalmente empresários perplexos e, de certa forma, até revoltados – e eles são a esmagadora maioria – com o tsunami de escândalos, vantagens indevidas e relações promíscuas dos governos petistas com alguns dos seus pares. Não é para menos. Os participantes da patota de aliciados que o ex-presidente Lula achou por bem batizar com a alcunha de “campeões” infringiram regras e ações que são consideradas pilares fundamentais da iniciativa privada. Com o toma-lá-dá-cá mandaram às calendas os fundamentos da livre concorrência e dos resultados por eficiência.

Chafurdaram juntos com os políticos na lama da corrupção e o que é pior: transformaram a agenda do País em mera apuração das negociatas e desvios, deixando paralisada a extensa pauta de ações econômicas para a retomada do crescimento. O que a turma do empreendedorismo almeja agora e de forma urgente é uma mudança de atenções do Brasil para aquilo que, acreditam eles, realmente interessa e ajudará de forma concreta na virada de cenário e na consolidação do otimismo com a recuperação. Os empresários engajam-se, finalmente, na luta pelo pacote de reformas estruturais. A começar pela da previdência, seguida da trabalhista, da fiscal e, por que não, também da reforma política.

Ao menos 300 representantes de vários setores de atividade estiveram reunidos na semana passada durante o 16º Fórum Empresarial, em Foz do Iguaçu, para levantar essa bandeira, defendendo em alto e bom som as reformas como prioridade. E o que é mais produtivo: conseguiram expressar essa vontade para um time de autoridades do Congresso e do Governo, que também participaram do encontro e foram até alvo de pesadas críticas, não apenas pela atuação hesitante e lenta no encaminhamento do tema, como no que se refere às denúncias de Caixa 2 que ainda recaem sobre alguns deles.

Entre os parlamentares, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, teve que aceitar o silêncio ensurdecedor, em forma de protesto, quando seu nome foi anunciado no rol dos participantes para compor o palco. O líder do PMDB, Romero Jucá, passou por constrangimento semelhante e arriscou-se a justificar o seu nome na propalada lista de Janot. “Estão acusando todos como se fosse a mesma coisa. Temos uma crise com vertente policial, judicial e, portanto, ou os partidos e a política evoluem ou teremos uma situação complicada lá na frente”, alegou, sem convencer.

Naturalmente, representantes da agremiação que protagonizou a maioria dos escândalos e que pilotou a nau de desvios dos cofres públicos, o PT de Lula, não apareceram por lá. Seriam, provavelmente, pressionados por aquela plateia de indignados CEOs e executivos que viram seus negócios travarem nos últimos anos por conta das barbeiragens das gestões de Dilma e Lula. Tome-se o exemplo do presidente do Grupo Kia e da Abeiva, a associação dos importadores de automóveis, José Luiz Gandini.

Seu segmento de carros importados foi quase extinto por uma medida absurda que penalizava em mais de 30% o preço dos veículos trazidos de fora – além de toda a carga de impostos já incidente sobre o produto – o que travou as encomendas. “O PT inventou uma lei que prejudicou seriamente. Hoje em um carro que custa R$ 100 mil, pagamos R$ 55 mil de IPI, mas 12% de ICMS na nota, além de margens para a revenda, custos de comercialização. Não sobra nada”. Resultado: marcas como a Kia ficaram a um passo de baterem em retirada e amargaram prejuízos inomináveis.

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Gandini informou no Fórum que o faturamento desabou para inacreditáveis 15% dos cerca de R$ 1 bilhão que obtinha no ano imediatamente anterior ao da adoção da medida. Dos 80 mil carros que trazia por ano, sua cota caiu para meros quatro mil sem a imposição dessa sobretaxa. “Foi uma loucura e o que peço agora é que revejam essa insanidade o quanto antes”, apelou. Quatro ministros, dentre os quais Dyogo de Oliveira, do Planejamento, estavam presentes e alguns deles pareceram sensibilizados com a demanda. Há uma perspectiva de que até o início do próximo ano a tarifa restritiva seja suspensa. Mas talvez seja um prazo demorado demais diante do fôlego curto das marcas que amargam a situação.

As queixas de todo modo ficaram restritas ao que foi feito no passado, pelas administrações anteriores. A expectativa maior é com o que vem pela frente. Um aberto grito de apoio a Temer, tido como o protagonista de uma transição necessária, foi manifestado em várias ocasiões do evento. Rubens Ometto, da Cosan, que fatura mais de R$ 50 bilhões e atua em áreas que vão da distribuição de combustíveis ao de ferrovias, disse, por exemplo: “O Brasil tem muita sorte de estar com um presidente como Temer, empenhado na transição, com coragem de propor e enfrentar as reformas necessárias, sem esmorecer, usando a capacidade que tem de negociar para convencer o Congresso”.

Elie Horn, dono da Cyrela, portento da construção civil que fatura quase R$ 3 bilhões, fez coro. “Os políticos precisam fazer tudo que é possível a favor das reformas, atendendo ao chamado do governo para assim combater a miséria”. Da mesma maneira reforçou Zeina Latif, da XP Investimentos: “No caso da previdência, é melhor a reforma que o calote. E o risco de calote é real. O governo tem diagnósticos claros na direção correta e as ações no curto prazo são de uma importância tremenda para a estabilização”, alertou. E ainda ponderou que desvincular a economia das investigações da Lava-Jato e dos processos sobre políticos será a única saída para o avanço do País.

Nas contas frias dos números, informa Dyogo de Oliveira, do Planejamento, o Governo Federal deve gastar neste ano cerca de R$ 720 bilhões com benefícios e aposentadorias. O montante representa 55% das despesas totais no orçamento. Em contrapartida, os investimentos públicos ficarão restritos a um volume de recursos da ordem de R$ 40 bilhões. “Podíamos estar investindo mais em infraestrutura e projetos de expansão, mas não dá com tamanha despesa na previdência”, queixou-se Oliveira. Com educação, a verba vinculada é de R$ 120 bilhões, numa diferença abissal de valores.

Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, voltado especialmente para a educação básica, trouxe a seguinte comparação: o Brasil gasta hoje seis vezes mais com um idoso do que com uma criança, comprometendo o futuro da Nação. “Na questão da educação, o quadro brasileiro é semelhante ao eletrocardiograma de um morto. Por isso a reforma da previdência é urgente. Não é uma questão optativa, mas imperativa”. Pelos seus cálculos, o Brasil passará por uma das mais rápidas transições demográficas do mundo, assistindo a um envelhecimento acelerado da população.

Fará em 20 anos o que a França levou 120 anos para fazer. “A janela de oportunidade para preparar essa geração com uma formação adequada é agora e precisamos de recursos nesse sentido. Temos uma herança multibilionária de jovens a serem capacitados que podem se transformar na nossa via de crescimento. Caso contrário, o boom demográfico pode virar uma bomba demográfica lá na frente dentro da previdência”. Claudio Lottenberg, presidente do Grupo Unitedhealth no Brasil, concorda com as estatísticas e vai além: aponta que até 2040, mais de 30% dos brasileiros terão idade em torno de 70 anos, o que requer outra abordagem para esse universo de dependentes dos serviços de saúde.

“A alternativa está nas empresas privadas. As questões de saúde passam por um aprimoramento dos processos e não necessariamente do financiamento público”. Carlos Sanches, fundador da EMS, um dos maiores grupos farmacêuticos do País, com faturamento da ordem de R$ 6 bilhões ao ano, reforça a tese. Segundo ele, a iniciativa privada está avançando no campo da saúde com qualidade e eficiência. “Em nosso segmento, estamos crescendo de 15% a 20% ao ano, controlando 60% do mercado”. Se o consenso em torno das reformas era nítido durante o encontro, o otimismo com a volta à normalidade de mercado também.

Luiz Fernando Furlan, da BRF, dividindo o tempo como chairman do LIDE, pontuou que na história do Brasil nunca houve uma conjunção tão favorável na qual o BC prevê crescimento de 4% do PIB em 2018 e inflação na casa dos 4%. “Vamos fazer as reformas, olhando essa oportunidade política e das condições macroeconômicas”. Guilherme Paulus, da CVC, que fatura quase R$ 10 bilhões ao ano com turismo, concorda. “Estamos numa fase de ânimo, de aposta na melhoria e devemos encaminhar essas mudanças”. No seu setor, com a liberalização de capital estrangeiro nas companhias aéreas, a expectativa é dobrar o número de turistas por aqui, alcançando a marca de 12 milhões de visitantes até 2022.

Como apoteose dos debates, a passagem do prefeito de São Paulo, João Doria, pelo evento foi cercada de ruidosa excitação. Todos queriam cumprimentar o alcaide pelas realizações em 100 dias de governo – que o transformaram em candidato preferencial dos tucanos na corrida presidencial de 2018 – e ouviram dele uma espécie de convocação para fazer valer as reformas. “É hora dos empresários apoiarem incondicionalmente as reformas. Uma minoria ruidosa não pode se sobrepor a uma maioria silenciosa. Não é possível que quem paga impostos, gera empregos, investe, seja ausente dessa luta. Ficar em silêncio pode ser fatal”.

Doria, que se licenciou de suas atividades empresariais para entrar na política, animou-se com os incentivos dos seus pares e não se furtou de alfinetar os adversários, concentrados principalmente no PT: “Depois de 13 anos do maior assalto público da história, de 13 milhões de desempregados, aquele que cometeu esses descalabros ainda vem dizer que vai salvar o Brasil? Salvar do quê? Vamos responder com aquilo que o PT não sabe fazer: gestão. Vou lutar com todas as forças para que o Brasil jamais volte a ter a safadeza de um Luiz Inácio no comando. Jamais!”. Ovacionado de pé, o prefeito deu o tom do clima entre os participantes contra o PT.