Um executivo brasileiro da multinacional americana de serviços e tecnologia General Eletric (GE) jantava com amigos em sua casa no Brasil, no domingo, 29 de janeiro, quando seu celular apitou: era uma mensagem do presidente mundial, Jeff Immelt. Ao mesmo tempo, todos os 333 mil empregados da multinacional tiveram acesso ao conteúdo. O texto fora enviado para tranquilizar os funcionários e para mostrar que a empresa era contra o decreto assinado pelo presidente Donald Trump que impede a entrada de imigrantes de países de maioria muçulmana nos Estados Unidos.

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A medida também prevê regras mais duras na emissão de vistos e intensifica o controle de imigração em todos os aeroportos do país. “A GE não existiria sem nossos funcionários inteligentes e dedicados espalhados por todo o mundo. Não haveria GE sem pessoas de todas as religiões, nacionalidades, gênero, orientação sexual e raça”, afirmou o CEO, no texto. Assinado em 27 de janeiro, o decreto de Trump proíbe cidadãos de Síria, Iraque, Irã, Iêmen, Líbia, Somália e Sudão de ingressar nos EUA até o final de abril.

CONTROVERSO: Donald Trump coloca os negócios em risco ao proibir a entrada de imigrantes de sete países nos EUA
CONTROVERSO: Donald Trump coloca os negócios em risco ao proibir a entrada de imigrantes de sete países nos EUA (Crédito:Divulgação)

Em seis dias, 110 pessoas foram detidas em aeroportos de todo o território americano e 721 viajantes com vistos válidos foram impedidos de embarcar em voos com destino ao país. O absurdo chegou ao ponto de algemar uma criança de cinco anos e a ação ter sido defendida por um dos assessores de Trump. O presidente americano quer estender o veto a imigrantes de Arábia Saudita, Paquistão, Afeganistão e Egito. Pelo Twitter, ele disse que irá rever um acordo firmado com a Austrália para reassentar 1.250 refugiados. O primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull, disse que não iria se manifestar.

Em contrapartida, tanto os protestos em frente à Casa Branca aumentaram como a reação das maiores empresas globais contra Trump. A GE não estava sozinha. Executivos de Apple, Ford, NetFlix, Airbnb, Coca-Cola e Goldman Sachs também enviaram textos aos seus funcionários. “A Apple não existiria sem a imigração”, disse Tim Cook, CEO da Apple. “Essa não é uma política que apoiamos”, afirmou Lloyd Blankfein, CEO do Goldman. Os executivos temem que a caneta nervosa do presidente afete seus negócios. O Google fez uma estimativa e cerca de 200 funcionários podem ser afetados pelo decreto.

PROTESTOS: centenas de familiares vão aos aeroportos do país em manifestação contra a proibição de imigrantes muçulmanos
PROTESTOS: centenas de familiares vão aos aeroportos do país em manifestação contra a proibição de imigrantes muçulmanos

A gigante de tecnologia afirmou que pretende doar US$ 4 milhões a quatro organizações que ajudam imigrantes. A Budweiser, marca de cerveja da AB InBev, criou um comercial que será exibido durante a final do futebol americano, o SuperBowl, evento esportivo mais valioso do mundo, que narra os percalços do seu fundador, o alemão Adolphus Busch. A peça publicitária foi chamada de Nascido da dificuldade. “A imposição de Trump transmite um sinal de que os Estados Unidos estão fechados para os negócios”, diz Randy Capps, diretor do Instituto de Políticas para Imigração (MPI, na sigla em inglês), de Washington D.C. “Os empresários americanos estão receosos de que investidores possam procurar outros países.”

A rede de cafeterias Starbucks foi uma das primeiras a reagir contra Trump. No dia seguinte ao comunicado, o presidente Howard Schultz elaborou um projeto para contratar 10 mil refugiados ao longo dos próximos cinco anos, nos 75 países onde a rede atua. À DINHEIRO, a empresa afirmou que “os clientes do Starbucks são atraídos pelos valores que propagamos. Sempre fomos um lugar de inclusão, diálogo e oportunidade, oferecendo muito respeito a todos.” O que não se esperava, porém, era que após se opor à medida anti-imigração, a empresa passaria a receber críticas de eleitores do Republicano, que planejaram um boicote coletivo contra a rede de cafeterias. Mesmo com a repercussão negativa, a Starbucks não voltou atrás de sua posição.

RETALIAÇÃO: depois de o CEO do Uber, Travis Kalanick, ter sido considerado aliado de Trump, aplicativo foi boicotado por usuários
RETALIAÇÃO: depois de o CEO do Uber, Travis Kalanick, ter sido considerado aliado de Trump, aplicativo foi boicotado por usuários (Crédito:Divulgação)

Por outro lado, a decisão intempestiva de Trump gerou uma reação oportunista. No sábado 28, enquanto os taxistas de Nova York faziam greve contra a medida de Trump, o aplicativo de transporte coletivo Uber baixou o preço de sua tarifa. Houve uma reação imediata e um boicote coletivo à startup nas redes sociais, com a hashtag #DeleteUber, incitando outras pessoas a apagar o aplicativo. A empresas ficou numa situação delicada e o presidente Travis Kalanick teve de se retratar e mostrar que era contra a política de imigração de Trump. Por isso, ele decidiu deixar o conselho de consultoria econômica, criado pelo presidente com os principais empresários do país.DIN1004-trump6

“Participar do grupo na Casa Branca não era para endossar a agenda do presidente, mas, infelizmente, fui mal interpretado e por isso deixo o cargo”, disse Kalanick. Os EUA são o principal destino da maioria dos imigrantes (leia quadro “Principais destinos”) e os impactos que essa medida pode causar no mercado de trabalho e na economia do país são vastos. O Instituto de Políticas para Imigração alerta que há 50 mil profissionais de saúde imigrantes que trabalham nos EUA. Desses, 17 mil são dos sete países proibidos por Trump. O Instituto Wilson México, por exemplo, estima que a relação de dependência de trabalho entre americanos e mexicanos seja de cinco milhões de pessoas.

Enquanto isso, a consultoria McKinsey fez um estudo para avaliar os impactos que os imigrantes, quando bem inseridos na sociedade, podem trazer à economia global. De acordo com a análise, o incremento ao PIB global chegaria a US$ 1 trilhão ao ano, decorrente do aumento de produtividade. “As empresas e a sociedade americana têm solidariedade aos que ali vivem e contribuem para o desenvolvimento do país”, diz Roberto Spighel, CEO da consultoria Morar EUA, que auxilia brasileiros que querem abrir empresas no país. “Os Estados Unidos são o país mais democrático do mundo e os decretos que Trump está promovendo ferem todos esses princípios.”