Os Estados Unidos despontam como exemplo do que deve ser feito em muitas áreas e setores. Na tecnologia, na educação, na música e nas finanças. Mais recentemente, o país tem mostrado, também, o que não se deve fazer, especialmente na política. Mas este não é o mote deste artigo. Aqui, pretendemos nos ater a alguns aspectos do que a maior potência do planeta tem a ensinar ao mundo no campo do empreendedorismo.

Durante seminário de startups no Brooklyn que contou com a presença do cantor Lenny Kavtz (o segundo, a partir da esq., na primeira fila)
Durante seminário de startups no Brooklyn que contou com a presença do cantor Lenny Kavtz (o segundo, a partir da esq., na primeira fila) (Crédito:Arquivo pessoal)

Para isso, vamos pegar carona no périplo que está sendo realizado pelo publicitário e empreendedor social Paulo Rogério Nunes, 35 anos, cofundador do Instituto Mídia Étnica e cofundador do escritório de negócios sociais Vale do Dendê. Ele desembarcou em Nova York, em meados de fevereiro, a convite da Rainbow PUSH (People United to Serve Humanity) Coalition para participar do seminário que celebrou os 20 anos do projeto Wall Street Project Economic Summit, também conhecido como Black Wall Street.

Trata-se de uma iniciativa liderada pelo pastor Jesse Jackson, destinada a fortalecer os negócios entre as grandes empresas e a comunidade afro-americana. Apesar de minoritários numericamente (são apenas 13% da população), os negros têm um enorme poder de pressão. Especialmente no segmento empresarial. “As empresas possuem uma preocupação genuína com a multiculturalidade, não apenas do ponto de vista da responsabilidade social como no que se refere à competitividade do negócio”, diz.

Paulo Rogério conta que em sua viagem, que se encerra no final de março, ele notou que a comunidade negra vem espalhando sua influência para diversos campos da Economia Criativa. Desde segmentos tracionais como música, mídia e finanças até a gastronomia. Para dar suporte à cultura do chamado Black Money, eles contam com uma ampla rede de bancos, financeiras e cooperativas de crédito fundadas e comandadas por afro-empreendedores. Algumas surgiram no final do século 19.

Com a editora da revista Essence, Cori Murray
Com a editora da revista Essence, Cori Murray (Crédito:Arquivo pessoal)

A Tecnologia da Informação e da Comunicação (TIC) também não escapou do radar da nova geração de empresários. Em bairros de Nova York como Harlem e Brooklyn, por exemplo, a tecnologia vem dando o tom aos empreendimentos. Boa parte deles tem se desenvolvido a partir da Silicon Harlem, ONG criada em 2013 para promover o ecossistema de inovação na região. Neste cenário, se destacam iniciativas como a Black Girls Code e a aceleradora Statup52. Esta última é liderada pelo empreendedor serial Chike Okaegbu, nascido na Nigéria e radicado nos EUA.

Graduado e publicidade, com especialização em jornalismo e novas mídias pela Universidade de Maryland, Paulo Rogério se converteu num ativo e privilegiado interlocutor entre a comunidade negra dos EUA e do Brasil. Nesta jornada, ele conta com a mentoria do ativista Joe Basley, responsável pela seção de Atlanta da Rainbow PUSH Coalition.on.

A série de interlocuções econômicas e acadêmicas, acabou fazendo com que Paulo Rogério fosse convidado para se tornar consultor-afiliado ao Berkman Klein Center da Universidade Harvard. Seu campo de estudo é o discurso de ódio racial nos meios digitais, no Brasil. Também trouxe para o Brasil a plataforma social VOJO, de comunicação, desenvolvida pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology).

Nesta entrevista, concedida por telefone, ele fala sobre empreendedorismo, Black Money e as tratativas para criar a ponte EUA-Salvador, a partir da iniciativa Vale do Dendê. A seguir, os principais trechos:

“Temos de apresentar a Bahia como uma opção de investimentos para os afro-americanos”

O que podemos aprender com a experiência dos negros americanos?
O primeiro ponto é o fato de a multiculturalidade ser um valor e um conceito intrínseco a todas as políticas institucionais das empresas, especialmente das de maior porte. Aqui, existe uma preocupação genuína das corporações em recrutar pessoas com diversos backgrounds e origens étnico-raciais.

E no que se refere ao terreno prático, no que isso é importante?
Os acionistas e gestores entendem que esta postura ajuda a empresa a se comunicar melhor com a sociedade, além de funcionar como um componente de diferenciação estratégica no campo da competitividade. Não se trata apenas de uma política de responsabilidade social, mas, fundamentalmente, de uma ação de business. Prova disso é que esta preocupação vai muito além da contratação de pessoal, atingindo, também, a política de aquisição de matérias primas e o marketing associado ao negócio. São questões que gostaria de ver sendo debatidas também no Brasil.

Com o criador da aceleradora Startup52, Chike Okaegbu
Com o criador da aceleradora Startup52, Chike Okaegbu (Crédito:Arquivo pessoal)

A presença dos negros é expressiva na produção musical e no mundo das artes cênicas. Quais são as demais áreas da Economia Criativa nas quais a nova geração está apostando?
A tecnologia é a principal delas. Neste ponto, os empreendedores afro-americanos vêm desenvolvendo um trabalho árduo para quebrar a barreira do racismo e da exclusão. Hoje, no Vale do Silício (situado em São Francisco e considerado o berço da Nova Economia), os negros constituem apenas 2% do total de profissionais.

Para mudar esta realidade, diversos programas e inciativas vêm sendo estruturadas em cidades como Oakland (situada na área empobrecida da Baía de São Francisco), Harlem e Brooklyn (bairros de Nova York), onde vêm surgindo espaços de produção colaborativa. E meu objetivo aqui é observar e absorver todas estas experiências e ver o que pode ser usado no Vale do Dendê, em Salvador.

Neste contexto, já é possível falar na existência de uma cena de black startups?
Certamente podemos afirmar isso. Tem muita coisa acontecendo neste sentido. O Jay-Z acaba de lançar um fundo focado no financiamento de projetos tecnológicos liderados por integrantes da comunidade negra. A lista de iniciativas inclui, ainda, o desenvolvimento de aplicativos capazes de ajudar as pessoas a se colocarem no mercado de trabalho, passando por produtos focados na área de entretenimento. Temos ainda o Silicon Harlem que está criando um ambiente de inovação no bairro mais icônico da comunidade negra nos EUA.

“Temos de apresentar a Bahia como uma opção de investimentos para os afro-americanos”
“Temos de apresentar a Bahia como uma opção de investimentos para os afro-americanos” (Crédito:Arquivo pessoal)

No que o Vale do Dendê poderia se beneficiar dessa interlocução com a comunidade afro-americana?
Isso vai depender de nossa capacidade de nos conectar às inciativas desenvolvidas pelos investidores. Hoje, já existe uma preocupação dos empreendedores negros em buscar novos mercados, começando pela África, com destaque para Quênia, Ruanda, África do Sul, Nigéria e Gana. Por conta disso, acredito que se apresentarmos o Brasil, e a Bahia em particular, como opção para investimentos em Economia Criativa, baseada na tecnologia, poderemos ser bem-sucedidos. Isso ficou claro nas conversas preliminares que mantive por aqui. Todos receberam de forma positiva o projeto e a filosofia do Vale do Dendê.

E quais serão os próximos passos nesta direção?
Estamos começando a desenhar um seminário internacional para levar para Salvador representantes de fundos de investimentos, bancos e aceleradoras de startups comandados por afro-americanos. Dessa forma eles teriam uma visão objetiva do que já acontece na cidade no campo da Economia Criativa, conheceriam os empreendedores e aprenderiam mais sobre a experiência local. Um dos objetivos da minha viagem aos EUA é colocar Salvador e o Vale do Dendê na rota global do empreendedorismo digital.