O agrônomo Elibio Rech, 60 anos, pesquisador do Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa, em Brasília, tem entre os seus maiores admiradores uma celebridade: o geneticista suíço Werner Arber, 88 anos, prêmio Nobel de Medicina de 1978. A amizade nasceu há cerca de oito anos, provocada por Arber. O suíço, que estava na plateia de um congresso no qual Rech era um dos palestrantes, pediu aos organizadores um encontro com o brasileiro. A ideia do Nobel era conhecer mais a fundo o trabalho de Rech, considerado na comunidade científica mundial como um dos maiores especialistas em estruturas do DNA, ou mais popularmente gene, nome da molécula presente no núcleo das células de todos os seres vivos e onde estão as informações genéticas de qualquer organismo, seja ele animal ou vegetal.

“Esse negócio é muito bacana”, diz Rech. “Sou um apaixonado pela estrutura do DNA, a molécula da vida.” Arber e Rech se tornaram amigos, e a conversa iniciada há quase uma década parece não ter fim. Nesta semana, eles se encontraram em Roma, onde Rech foi um dos palestrantes na Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, instituição criada em 1603 e da qual Arber é um dos 80 integrantes. O tema não poderia ser outro para Rech: como ligar e desligar genes. No caso, genes de plantas que podem melhorar a qualidade da cadeia alimentar de humanos.

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Na Embrapa, na sala do cientista, uma dupla hélice invertida de cromossomos se mistura aos computadores e anotações. É idêntica a que ele um dia viu no Museu de Ciências de Londres, na Inglaterra, país em que obteve o título de doutor pela Universidade de Nottingham, em 1989. Seu trabalho sobre manipulação de cromossomos artificiais fez parte do Projeto Genoma Humano, finalizado em 2003, uma das maiores façanhas da história recente da humanidade, para mapear e identificar a cadeia genética. O projeto envolveu 5 mil cientistas e custou US$ 3 bilhões. “Muita ciência foi produzida nas últimas décadas”, diz Rech. “No caso dos alimentos, a nossa pesquisa busca adicionar valor às culturas. O Brasil se tornou um exportador de commodities e pelos próximos 50 anos será muito difícil mexer nessa matriz.”

Hoje, Rech se dedica a uma pesquisa que estuda plantas como pequi, palma, além da cuthea, gênero considerado desde os anos 1960 como fonte de óleos nobres. Também trabalha na criação de um genôma sintético, através da computação, para que, em cerca de seis anos, ele já possa ser reproduzido em uma planta. “Poderemos ter uma soja tolerante à seca, ligando e desligando um gene resistente à falta d’água, através de um agente indutor”, diz o pesquisador. “Por exemplo, na seca pulverizar um álcool ou uma molécula inativa sobre uma lavoura, para ativar um gene resistente. Terminada a seca, uma segunda pulverização pode desativá-lo.” A edição genética difere dos transgênicos por não introduzir em uma planta um gene exótico, ela trabalha com combinações na cadeia do DNA.

Mas o brasileiro já possui outros feitos espetaculares em seu currículo. É dele a pesquisa sobre a extração e a multiplicação de uma proteína chamada cianovirina, cultivada em soja transgênica, capaz de impedir a multiplicação do HIV, o vírus da AIDS, no corpo humano. A técnica já está em ensaios pré-clínicos nos Estados Unidos. É dele, também, a primeira soja geneticamente modificada totalmente desenvolvida no Brasil, uma parceria entre a Embrapa e a empresa alemã de biotecnologias Basf que durou 17 anos e foi finalizada em 2015 com o lançamento de cultivares no mercado. Mas o resultado mais extraordinário de seus estudos, com consequência direta para os cerca de 300 mil produtores de soja do Brasil, foi a que elevou o teor de ácido oleico do grão para 90%. Isso pode agregar valor à cadeia. O Brasil é o maior exportador mundial, movimenta cerca de R$ 90 bilhões por ano e gera 1,4 milhão de empregos.

Conhecido como ômega9, o ácido oleico é uma gordura do bem para o coração e os neurônios. Estudos já mostraram que óleos nobres em oleico são capazes de inibir alguns tipos de cânceres. Só para comparação, o azeite de oliva possui 60% de oleico e o óleo de canola, 45%. Mas na soja o seu teor médio é de 23%. “Se conseguirmos elevar esse teor em 10% na próxima década será uma imensa vitória”, afirma Rech. “Nos Estados Unidos, a intenção é chegar em 2023 com 30% de sua soja cultivada como alto oleico.”

Da produção de 117 milhões de toneladas da safra 2016/2017, seria como ter 35 milhões de toneladas dessa soja nobre. O Brasil, que produziu na safra 114 milhões de toneladas, também pode trilhar o mesmo caminho. “A tecnologia está pronta, agora é escalonar a produção”, diz Rech. Não por acaso, desde o ano passado ele coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, que reúne pesquisadores do País e de 20 instituições estrangeiras, entre elas as universidades de San Diego, na Califórnia, mais as de Londres, Cambridge e, claro, sua eterna casa, a de Nottingham.


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