Ao ceder aos apelos do empresariado por um programa de parcelamento de dívidas tributárias no ano passado, a equipe econômica tentou afastar o rótulo de um novo Refis (Programa de Recuperação Fiscal). O Programa de Regularização Tributária (PRT) deveria ser mais rígido do que as 25 iniciativas realizadas desde 2000, num esforço para não sustentar o vício de contribuintes e governantes de assimilar a iniciativa como uma solução para as pendências com o Fisco. Em vão.

Mudanças feitas no Congresso afrouxaram os termos para condições mais favoráveis do que no passado. Não só reavivou o rótulo de Refis, como comprovou a dificuldade de enterrar uma prática utilizada em todo o País – atualmente ao menos 14 Estados têm iniciativas do tipo. De positivo, há expectativa de que os cofres públicos receberão uma injeção de recursos no curto prazo.

A Câmara dos Deputados alterou, no início do mês, o texto da Medida Provisória (MP) e elevou o prazo de parcelamento das dívidas para 20 anos, com um desconto de 90% em multas, juros e encargos. Na MP original, o período máximo era de dez anos, sem perdão das multas e limitada a companhias com prejuízos fiscais. “Este programa tem propostas muito mais agressivas que a de parcelamentos anteriores”, afirma Marcelo Annunziata, sócio do Demarest Advogados, que considera o Refis positivo às empresas.

Relatado pelo deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), o texto será apreciado pelo Senado e depois segue à sanção presidencial. Mantidas as mudanças, a arrecadação deverá cair de potenciais R$ 8 bilhões para R$ 2 bilhões, segundo a equipe econômica. O desfalque dificultaria o cumprimento da meta fiscal deste ano, de um rombo R$ 139 bilhões. Caso aprovado pelo Congresso, a equipe econômica deve recomendar o veto ao presidente Michel Temer. “Não podemos concordar com uma medida que implique em redução de receitas a esta altura dos acontecimentos”, afirmou o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, à DINHEIRO (leia a entrevista aqui).

Na visão dos empresários, o esforço é necessário para estancar o fechamento de negócios, permitindo companhias que hoje estão sem acesso a crédito resolverem suas pendências fiscais. “A medida é fundamental para se atingir a normalidade operacional”, diz Joseph Couri, presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi).Uma pesquisa feita pelo Simpi aponta que 24% dos pequenos empresários deixaram de pagar impostos devido à crise.

Por trás dos programas, há uma sensação de benefício mútuo, com condições favoráveis aos contribuintes e uma alternativa de antecipação de receita ao governo. Mas enquanto os ganhos aos devedores são evidentes, para os cofres públicos são menos claros. Segundo o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, o governo federal deixou de arrecadar R$ 18 bilhões ao ano desde 2009, totalizando com as quatro versões principais do refinanciamento aprovadas anteriormente, um prejuízo de R$ 126 bilhões. A conta não inclui as outras 21 iniciativas menores de parcelamento já realizadas no passado.

O nível de inadimplência nos Refis é de 20% e a expectativa por uma nova versão reduz o potencial da arrecadação. “O bom pagador é prejudicado e desestimulado a pagar em dia seus tributos”, diz Achilles Frias, presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). Por outro lado, há empresas que voltam a funcionar graças ao Refis e, consequentemente, geram receitas ao governo. Em entrevista à DINHEIRO em novembro do ano passado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, havia descartado um novo programa. “O Refis funciona como um grande incentivo para as empresas não pagarem impostos”, afirmou à época.

Diante das pressões políticas, o programa foi aprovado, mas com uma série de limitações. Pelo Brasil, os parcelamentos também possuem requisitos brandos. Entre os pontos em comum nos 14 Estados que estão com programas abertos (leia quadro ao final da reportagem), há prazos de 120 meses e descontos em multas e juros que podem chegar a 100%. Alguns se esforçam para restringir a prática, como Alagoas, onde só podem participar empresas em recuperação judicial. Em São Paulo, os parcelamentos estão sendo feitos dentro de um plano de reorganização do sistema de tributação, para torná-lo simples e menos dependente de novos refinanciamentos.

“Para focar nossos esforços em temas que precisam ser fiscalizados com mais atenção (os grandes sonegadores, por exemplo), é importante dar cabo a estas ocorrências”, afirma Hélcio Tokeshi, secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Apesar dos efeitos marginais, os governos não hesitam em recorrer à fórmula para reforçar o caixa. “Apelar a ele é melhor do que levar a situação para a Justiça, onde uma decisão demora a sair”, diz João Eloi Olenike, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Trata-se de um vício difícil de curar.

DIN1018-REFIS2