O trabalho dos economistas brasileiros não tem sido fácil. Formular uma projeção simples sobre o desempenho da economia neste ano tornou-se uma tarefa hercúlea. No início de março, o relatório Focus, pesquisa de atividade econômica realizada pelo Banco Central (BC), indicava um crescimento de magros 0,49% neste ano. Três meses depois, o primeiro relatório de junho mostrava uma leve piora nas expectativas, que recuaram para 0,41%. Nenhuma mudança nos indicadores de uma economia fraca.

No entanto, na terça-feira 13 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou um comportamento surpreendente do comércio em abril. As vendas do varejo restrito avançaram 1%, quando a mediana das expectativas dos economistas era uma queda de 0,7%. No caso do varejo ampliado, que inclui veículos e material de construção, a alta foi de 1,5%, quase oito vezes acima dos 0,2% previstos. Incapacidade de os economistas fazerem cálculos? Não, a entrada de uma variável inesperada nessa equação.

A explicação é simples e breve. Tem apenas quatro letras: FGTS. O início da liberação dos saldos inativos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que ocorreu em março, estimulou o varejo em abril. Com um dinheirinho extra no bolso, milhões de brasileiros aproveitaram para pagar contas atrasadas. Quando sobrou um troco, algo raro após vários meses de retração na renda real do trabalho, o brasileiro exerceu seu direito de consumir. Além dos itens de vestuário, uma ajeitada na casa ou uma atualizada no carrinho lideraram as escolhas.

O impacto do dinheiro extra no desempenho do varejo sublinha o fato que, no Brasil, ganha-se mal. Sobra pouco para o consumo. Os salários são baixos. Os custos fixos de serviços como saúde, educação e transportes consomem uma fatia larga do dinheiro que o trabalhador tem no bolso. Assim, o que define o movimento na caixa registradora é o número impresso na etiqueta. No marketing à brasileira, o “p” de preço é mais relevante que produto, promoção e ponto de venda. Pode perguntar a qualquer varejista.

Sem negociar com fornecedores, alongar prazos de pagamento e sacrificar margens, o produto encalha na prateleira. Os números do varejo em abril não dão margem a discussão. Sem o incentivo do FGTS, ele teria sido um mês fraco, como tantos. Com o dinheiro, o comércio contabilizou mais movimento. Assim, qualquer proposta de crescimento econômico passa pelo aumento da renda real do trabalhador.
Nenhum economista sério poderia defender a volta da concessão indiscriminada de estímulos.

Porém, os índices de inflação são claros: nos 12 meses até junho, os preços medidos pelo IGP-10, da Fundação Getulio Vargas, subiram apenas 0,08%. Isso abre espaço para uma redução mais agressiva da taxa de juros por parte do BC. Com taxas civilizadas de um dígito, possíveis a partir do fim de julho, data da próxima reunião do Comitê de Política Monetária, o Copom, o comércio poderá alongar os prazos e fazer a prestação caber no bolso da freguesia. E fila nas caixas registradoras é tudo o que a economia precisa para sair do marasmo letal em que se encontra há mais de dois anos.