A evolução tecnológica tem um caráter curioso. Ao resolver alguns problemas, as novas tecnologias costumam criar outros novos. Esses, por sua vez, muitas vezes podem ser solucionados por novas invenções. Tal percurso pôde ser sentido na prática pela Usina Santa Terezinha, de Maringá (PR), parte do grupo sucroalcooleiro Usaçucar, que fatura R$ 3 bilhões ao ano. Em 2012, no pico de atividade da construção civil no Brasil, a empresa sofreu com a dificuldade para manter parte de seus 25 mil funcionários, que estavam migrando para trabalhar em obras.

A solução foi acelerar a automatização de processos como o plantio e a colheita. No segundo caso, a aplicação da tecnologia criou um problema. Depois de horas de trabalho e em especial durante a noite, os motoristas dos caminhões – que acompanham lado a lado as máquinas colheitadeiras que cortam a cana, coletando e armazenando a matéria-prima antes de transportá-la para ser processada – começavam a falhar em manter uma linha reta próxima da perfeição. Com isso, não evitavam de passar por cima dos brotos remanescentes, causando um prejuízo futuro. Cada planta de cana de açúcar é capaz de dar cinco safras. Mas o chamado “pisoteio” danificava 20% dos brotos. Ou seja, a cada cinco safras, uma era perdida por conta dos caminhões.

A montadora sueca Volvo propôs uma solução para a usina: o uso de caminhões autônomos, que são dirigidos por computador, para manter uma linha reta perfeita, evitando “pisotear” a cana de açúcar mesmo de noite ou quando a visão do solo está encoberta por palha. O projeto exigiu o desenvolvimento de uma tecnologia para manter o veículo com margem de erro de apenas 2,5 centímetros. É o suficiente para diminuir a perda de 20% para 16% dos brotos. “A inclusão dos caminhões autônomos na colheita traz um benefício imediato para os negócios”, diz Paulo Meneguetti, diretor da usina e neto do fundador do grupo Usaçucar.

Numa operação como a da Santa Terezinha, capaz de produzir 18 milhões de toneladas e que utiliza 500 caminhões, isso pode significar um ganho de R$ 50 milhões por ano. O veículo, chamado VM Autônomo, foi desenvolvido pelos engenheiros da Volvo do complexo industrial da empresa em Curitiba, no Paraná, em colaboração com os especialistas da marca na Suécia e com os técnicos da Usina Santa Terezinha. O projeto, anunciado em maio passado, é uma dos mais avançados da Volvo em todo o mundo na busca pelo futuro de caminhões automatizados. Também abre um mercado de venda de veículos para muitos produtores de açúcar e etanol no Brasil.

“É o futuro que já chegou”, diz Wilson Lirmann, presidente do Volvo Group para a América Latina. “O desenvolvimento do sistema para a agricultura aconteceu em torno de um problema real e permite um ganho real.” O preço final do caminhão ainda não foi definido. A tendência de veículos autônomos é um dos grandes eixos de transformação previstos para a indústria automotiva em todo o mundo, que incluem também o uso de combustíveis menos poluentes. E, ao que prometem os mais importantes projetos em andamento pelo mundo, o avanço vai começar com aplicações dentro das empresas.

As montadoras suecas de caminhões estão avançadas nesse percurso. Veículos que circulam sem ninguém na boleia já são realidade também para a Scania. Na visão da empresa criada há 125 anos na Suécia, mas hoje pertencente ao conglomerado Volkswagen, o futuro de seu negócio não se restringe à fabricação de motores, cabines e carrocerias. A Scania quer ser reconhecida como líder global no fornecimento de soluções logísticas. Essa guinada estratégica é possível graças ao desenvolvimento de novas tecnologias de conectividade e digitalização – dois dos principais vetores da revolução em curso na indústria mundial de transporte de cargas e passageiros sobre pneus.

Por mais de um século, esse setor cresceu seguindo um modelo hoje anacrônico, baseado em veículos pesados, que poluem demais, rodam ociosos e estão sujeitos a acidentes graves tanto em estradas quanto na malha viária urbana. Além da pressão para zerar emissões, algo que na Suécia se impõe como uma meta de curto prazo, há uma compreensível demanda da sociedade pelo aumento da segurança: dados indicam que 95% dos acidentes com caminhões no mundo todo são causados por falha humana. “Sustentabilidade diz respeito não só à propulsão, com motores de maior eficiência energética e combustíveis alternativos, mas também à relação homem-máquina e à inteligência da gestão logística”, diz Claes Erixon, vice-presidente executivo de pesquisa e desenvolvimento da Scania. “Reduzir a taxa de acidentes é um dos compromissos que assumimos”.

Computador motorista: Lirmann, do Volvo Group, em caminhão autônomo desenvolvido no Brasil que pode servir de modelo para outras aplicações no mundo (Crédito:Claudio Gatti)

Para isso, é preciso fabricar veículos que não colidam. Exatamente o que a empresa tem feito em seus laboratórios na fábrica sediada em Södertälje, na Suécia, aos quais a DINHEIRO teve acesso. As primeiras aplicações práticas do programa batizado Autonomous Transport Solution foram fornecidas para a indústria da mineração, ambiente que se mostrou adequado para testar veículos sem motorista por várias razões: as áreas de tráfego são controladas, não há circulação de pedestres e o trabalho se dá ao longo das 24 horas do dia.

Na operação, apenas os caminhões basculantes que carregam pedra ou minério de um ponto a outro foram equipados para rodar sozinhos. Nesse caso, a direção autônoma não se baseia no georreferenciamento, como ocorre nas colheitadeiras e caminhões que carregam cana-de-açúcar dentro das plantações a partir de linhas pré-traçadas. O sistema da Scania se baseia em câmeras e sensores que fazem todo o reconhecimento dos fatores que impactam no trajeto. Os controles de aceleração, direção, frenagem e até o tempo de espera em um determinado ponto de parada se baseiam tanto em rotinas pré-programadas quanto no aprendizado que o próprio sistema faz durante sua rotina, por meio de inteligência artificial.

“Os processadores do sistema desenvolvem habilidades de acordo com o que as câmeras e os sensores informam, usando algoritmos que permitem ao aplicativo aprender com o percurso”, diz Jon Anderson, chefe de planejamento estratégico em soluções autônomas. O software interpreta os dados coletados e responde por meio de avisos luminosos e sonoros para que a equipe encarregada da tomada de decisões – por exemplo, se há superaquecimento de um motor ou se um pneu está com pressão baixa. O monitoramento de todas as funções é feito em uma sala chamada Scania ICE – Intelligent Controlled Enviroment. Caso surja algum risco para a operação, um técnico assume o comando do veículo por meio de um joystick. A Volvo também já testa uma solução própria de veículo autônomo na mineração.

Mas, se depender das duas empresas, logo também serão vistos caminhões operando sem motoristas nas cidades e estradas. O grupo Volkswagen, dono das marcas Scania e MAN, investirá E 500 milhões na tecnologia até o fim da década. A Volvo, por exemplo, já possui um veículo em testes que faz coleta de lixos na Suécia. E ambas começaram a testar um sistema autônomo, com um comboio de caminhões no qual apenas o que vai à frente conta com motorista, enquanto os demais são comandados por um sistema de conectividade wireless.

Segundo estudo da consultoria Roland Berger nos EUA, essa tecnologia, chamada de platooning, pode garantir, quando os caminhões não precisarem de motoristas, a economia de US$ 70 mil por transporte de carga em trajetos de longa distâncias, de cerca de 2 mil km. É estimado que apenas a mão de obra represente 30% do custo total de frete. Hoje, 250 mil caminhões da Scania já estão ligados a uma central de serviços por meio de um equipamento wi-fi que permite ainda fazer todo o diagnóstico do veículo, planejar a manutenção e acionar assistência remota.

“Essa tecnologia será muito mais útil quando as cidades estiverem dotadas de uma maior integração digital da infraestrutura de mobilidade”, afirma Mattias Lundhon, vice-presidente de soluções e serviços conectados da Scania. “Hoje dividimos esse desafio com as empresas que desenvolvem tecnologias para cidades inteligentes”. A previsão é que veículos totalmente autônomos estejam circulando em áreas urbanas em até dez anos. “Há um longo processo para a tecnologia chegar às ruas. Vamos ter de passar por vários estágios”, diz Rodrigo Custódio, consultor da Roland Berger. “A tecnologia está avançada e pode ser usada em ambientes controlados, mas há desafios de baratear os sistemas e de regulamentação.”

No Brasil, o sistema que conecta caminhões à central da Scania teve boa adesão, com cerca de 1,5 mil unidades vendidas em apenas dois meses. Desde o ano passado, todos os caminhões Scania no Brasil podem vir com conectividade embarcada de fábrica. Cabe ao cliente escolher se quer ou não o equipamento. Na visão da empresa, o País é o mercado com maior potencial de crescimento desse serviço. Então, não se assuste, quando numa estrada ultrapassar um comboio de veículos sem motorista. Esse será apenas a primeira visão de um futuro que promete chegar a todos os tipos de veículos.