A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro abriu hoje (24), na capital fluminense, o Seminário Internacional Defensoria no Cárcere e a Luta Antimanicomial, que aborda a situação de pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes, receberam absolvição imprópria (a sentença que declara que o fato cometido é típico e ilícito, mas o autor da infração penal é inimputável), receberam sentença de tratamento e se encontram em manicômios judiciários. Organizado em parceria com o Departamento Penitenciário Nacional, o evento vai até sexta-feira (26).

De acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), cerca de 2 mil pessoas estariam nessa situação no Brasil. Relatos de entidades nacionais apontam que pelo menos 500 desses indivíduos estão em hospitais de custódia nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Desses, 233 estão internados nos Hospitais de Custódia Henrique Roxo e Roberto Medeiros, em Niterói, na região metropolitana, e no Complexo Penitenciário de Gericinó, todos no estado do Rio de Janeiro. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, as pessoas com transtornos mentais que praticaram crimes e permanecem presas representam 0,05% da população carcerária total do país.

Estratégias

Durante o seminário, defensores públicos de 26 estados brasileiros que têm Defensorias Públicas vão elaborar estratégias para garantir que essas pessoas tenham realmente tratamento psiquiátrico “e não sentenças de esquecimento”, disse a defensora do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria, Patrícia Magno.

Como a Justiça determinou que elas precisam de tratamento e não de punição, “porque elas são loucas”, Patrícia defendeu que essas pessoas possam ter acesso ao melhor tratamento que existe, previsto na Lei 10.216, de 2001, que promoveu a reforma da saúde mental no Brasil, priorizando o tratamento ambulatorial.

No ano passado, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro questionou junto a relatores de diversos mecanismos do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), “esse esquecimento” que faz com que pessoas com transtornos mentais fiquem indefinidamente em hospitais de custódia e manicômios judiciários.

A Defensoria destacou que a duração da medida de segurança não deve exceder o limite máximo da pena imposta a uma pessoa considerada criminalmente responsável. No caso de uma tentativa de furto, por exemplo, o tempo máximo para o encarceramento seria 2,8 anos, explicou. “Tem gente por prática de tentativa de furto, que foi absolvida [imprópria] porque é louco, que está [no manicômio] por cinco anos”, argumentou a defensora.

Para esses procedimentos, a Defensoria Pública fluminense enviou pedidos de apelo urgente para os relatores da ONU das áreas de saúde, de pessoas com deficiência, contra a tortura e para o grupo de detenção arbitrária. “Porque a gente entende que essa situação configura uma situação de tortura. Essas pessoas não estão recebendo tratamento. Elas estão trancafiadas em um lugar com condição igual à de um presídio”.

Explicações

No início deste ano, a ONU pediu explicações ao governo brasileiro sobre a razão de pessoas com problemas psiquiátricos serem mantidas ainda em manicômios judiciais. “A gente está avançando nesse processo, porque pretende que o Estado seja questionado para que aplique a Súmula 527 do Superior Tribunal de Justiça [STJ] que determina que as pessoas não podem ficar privadas de liberdade por tratamento de medida de segurança mais do que o tempo máximo que elas pegariam se fossem culpadas. Sendo absolvidas, tem que haver um prazo limite para isso”, diz Patrícia.

O seminário vai propor o mapeamento de dados referentes às pessoas detidas em manicômios judiciários. Patrícia Magno disse que como os defensores atendem esses locais com restrição de liberdade, “podem fazer esse levantamento e essa luta por dignidade dessas pessoas”.

O mapeamento informará quantas são essas pessoas, quem são, quais os tipos penais que estão enclausurando, para mostrar para a sociedade que essas pessoas não estão presas porque cometeram crimes como homicídio ou estupro. “Não é isso que você vê. Elas estão presas porque não têm dinheiro”.

Patrícia defendeu que as pessoas mantidas sob custódia recebam tratamento e assistência adequados em casa. “Essa é uma situação de caos”, disse. “A gente está abandonando essas pessoas, que são seres humanos. Isso é muito grave”. Segundo ela sai mais caro manter essas pessoas encarceradas do que dar a elas a atenção e o tratamento corretos.