Difícil pensar num povo tão empreendedor quanto o brasileiro. E esta característica é marcante tanto no caso daqueles que optam em abrir um negócio por necessidade, quanto àqueles que apostam em projetos inovadores. Mas a inovação aqui citada não deve ser encarada apenas como sinônimo do desenvolvimento de tecnologias disruptivas. Ao contrário. Nada pode ser mais revolucionário do que a capacidade de tirar do papel ideias capazes de dar uma resposta de qualidade aos desafios que surgem no dia a dia.

E neste contexto, o universo das cooperativas têm muito a ensinar. Confesso que, até recentemente, não possuía a real dimensão sobre o trabalho realizado por estas entidades. Minha percepção começou a mudar a partir de meados de 2016, quando aceitei a tarefa de fazer parte do corpo de jurados do Prêmio SOMOSCOOP, da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

A experiência foi fantástica. Tive o privilégio de ler documentos, estudos de casos e assistir a vídeos enfocando ações em diversos segmentos de negócios, tanto na zona rural, quanto nas cidades de médio porte do interior do País. De um total de 349 projetos inscritos por 221 entidades, eu gostaria de compartilhar um pouco de três deles com vocês, caros leitores.

O primeiro enfoca uma modalidade bastante interessante que é a intercooperação, que consiste na união de duas ou mais cooperativas para a criação de uma outra estrutura do gênero. É o caso da Cooperativa Central Unitá, especializada no abate de aves e baseada na cidade de Ubiratã, cidade da região Oeste do Paraná. A entidade é resultado da parceria entre a Cooperflora, a Coagru e a Copacol. “Uma ação articulada em diversas frentes ajuda a gerar riqueza de forma mais ampla e socialmente mais equilibrada, pois todos se beneficiam”, destaca Valter Pitol, presidente da Copacol.

Desde sua criação em 2002, a Unitá deu um grande salto. Apenas com o pagamento de salários são injetados R$ 4 milhões, por mês, na economia da região. Pitol diz que o sucesso da empreita é tamanho que já está prevista uma nova rodada de investimentos com o objetivo de mais que dobrar o volume atual de abates. Saindo de 170 mil frangos para 380 mil frangos por dia, até o final de 2018.

É a busca da produtividade que também move os integrantes da Coplana, sediada em Guariba (SP). Para enfrentar os desafios vividos pelo setor sucroenergético, agravados a partir de 2009, quando o etanol deixou de ser prioridade para o governo federal, a solução tem sido investir em tecnologia. A mais nova delas é a Muda Pré-Brotada (MPB), criada por pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Enquanto no sistema convencional de plantio são usadas 20 toneladas de cana-de-açúcar cortados em toletes, por cada hectare, com as MPBs são necessários apenas entre 1,5 tonelada a duas toneladas. “Trata-se de uma evolução que pode representar, no médio prazo, um ganho expressivo para os agricultores cooperados”, destaca José Antonio de Souza Rossato Junior, presidente da Coplana.

Entre as vantagens, ele cita uma sobra maior da matéria prima disponível para converter em etanol ou açúcar, além da renovação do canavial com mudas selecionadas e sadias, o que confere maior produtividade. Mais. O plantio pode ser feito por máquinas de pequeno porte como as usadas em lavouras de frutíferas.

Cidade Verde: a cada edição cerca de duas mil mudas são bancados pela COOGAVEPE
Cidade Verde: a cada edição cerca de duas mil mudas são bancados pela COOGAVEPE (Crédito:Divulgação)

Iniciado em março de 2015, o Projeto +Cana – Mais Produtividade no Canavial, que deu origem à MPB, é resultado da parceria entre a Coplana, o IAC e o Socicana e se destacou na categoria Tecnologia e Inovação do Prêmio SOMOSCOOP. O sistema está rodando em fase de teste em 14 polos produtivos no interior do Estado de São Paulo. Os investimentos no projeto chegam a R$ 100 mil.

Para a Clara Maffia, gerente técnica e econômica da OCB, as experiências relatadas no âmbito do Prêmio SOMOSCOOP demonstram uma face pouco conhecida do setor aos olhos da população. “Muitas das ações apresentadas no Prêmio trazem o DNA do cooperativismo, que têm a sustentabilidade como principal marca”, diz. Segundo ela, mais do que apenas homenagear iniciativas exitosas, as 10 edições do Prêmio SOMOSCOOP deixaram como legado uma rica base de dados. “Ao analisarmos a qualidade dos cases apresentados é possível enxergar a evolução nos sistemas de gestão e na governança das cooperativas”.

Inovação, tecnologia, gestão e responsabilidade socioambiental são componentes vitais para qualquer empreendedor que mire o crescimento e a longevidade. Quer ele opere com propósito social ou focado estritamente na geração do lucro. E a entronização destes valores assumem um papel ainda mais estratégico quando se trata de setores sensíveis como o da mineração, no qual atua a COOGAVEPE.

A Cooperativa baseada em Peixoto de Azevedo, na região norte de Cuiabá, reúne cinco mil garimpeiros e possui influência direta sobre seis municípios. De acordo com Gilson Gomes Camboim, presidente da entidade, a imagem de barracas de lona e cavas (os enormes buracos resultantes do garimpo em escala industrial) abertos de forma indiscriminada já não fazem parte da paisagem do setor. “Atuamos de forma sustentável em todas as etapas do processo”, diz. O trabalho da entidade começou a ganhar visibilidade nacional a partir de 2014, quando foi lançado o Projeto Cidade Verde – Plantando o Futuro e Preservando a Vida, que rendeu o troféu na categoria Desenvolvimento Sustentável, do Prêmio SOMOSCOOP.

O Cidade Verde é uma iniciativa destinada a reflorestar áreas rurais e urbanas no norte do Mato Grosso. O trabalho é feito a partir de atividades de educação ambiental em escolas, além da atuação dos cooperados em ações de voluntariado. A cada edição são cerca de duas mil mudas e todos os custos são bancados pela COOGAVEPE. Apesar do importante papel na melhoria da qualidade de vida das pessoas, este não é o projeto mais robusto da entidade na área da sustentabilidade socioeconômica.

A “menina dos olhos” de Camboim é o programa de diversificação de renda dos cooperados, a partir da recuperação das cavas na zona rural. Em vez de apenas recompor o solo e a vegetação nativa, a Cooperativa está estimulando a implantação de atividades econômicas como a criação de peixes e o plantio de árvores de valor econômico como as frutíferas: açaí, cacau, pequi, limão e goiaba, por exemplo.

Este trabalho é precedido de uma rigorosa análise do terreno feita por técnicos do Instituto de Pesquisas Matogrossense (IPEM) e da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), contratados pela COOGAVEPE. “Para manter o homem no campo é preciso que ele tenha condições de gerar renda para cuidar de sua família. E este projeto funciona a partir desta lógica”, explica. Para garantir a sustentabilidade do programa no longo prazo, cada cooperado que decide diversificar sua atividade tem de passar por uma série de cursos de capacitação referente ao setor escolhido.