Desde agosto do ano passado, quando assumiu a presidência da Visa no Brasil, o executivo Fernando Teles passou a trabalhar incessantemente em um projeto: impulsionar ainda mais a bandeira de cartões como uma companhia de tecnologia focada em criar soluções para meios de pagamento. “O papel da Visa é ser uma criadora de tendências”, diz ele à coluna. Com 3,1 bilhões de cartões no mundo e um movimento de US$ 8,2 trilhões, a companhia americana já vem desenvolvendo desde pulseiras inteligentes a chatbots que auxiliam a compra de consumidores em lojas varejistas. Teles falou à coluna:

Nos últimos anos, devido à evolução tecnológica, o mercado de meio de pagamentos mudou muito. O que a Visa tem feito para não ficar para trás?
A Visa começou lá atrás como uma marca de aceitação, mas o grande negócio da empresa sempre foi a criação da rede, que congrega usuários, adquirentes, emissores de cartões e estabelecimentos. Mas, ao longo dos anos, ela foi se tornando uma empresa de tecnologia. Hoje, o DNA da Visa é a inovação. Arrisco dizer que, na verdade, o papel da Visa é ser uma criadora de tendência.

E o que a empresa está fazendo nesse sentido?
Tem muito investimento em inovação sendo feito. Antes, desenvolvíamos o produto, pesquisávamos e trazíamos para o mercado. Agora, a palavra de ordem é colaboração. Hoje, desenvolvemos soluções, mas sempre em parceria. Por exemplo, em vez de desenvolver um produto e ficar procurando para ver se tem demanda, nós partimos dos problemas dos nossos clientes, que são os bancos, os estabelecimentos e adquirentes, para desenvolver um produto.

Quais são esses problemas?
Por exemplo, estamos olhando muito a experiência do usuário. Precisamos fazer com que as transações sejam fluidas, tenham o menor atrito possível. Começo a investir numa plataforma não só de autenticação, biometria e certificação desse cliente como também como isso se dá de uma forma amigável para o consumidor, simples de ele entender. E, nisso tudo que estou falando, o humano, o consumidor, está sempre no centro das soluções. Antes, as soluções sempre foram baseadas somente em tecnologia e negócios, e nem sempre o humano estava presente. Agora é essencial que o humano seja o fio condutor disso.

O senhor poderia dar um exemplo do que seria essa facilitação para o cliente?
Nós investimos num aplicativo de pagamento de pessoas a pessoas e abrimos a nossa plataforma através das “a p is”, sigla para Application Program Interface. Em conjunto com o Facebook, desenvolvemos uma solução de pagamento para que qualquer pessoa, através do Messenger, consiga transferir dinheiro para outra pessoa. Essa é uma solução que depende da cooperação dos bancos, do Facebook, da gente e o consumidor como o símbolo dessa experiência. Isso foi feito nos Estados Unidos.

Há exemplos disso no Brasil?
Desenvolvemos uma solução para o ShopFácil, o marketplace do Bradesco. Eles tinham muito tráfego, mas a conversão de vendas não estava no patamar desejado. Então criamos um assistente virtual, que funciona através de um chatbot. Basta entrar no Messenger, digitar ShopFácil e conversar com um assistente virtual. Você é o consumidor, entra lá, diz o que quer comprar e ele começa a conversar com você. É tudo baseado em inteligência artificial. Ele começa a fazer perguntas, entende o seu perfil e faz uma sugestão de produto que atenda a sua necessidade. Aí, ele leva o consumidor para a loja e, quando estiver no ambiente, tem outra solução da Visa, o Visa Checkout, que também vai permitir fazer o pagamento. Então, num ambiente de troca de mensagem, você tem assessoria, visita uma loja, escolhe um produto, faz o pagamento e define o local de entrega. Esse é o primeiro chatbot de varejo da Visa no mundo e essa solução será exportada para outros países.

Ou seja, o produto desenvolvido não é somente para o pagamento…
Não, ele é um assistente para conduzir o cliente, orientar e dar assistência. E, quando chegar o momento da compra, ser o mais simples possível. Por isso temos o Visa Checkout. Basta clicar em um botão para realizar a compra.

O senhor disse que a Visa investe muito em inovação. De que forma?
Temos seis centros de inovação no mundo e convidamos os clientes para criarem soluções com a gente. Estamos em São Paulo, São Francisco, Miami, Dubai, Cingapura e Londres. E vamos abrir outros em Berlim e Londres. Nesses ambientes, consigo criar protótipos e testar com os clientes.

Durante a Olimpíada do Rio de Janeiro, a Visa testou uma pulseira que servia como meio de pagamento. Quando tecnologias como essa vão virar realidade?
Já são realidade, estou usando uma. Você já encontra um relógio Swatch e a pulseira também. O Banco do Brasil lançou a pulseira que tem débito e crédito. Basta encostar a pulseira na máquina. Cada emissor tem uma parametrização para decidir quando pedir a senha. Geralmente, ele pede a senha a partir de uma compra de R$ 50.

Mas essa tecnologia ainda é embrionária no Brasil. Quanto tempo levará para os consumidores adotarem?
Ainda é uma série de iniciativas piloto, mas tem sim uma possibilidade de crescimento. Em casos de transações de valores baixos, que necessitam de agilidade, a tecnologia de aproximação faz todo o sentido. Nos Estados Unidos, ela já foi adotada pela rede Starbucks. Estive lá recentemente e paguei com o meu relógio Swatch. O atendente nunca tinha visto alguém pagar com relógio.

E como funciona esse relógio, foi feito em parceria com a Visa?
Sim, aqui no Brasil o emissor é a Brasil Pré-pagos. Você compra em qualquer loja da Swatch, carrega uma quantia e vai usando o dinheiro. Confere tudo em um aplicativo.

Outros aparelhos serão usados como meio de pagamento?
Na Olimpíada, fornecemos um anel para os atletas usarem. Mas o desafio é a logística. A tecnologia já existe, o problema é fazer um anel para cada pessoa, para cada tamanho de dedo. O brasileiro adota as novas tecnologias rapidamente.

Hoje, as empresas de tecnologia estão quebrando paradigmas, mudando setores inteiros da indústria como conhecemos. Já se falou, inclusive, que empresas como Apple e Facebook criariam bancos. Como o senhor enxerga essa concorrência?
Na verdade, enxergo muito mais como uma oportunidade de parceria do que concorrência. Cada um tem sua expertise. O banco sabe dar crédito, nós sabemos operar em rede e temos muito conhecimento de segurança de transação, autorizações e certificações. Apple e Facebook são empresas de plataformas. Desenvolvemos muitas coisas em parceria com eles porque entendemos que, cada um, entrando com a sua expertise, a soma é muito mais positiva do que virarmos concorrentes. A Visa é uma grande rede com 3,1 bilhões de consumidores no mundo, temos um nível de confiança dos nossos consumidores e dos participantes, que são os bancos, estabelecimentos e adquirentes. Então, quando apresento uma solução em conjunto com uma empresa de tecnologia, a adoção se torna mais facilitada. A minha marca empresta uma segurança, uma confiança, uma garantia.

Quando o dinheiro vai desaparecer para dar lugar ao cartão ou a outros meios de pagamento?
Acho que existem alguns desafios. Em algumas formas de comércio, precisamos investir na aceitação. Estamos falando de transporte, do boleto do condomínio, modalidades que não são pagas com cartão. A outra coisa, que estamos fazendo, é a popularização do meio de pagamento, no caso o meio físico. Na hora que vou barateando esse acesso e vou transformando o cartão em uma pulseira, num device mais simplificado, isso ganha velocidade. Com a internet das coisas, então. No momento em que a cafeteira da sua casa se transforma em um instrumento de compra, você não vai precisar sair de casa e muito menos pagar em dinheiro. O pagamento invisível, como já acontece com o Netflix, é a tendência.

E as Fintechs, de que forma impactam os negócios?
Achamos que elas são um fator positivo para a indústria. As Fintechs se tornarão grandes parceiras das instituições de pagamento, dos bancos, pois existe essa complementaridade. Nós, por exemplo, temos uma parceria com a Startup Farm, a maior aceleradora de startps da América Latina, com mais de 280 empresas aceleradas. Fizemos um programa com eles que se chama Ahead Visa, para acelerar startups que tragam soluções inovadoras para o setor de meios de pagamento.

Como o senhor enxerga esses cartões, os private label, não tiram clientes de vocês?
Enxergamos com bons olhos. Esse é um bom caminho, uma substituição de meio de pagamento para meio eletrônico e está trazendo um consumidor novo para o mercado.

E a Elo, bandeira do Banco do Brasil e Bradesco, mexeu com o negócio de vocês?
Não mudou a nossa relação com os bancos, eles continuam sendo parceiros. O que aconteceu é que há mais um competidor disputando o mercado.

Em relação à mudança do rotativo do cartão. Qual é o impacto para a Visa?
Ainda é prematuro dizer, mas acho que vai diminuir a inadimplência, trazer uma nova forma de uso do cartão – talvez até mais esclarecida. O brasileiro, quando tem uma parcela, encara como uma dívida a pagar. Em alguns casos, a opção pelo rotativo, como você continua em dia com o banco, ele não encara como dívida. Acho que pode ajudar em termos de educação financeira.

O Banco Central começou a olhar para o mercado de cartões com mais atenção. O senhor sente isso?
Sim, uma parte desse mercado não era regulada e o BC entendeu que precisava estar mais próximo. O mercado eletrônico de pagamento é o futuro, não é o dinheiro e nem o cheque. O intuito do BC de se aproximar é, sim, ter um controle maior, ajudar o mercado, entender as condicionantes e o impacto na economia. Um mercado mais regulado dá mais trabalho, mas a saída disso é sempre mais positiva.

Como o senhor está observando a economia?
Eu sou um otimista, acho que a gente tem hoje indicadores de que a economia vai melhorar, estamos saindo de uma recessão muito acentuada. Vamos ter um 2017 um pouco melhor e um 2018 a um vapor muito diferente, uma curva de crescimento mais acentuada. E uma curva de crescimento com uma base muito mais sólida.

O senhor acompanha as turbulências políticas no seu dia-a-dia?
Olhamos, mas sempre com a perspectiva do efeito macroeconômico disso. Muitas coisas não têm impacto no consumo imediato do consumidor. O fator mais impactante é a expectativa de uma eventual perda de emprego. Isso é o que mais causa a diminuição do consumo.

Em termos de política econômica, qual é a sua avaliação?
Acho que está no caminho certo. Vamos aprovar as reformas e colocar o País num rumo de um crescimento saudável.

A Visa é uma empresa americana. Quando o senhor explica para a matriz o que está acontecendo com o País, eles entendem?
Eles entendem uma parte. A Visa tem um grau de maturidade, pois eles sabem que, quem entende do País é quem está tocando a operação. Mas tem coisas que ficamos numa saia justa para explicar. Para aprovar investimentos, temos que mostrar com dados, estudos, pesquisas. Temos muita importância para eles, somos a segunda operação da empresa no mundo.