Além de ter causado um enorme estrago na reputação de algumas das maiores exportadoras do Brasil e posto em risco o equilíbrio da balança comercial brasileira, a atabalhoada operação lançada pela Polícia Federal (PF), no dia 17 de março, prejudicou milhares de investidores. Os acionistas amargaram perdas de até 10% em poucos dias. O susto foi tão grande que afetou não apenas BRF e JBS (leia reportagem aqui), as líderes de mercado, mas também derrubou as ações das concorrentes Marfrig e Minerva, que chegaram a perder até 9% de seu valor, mas cujos papéis se recuperaram nos dias que se seguiram.

Outro reflexo da Operação Carne Fraca poderá ser sentido na expansão internacional de BRF e da JBS. Ambas já são corporações globais, com atividades diversificadas fora do Brasil. A coroação desses processos de crescimento seria a abertura de capital no Exterior. Esse movimento está sendo preparado há tempos. A JBS já registrou na Nasdaq o prospecto de sua subsidiária, a JBS Foods International, com a proposta de captar US$ 1 bilhão. Já a BRF pode levantar US$ 1,5 bilhão, seja vendendo ações na Bolsa de Londres, seja por meio de uma captação junto a fundos de private equity.

Fábrica da BRF em ABU DHABi: atividades nos países islâmicos podem servir como blindagem contra desdobramentos da Carne Fraca
Fábrica da BRF em Abu Dhabi: atividades nos países islâmicos podem servir como blindagem contra desdobramentos da Carne Fraca (Crédito:Divulgacão)

As duas captações poderiam somar US$ 2,5 bilhões, uma cifra respeitável em qualquer mercado. A questão, agora, é se os investidores de fora terão – sem trocadilho – apetite por ações de empresas que terão de fazer um esforço extra para recuperar sua credibilidade, arranhada pela visibilidade excessiva da operação da PF. “O que assusta os investidores não é apenas o efeito imediato da Carne Fraca sobre os resultados das empresas, mas seus desdobramentos”, avalia Adeodato Volpi Netto, estrategista-chefe de mercado de capitais da Eleven Financial Research.

Antes da operação, a Eleven considerava os papéis da BRF uma das ações mais promissoras do setor. Seu ponto mais forte era, justamente, sua posição em países asiáticos de maioria islâmica e países do Oriente Médio. Eles são grandes consumidores de carne e frango halal, abatidos e preparados segundo os preceitos do Alcorão. Segundo Volpi, a BRF chega a dominar 45% desses mercados, por meio de sua subsidiária One Foods. “Ela tem uma posição tão forte que é capaz de estabelecer preços e margens”, diz ele. Depois da operação, porém, a Eleven passou a recomendar a venda das ações. “Ficou muito difícil medir os riscos”, diz.

DIN1011-carneIPO3O principal fator de incerteza, para a BRF e também para a JBS, é o quanto seus resultados futuros ainda poderão ser afetados. Nos dois casos, os problemas potenciais vão além das restrições à importação da carne brasileira, já adotadas por diversos países. Outra incógnita é a ação de uma praga tenaz que costuma afetar companhias com esses problemas: advogados de investidores. Basta lembrar o exemplo da Petrobras. Uma das consequências da Lava Jato foi que ela teve de enfrentar 27 ações coletivas nos Estados Unidos. Conhecidas como class actions, essas ações legais são movidas por advogados que visam compensar os investidores pela queda dos preços das ações.

Elas tomam tempo – começaram em 2014 e algumas ainda estão tramitando. Custam dinheiro – só no exercício de 2016, a Petrobras teve de provisionar US$ 372 milhões, (R$ 1,14 bilhão) para fazer frente aos pedidos de indenização. E, principalmente, dão trabalho, pois é preciso mobilizar advogados lá fora e enfrentar os tribunais americanos. Todos esses riscos têm de ser descritos detalhadamente nos prospectos de venda de ações, e isso costuma afastar os investidores.

BRF e JBS, porém, possuem pontos fortes em suas estratégias. No caso da BRF, a avaliação do mercado é que será possível contornar os danos à imagem devido às características da operação da One Foods. “Nenhuma das fábricas da BRF que processa alimentos halal teve suas atividades suspensas”, diz um banqueiro de investimentos que acompanha a operação. “Com um pouco de esforço e uma boa campanha de esclarecimento, será possível demonstrar claramente ao mercado que essa parte da produção está blindada contra as repercussões da Carne Fraca.”

Segundo ele, o mesmo raciocínio pode ser aplicado à JBS. Há tempos a empresa dos Batista procura abrir o capital da JBS Foods International, que concentra todas as operações internacionais. Segundo os dados mais recentes, a subsidiária terá atividades nos Estados Unidos, Argentina, Reino Unido e Austrália, empregará 35 mil pessoas e terá um faturamento anual estimado de US$ 35 bilhões (R$ 107 bilhões). O negócio é convencer os investidores que, no que se refere à operação da Polícia Federal, a companhia não tem nada a ver com o peixe. Ou, no caso, com a carne.