Ao assumir o comando do conselho de administração da BRF, em abril de 2013, Abilio Diniz não escondia sua intenção de provocar uma revolução na companhia de alimentos industrializados, nascida da fusão da semi-falida Sadia com a Perdigão, em 2009. Segundo ele, a empresa estava “torta”, voltada excessivamente para a produção, burocrática, lenta na tomada de decisões e com uma estrutura de custos pesada.

Dono de uma fatia de apenas 3,7% do capital, Diniz, que à época estava prestes a deixar o Grupo Pão de Açúcar, após um conturbado relacionamento com seus sócios franceses do Casino, contava com o apoio dos dois principais acionistas da BRF, a gestora de recursos Tarpon e a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Sua chegada, foi saudada efusivamente pelos investidores e analistas financeiros, que vislumbraram a possibilidade de transformação da produtora de frangos e derivados de suínos, numa verdadeira máquina de fazer dinheiro.

O próprio Diniz se encarregou de estimular essas expectativas. Numa primeira reunião com os executivos da BRF, ele revelou sua intenção de fazer com que, em cinco anos, as ações da batessem na casa dos R$ 100 e alcançasse uma capitalização de mercado em torno de R$ 80 bilhões.

Inicialmente, é verdade, os resultados obtidos por Diniz e sua equipe, foram animadores. Até por conta da situação ainda favorável da economia, os números obtidos foram positivos. A ação da BRF, cotada a R$ 42, no primeiro quadrimestre de 2013, chegou a ser negociada a R$ 70, em agosto de 2015, ano em que a última linha do balanço estampou um lucro recorde de R$ 3,1 bilhões, de acordo com um levantamento da consultoria Economática.

No entanto, um exame mais acurado mostra que o desempenho da BRF está muito aquém do prometido há quatro anos. Não apenas pelo prejuízo de R$ 372 milhões contabilizado em 2016, o primeiro de sua história. O que se vê é uma preocupante destruição de valor na companhia. Na quinta feira, 16, a ação da BRF era comercializada a R$ 40, no pregão da Bovespa, inferior ao negociado quando Diniz e seus aliados da Tarpon assumiram a direção da empresa.

Na mesma linha, o valor de mercado entrou em queda livre, caindo a níveis inferiores aos exibidos em 2012, último ano da gestão de Nildemar Secches, o executivo que resgatou a Sadia, encalacrada após operações desastradas com derivativos, impedindo que fosse a falência, abrigando-a no guarda chuva da BRF. Atualmente, a empresa vale R$ 30,6 bilhões, contra R$ 36,5 bilhões, cinco anos atrás.

Por sinal, a dona do chester e do peru mais vendido no País, foi a principal responsável entre os quatro grandes nomes do setor, ao lado da JBS, com a marca Seara, Marfrig e Minerva pela desvalorização setorial de mercado, nos últimos anos. Somado, o quarteto valia R$ 91,8 bilhões, em 2014, caindo para R$ 68,4 bilhões neste primeiro trimestre de 2017. Sozinha, a BRF perdeu R$ 23,9 bilhões desse total.

Quando passaram a ocupar as principais cadeiras do prédio em que está instalado o QG da BRF, na rua Hungria, em São Paulo, os integrantes da equipe de Diniz deram início a um profundo processo de turnaround. Na fase inicial e mais aguda, a tarefa foi confiada ao executivo Claudio Galeazzi, um veterano cortador de custos e reestruturador de empresas, com passagens por companhias em dificuldades como Mococa, Cecrisa, Vila Romana, que fora seu braço direito no Pão de Açúcar.

Fiel a seu estilo de trabalho, Galeazzi demitiu 20% do pessoal administrativo, sete dos vice-presidentes, 40 diretores, num total de mais de 2.000 funcionários. Também fechou fábricas e colocou operações à venda, como os frigoríficos de carne bovina e a área de lácteos, passada adiante por R$ 2,1 bilhões para a Lactalis.

Seguramente, graças à tesoura de Galeazzi, então CEO global, a BRF derrubou custos, num primeiro momento, aumentando sua rentabilidade. No entanto, suficiente para conter despesas, a estratégia não contemplou uma política matadora de expansão dos negócios. Prova disso é que o faturamento praticamente estagnou nos últimos quatro anos. Com exceção de 2013, as vendas foram sucessivamente inferiores aos R$ 37,8 bilhões obtidos no ano anterior. Pior: os R$ 33,7 bilhões de 2016, estão abaixo das vendas de 2010.

Como as demais companhias do setor, a BRF, é certo, vem enfrentando fatores externos adversos, como a redução do consumo interno, por conta da recessão, o aumento de custos de insumos, como o milho, e a concorrência mais agressiva da Seara, vendida em 2013 pelo Marfrig à JBS.

Esses fatores, porém, não são suficientes para explicar as vicissitudes atuais da BRF, que nos planos iniciais de Diniz, deveria se tornar uma espécie de Ambev do ramo de alimentos. “Tentaram pilotar a BRF como se fosse a Ambev centrada em marcas, mas esqueceram de um componente importante: a empresa cria porco e galinha”, afirmou Gabriel Lima, analista de alimentos e bebidas do Bradesco BBI, ouvido pelo jornal O Estado de São Paulo.

Também não faltam críticas à auto suficiência de Diniz e de seu pupilo Pedro Faria, da Tarpon, que substituiu Galeazzi como CEO global da BRF. Um exemplo foi a substituição de executivos experientes da equipe de Secches, com amplo conhecimento do setor, por profissionais do mercado financeiro, sem intimidade com a agroindústria.

Outro ponto controverso foi a ênfase de Faria, que chegou a ser exaltado por Diniz “como um ponto fora da curva”, na internacionalização da empresa, que implicou em grandes investimentos e em uma subestimação do mercado interno, abrindo espaço para a concorrente Seara, que contratou mais de 60 executivos demitidos pela BRF, conhecedores de todas as curvas e atalhos dos caminhos do agronegócio.

Na última semana de fevereiro, num raro momento de autocrítica, Diniz fez uma espécie de mea culpa, ao tentar explicar os maus resultados da empresa num conferência com os analistas de mercado. Na ocasião, ele reconheceu que a empresa “descentralizou” demais e que a cadeia entre consumidor e produtor “ficou interrompida”. Para tentar reverter a situação, ele criou um comitê de crise, integrado por José Carlos Magalhães, representante da Tarpon, e os empresários Walter Fontana e Eduardo Fontana Dávila, que dirigiam a Sadia à época de sua bancarrota e permanecem como acionistas minoritários da BRF.

Na agenda do Comitê há um evento importante marcado: a reunião do Conselho de Administração da BRF, prevista para abril. Ali, mais do que nunca, as explicações plausíveis para as atribulações atuais serão ouvidas com toda a atenção.