A escolha da economista Maria Silvia Bastos Marques para presidir o BNDES foi anunciada em maio de 2016 como o início de uma nova etapa na história de 65 anos da instituição, de maior racionalidade no uso dos recursos, ênfase em projetos de elevado retorno social e mais transparência. O perfil combinava a busca por um banco menor, após um período de profunda expansão. Não sem resistência. Críticas à nova posição se estenderam nos últimos meses, da indústria até funcionários da estatal, e culminaram na saída de Maria Silvia seis dias antes dela completar um ano no cargo.

Paulo Rabello de Castro, que estava na presidência do IBGE, assume em meio a uma tormenta política, com a missão de pacificar o descontentamento e o desafio de apoiar a indústria, sem comprometer o processo de redução do peso do banco ao Tesouro Nacional. Em suma: chega para abrir o cofre. Em carta aos funcionários na sexta-feira 26, Maria Silvia alegou “motivos pessoais” para a sua saída. Com perfil exigente e focada em resultados, ela foi responsável por comandar a devolução antecipada de R$ 100 bilhões do BNDES aos cofres públicos.

Também participou da reformulação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), para a nova Taxa de Longo Prazo (TLP), que reduzirá os subsídios dos empréstimos e deve contribuir para melhorar a eficácia da política monetária, mas que pode aumentar o custo do crédito no curto prazo. Sua gestão marcou uma participação menor nos leilões e a revisão de projetos que já estavam sob análise da equipe técnica. Somente no ano passado, o banco deixou de emprestar R$ 25 bilhões a projetos programados de infraestrutura, que tiveram a condição de crédito deteriorada, por questões de governança envolvendo a Lava Jato e por critérios econômicos.

DIN1021-bndes2A diretora do BNDES, Marilene Ramos, admite que isso pode ter contribuído para a pressão sofrida pela diretoria. “Todos os setores têm essa angústia de que tenham os problemas resolvidos e essa ansiedade acaba contaminando os bancos de investimento”, afirmou ela a jornalistas, na quarta-feira 31, em São Paulo. “O BNDES tem de zelar pelo crédito público.” A mudança de postura foi endossada por uma parcela considerável dos economistas, que consideravam uma distorção o crescimento excessivo e as políticas como das “campeãs nacionais” da gestão Luciano Coutinho. “O BNDES precisa financiar projetos que deem grande retorno social e que normalmente não sairiam do papel”, afirma Maurício Canêdo, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV).

A nova política, porém, passou a ser alvo de críticas. Empresários da indústria se queixavam da dificuldade em obter recursos num momento em que as taxas de mercado estavam muito altas. “O banco se afastou do papel que recebeu quando foi criado, que é o de fomentar o desenvolvimento do País”, diz Fernando Figueiredo, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Os desembolsos caíram 35% entre 2015 e 2016, para R$ 88,2 bilhões (leia quadro acima). Para embasar as críticas, os industriais apontavam o acumulo de caixa, de quase R$ 150 bilhões.

Maria Silvia respondia que a procura por crédito estava baixa. Nessa lógica, o copo do BNDES ficou meio cheio, e não meio vazio. “O banco não gera projetos, ele financia projetos, e hoje quase todos os setores da economia têm capacidade ociosa”, disse ela à DINHEIRO, em abril. Mas as medidas também eram criticadas dentro do banco. Funcionários realizaram uma série de manifestações contra as ideias dela, incluindo uma assembleia em abril para repudiar a mudança na TJLP. Mas, para eles, o que azedou de vez a relação foi a Operação Bullish. Em 12 de maio, a Polícia Federal realizou buscas e apreensões no prédio do BNDES para investigar irregularidades na aprovação de investimentos à JBS.

Cerca de 30 funcionários estão sob investigação. Na ocasião, Maria Silvia disse que tinha confiança na “probidade e capacidade” dos empregados. Para os funcionários, a fala foi insuficiente. “Ela não defendeu o BNDES contra o processo de criminalização que estava ocorrendo”, diz Arthur Koblitz, vice-presidente da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES). “Aí ela perdeu o ambiente dentro do banco.” Rabello de Castro assumiu oficialmente na quinta-feira 10. De perfil liberal e ex-aluno de Milton Friedman na Universidade de Chicago, ele foi presidente da primeira agência de classificação de riscos brasileira, a SR Rating.

Ele já deixou claro que pretende “reanimar o setor produtivo brasileiro.” Na cerimônia de posse, elogiou Maria Silvia, afirmou que a instituição precisa “ter visão de longo prazo” e postura suprapartidária. As declarações indicam uma chance maior de cumprir a pacificação almejada. “A indicação é fantástica”, diz João Carlos Marchesan, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos. “Ele é um conhecedor profundo da indústria”. Pode ser. Mas, para os empresários, o que interessa é se Rabello de Castro vai abrir mesmo o cofre do BNDES, como eles esperam.

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