Após uma batalha judicial que começou há quatro anos, a Cemig está prestes a perder o controle de algumas de suas principais usinas hidrelétricas. O momento não poderia ser mais crítico para a companhia. Após anos de expansão, a empresa sofrerá um corte nos ganhos com geração de energia e, segundo especialistas, terá de garantir sua rentabilidade com a distribuição de eletricidade dentro de Minas Gerais.

Na semana passada, a União conseguiu derrubar na Justiça todas as liminares que impediam o leilão das usinas de Jaguara, São Simão, Miranda e Volta Grande, marcado para esta quarta-feira. O governo conta com a licitação para arrecadar R$ 11 bilhões e cumprir a meta fiscal. A Cemig corre contra o tempo para adiar a disputa e conseguir um financiamento.

A briga começou em 2012, quando a ex-presidente Dilma Rousseff anunciou o programa de redução da conta de luz, que cortou as tarifas em 20% para o consumidor. A Cemig não aceitou as condições do governo, pois a energia produzida pelas usinas não seria mais vendida a preços de mercado e passaria a ser remunerada apenas para cobrir custos de operação e manutenção (regime de cotas).

Desde o início das discussões, a Cemig alega que o contrato das usinas de Jaguara, São Simão e Miranda continha cláusulas que previam uma renovação automática das concessões por mais 20 anos, sem redução de receitas. Já o governo argumentou que essa prorrogação não era uma obrigação, mas sim uma opção.

Não é à toa que a Cemig tem brigado tanto para ficar com as usinas. Juntas, essas hidrelétricas representam 36% do parque gerador da companhia. Mais do que isso, as usinas foram uma enorme fonte de receitas para a empresa.

Desde 2013, a energia dessas usinas passou a ser comercializada pela empresa a preços de mercado. O período coincidiu com uma das piores secas da história do País, o que fez com que a energia atingisse o preço de R$ 822,83 por megawatt-hora (MWh) em algumas semanas de 2014, rendendo cifras bilionárias para a companhia.

Quando o STJ derrubou a liminar que mantinha a usina de São Simão sob seu controle, em setembro de 2015, as receitas da Cemig com transações no mercado à vista despencaram – de R$ 2,4 bilhões para R$ 161 milhões em 2016. Desde então, a empresa tem operado as usinas com liminares. Ao mesmo tempo, o nível de endividamento da companhia dobrou. A queda de receitas deve se aprofundar neste ano. Em abril, as usinas de Jaguara e Miranda também passaram a adotar o regime de cotas.

Para reduzir o endividamento, a Cemig anunciou em junho a intenção de vender R$ 6,5 bilhões em ativos, como a distribuidora Light, participações nas hidrelétricas de Santo Antônio e Belo Monte e empresas como Taesa e Renova.

Investimentos

Analistas e especialistas do setor elétrico apontam algumas das razões que levaram a empresa a uma situação tão desfavorável. Para o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, o fato de a construtora Andrade Gutierrez ser uma das principais acionistas levou a Cemig a investimentos questionáveis, como Santo Antônio e Belo Monte. A construtora anunciou que vai vender a participação na companhia.

“A Andrade Gutierrez tinha o direito de indicar a diretoria de Novos Negócios da Cemig, e esses investimentos podiam ser feitos sem aprovação da diretoria. Isso era de interesse da construtora, e não da Cemig”, afirmou Castro. Procurada, a Andrade Gutierrez não comentou.

De acordo com o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, estudos realizados pela entidade mostram que o desempenho das estatais do setor elétrico é sempre muito pior que o das empresas privadas, não apenas pelo desvio de função, mas também pela burocracia inerente ao setor púbico. “A Cemig é mais um exemplo nefasto do uso político de estatais”, afirma Sales.

“Para qualquer empresa, é complicado ter um controlador financeiramente frágil. É o caso de Minas Gerais e de outros Estados do País, que gerenciam suas empresas de forma a serem grandes geradoras de dividendos”, diz o pesquisador sênior do Gesel da UFRJ, Roberto Brandão.

O presidente da consultoria Thymos Energia, João Carlos Mello, acredita que a companhia terá um novo perfil. “Será uma nova empresa, menor. E terá de se reformular e se adaptar a margens de lucro menores na geração.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.