Como foi o convite do ministro para o sr. assumir o Banco Central?
Eu encarei e encaro como uma oportunidade de contribuir em um momento difícil, numa área em que tenho alguma experiência. Tive uma experiência no Banco Central e estou voltando. Minha carreira sempre foi como economista, lidando com assuntos de macroeconomia, de política monetária e tal. Era um momento em que eu poderia contribuir de forma técnica, independentemente das questões políticas que surgiam e outras dificuldades. Eu achava qu

e era natural vir e tentar contribuir.

Foi uma decisão rápida?
Houve vários encontros, telefonemas. Fomos conversando em várias etapas.

Quando o sr. assumiu, o mercado projetava o estouro da meta em 2016. O sr. realmente imaginava que era possível cumprir a meta ou foi uma grata surpresa?
Eu achava que era possível. Especulava-se entre os especialistas, na mídia, “ah, vai fazer as chamadas metas ajustadas, vai aumentar a inflação”, e no final, olhando a situação e olhando a conjuntura, a gente achou que era o caso de, de fato, depois de passar dois anos com uma inflação em 11%, depois em 12%, era possível convergir para a meta, pelo menos tentar a meta. Hoje em dia, no Brasil, ocorrem os debates e depois parece que nada aconteceu. Então, aqueles que falavam que não era possível chegar [na meta], agora dizem que é possível. Ou seja, comentam o passado, dizem “não, mas, é, porque”, dizem “não, o Banco Central falou de inércia no passado.”. Falou-se de riscos para não chegar em 4,5% e, na verdade, esses riscos a gente batalhou de forma que se conseguisse chegar. Hoje já não se fala mais disso, de metas ajustadas.

Hoje se fala em centro da meta…
É. Eu diria de meta justa [4,5%].

Os analistas avaliam que a sua principal vitória, até agora, foi a ancoragem das expectativas. O top 5 do Focus já está projetando o IPCA ligeiramente abaixo do centro da meta deste ano. Qual a importância da ancoragem das expectativas para o cumprimento da meta lá na frente?
Quando você faz política monetária, você não pode ficar olhando o passado. Como o nosso instrumento, a taxa de juros, tem efeitos defasados, você tem de sempre olhar para o futuro. E é no futuro que a gente está olhando. Alguns chamam esse regime de “regime de metas da inflação esperada”, porque você não consegue mexer na inflação passada nem na inflação hoje. Você consegue mexer na inflação futura. A nossa meta é uma meta de inflação esperada. Então quando você me pergunta qual é a vantagem de ter expectativas ancoradas é que, nesse tipo de regime, significa que nós estamos justamente no nosso objetivo.

O IPCA-15 de janeiro foi uma grata surpresa, pelo fato de ter sido o menor em um mês de janeiro desde o início do Plano Real?
De fato, a inflação foi um pouco menor do que nós tínhamos previsto, mas o importante é dizer que a inflação tem andado de acordo com o nosso último cenário base. A gente viu que a inflação estava caindo, que as expectativas estavam ancoradas, a atividade está com um pouquinho mais de dificuldades para retomar, o que permitiu que a gente acelerasse o ritmo [da queda de juros]. Então esses últimos números estão compatíveis com esse novo cenário que a gente vislumbrou.

Reforça o que foi dito na ata do Copom, certo?
Exatamente.

Qual é o maior risco de um descontrole inflacionário esse ano? É interno ou externo?
O Banco Central está sempre olhando riscos, que são internos e externos, e podem ser positivos, ou seja, pode acontecer inflação boa, também. Do lado dos riscos externos, nós temos uma incerteza em comum, uma incerteza sobre a política econômica nos Estados Unidos, o que vai acontecer e como isso vai ocorrer. Mas também há dúvidas internas. Por exemplo, uma das questões que é bem relevante para os próximos meses é a aprovação da reforma da Previdência. Muito do que está sendo esperado em termos de inflação, em termos da projeção de juros leva em consideração um bom encaminhamento da reforma da Previdência. Então, existem tanto os riscos internos como os riscos externos. Nós acreditamos que a reforma da Previdência vai ser aprovada, mas é um risco que estamos monitorando.

É verdade que no Brasil é mais difícil combater inflação, porque nós temos uma memória de indexação muito grande?
Eu acho que inflação, a inércia, no Brasil é maior. Nós temos uma indexação formal e informal muito forte. Você tem desde a indexação formal e informal salarial, de reajustes, que no ano passado foram elevados para uma inflação esperada baixa. A meta justa, que é a meta de 4,5%, é uma meta bem abaixo dos reajustes do ano passado. Você ainda tem reajustes dos alugueis, reajustes de planos de saúde. Nos planos de saúde, eu acredito que o reajuste foi de 13%. Você tem reajustes elevados, que nos fazem perpetuar a inflação. Isso não significa que a inflação nunca vai cair, apenas que o custo para ela cair é muito maior. Então quando eu vejo alguns debates, olhando o passado, de novo está se dizendo “ah, falava-se muito em inércia, o BC falou em inflação de inércia de serviços, não deveria ter falado, porque a inflação caiu”. Mas ela está caindo com um custo relevante. Então há uma inércia e a gente está, agora sim, conseguindo trabalhar isso. Agora, com o período de flexibilização monetária, de queda dos juros, a gente vai poder contribuir para a retomada. Mas isso não significa que não existiu a inércia, as pessoas esquecem.

Demorou bastante para a inflação de serviços cair…
Exatamente. Não vamos esquecer a dificuldade que foi o ano passado até começar a cair.

É mais difícil combater a inflação com metade do crédito sendo direcionado, ou seja, imune à Selic?
Tenho dito que a economia ideal, sob o ponto de vista monetário, é aquela em que todo o crédito reage à política monetária. Portanto, tenho a impressão de que a gente poderia ter uma taxa de juros da economia de mercado menor se tivesse com todos os aspectos de crédito a mercado. Hoje em dia, há o que eu tenho chamado de meia entrada. Tem meia entrada para metade do crédito no Brasil. Significa que o resto, todo o resto que toma emprestado, que atua na economia, inclusive a própria Selic, acaba tendo que compensar a meia entrada.

Isso significaria, por exemplo, que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) deveria seguir o ritmo da Selic? Esse é um debate real no Conselho Monetário Nacional (CMN)?
No momento não temos esse debate, não, mas quando eu fiz a apresentação lá da nossa agenda de BC+, eu disse que a gente deveria estudar, inclusive com o Banco Mundial, esses direcionamentos, ver o impacto que isso tem. O impacto que isso tem para a economia como um todo. Qual impacto da meia entrada sobre a entrada inteira?

Por que temos de praticar o maior juro real do mundo?
Eu acho que a gente não tem de ter [o maior juro do mundo]. Acho que as nossas idiossincrasias geraram isso. Não acho que a taxa de juros é um evento do destino, nem que basta você ter vontade para, de um dia para o outro, por voluntarismo, baixá-la. A [taxa de juros] do BC só vai baixar quando a inflação cair. Eu acho que está ficando cada vez mais claro que quando você faz isso, quando a taxa de juros consegue cair com a inflação caindo, tudo é mais sustentável, tudo é mais crível, isso dá uma fortaleza muito maior. É a mesma coisa com os juros bancários. Eles vão cair quando tiver condições. Os juros mais altos no Brasil, de um lado, refletem décadas de crescimento de gastos acima da inflação, muito acima da inflação, tanto que a gente teve de lidar com essa questão, teve de aprovar uma PEC para os próximos 10, 20 anos. Conseguimos e acho que isso influencia a taxa estrutural da economia, aquela que a gente consegue chegar no longo prazo. A mesma coisa com respeito a esse sistema da meia entrada. Existem várias coisas que puxam [os juros]. A gente encarece o crédito através de mais imposto, mais compulsório, mais direcionamento. Tudo isso encarece e depois a gente fica surpreendido com que vê. A gente tem de começar a fazer políticas para o outro lado, e ai gente não vai se surpreender. Na verdade, a gente vai se surpreender para o lado do bem, vamos começar a ver os juros caindo para o lado certo, fazendo as políticas corretas.

É calculável essa taxa estrutural?
Em teoria, você pode botar no papel e dizer “olha, dados esses parâmetros, dado o que eu acho, no tempo vai dar isso”. Só que isso, no papel, você pode escrever lá os parâmetros e tal. Mas sabemos que essa taxa de juros tem de convergir e a gente tem de se preparar até onde convergir. A gente só vai saber isso ao longo do tempo. A gente sabe o que tem de fazer com essas políticas, qual a direção, e a direção é fazer as políticas corretas. Isso vai nos abrir um espaço, a gente vai descobrir esse espaço ao longo do tempo.

O Brasil pode almejar, no futuro, ter metas de inflação menores, compatíveis com o primeiro mundo?
Eu diria que o Brasil pode ter metas de inflação compatíveis no longo prazo, não estou dizendo agora, em 2019, mas compatíveis com outras economias emergentes. Isso a gente vai ver, qual a velocidade, quando a gente chegar lá.

Mas, então, é factível? A meta de 4,5% não é um número mágico, que a gente fica restrito a ele…
No longo prazo é factível. Não estou falando para 2019, nem é a decisão que a gente vai ter agora (em julho, o Conselho Monetário Nacional vai definir a meta de inflação para 2019).

Que mensagem o sr. trouxe de Davos?
Quem foi para Davos sabe que a discussão principal foi sobre o impacto e qual vai ser a política econômica nos Estados Unidos. Essa foi a discussão maior, que impacta os outros países avançados. Teve também o presidente chinês falando sobre a globalização. Vários painéis falando sobre qual vai ser a política americana. Então, de longe, isso foi o mais importante. Sobre o nosso mundo, que é muito importante para nós, mas é apenas um pedaço lá de Davos, o que a gente observou foi um ânimo maior do que eu imaginava. Isso não significa que não tem desânimo, mas apenas uma sensação de que o Brasil já esteja num ponto de inflexão, que a gente comece a ter um 2017 bem melhor que 2016, um 2018 melhor que 2017 e assim por diante.

A queda do CDS e as recentes captações externas já são termômetro dessa melhora?
O CDS cai pela metade, o risco que tinha subido, dobrado, vai voltando, isso é um sinal importante, sinal da confiança voltando. Você viu os índices de confiança, que tinha subido e parado um pouquinho, voltaram a subir. A própria bolsa, você falou do Dow Jones subindo, a nossa própria bolsa também. E acho que não é só a questão das bolsas globais, tem também a percepção de quem está comprando ações de que o novo futuro vai ser bem melhor que hoje, ou seja, já se percebe um futuro melhor. Você vê os próprios juros futuros de longo prazo, também mostram uma [queda]. Quando você vê a política monetária atuando para flexibilizar, você vê uma queda dos juros mais curtos, mas também uma queda dos juros mais longos. Essa consistência mostra que estamos no caminho certo.

Resgataremos o grau de investimento?
Acho que leva tempo. As agências têm o seu tempo, elas têm o seu momento. Acho que os preços no mercado financeiro, dos ativos, vão reagir antes das agências.

As empresas estão muito endividadas. Essa desalavancagem ocorre num ritmo adequado?
Acho que há vários fatores que explicam essa recessão. Nós estamos nos desvencilhando dos excessos do passado. Excessos no setor público, na política fiscal, déficit primário, dívida subindo, seja no governo federal, seja no governo estadual. Tudo isso é um esforço de a gente desfazer os excessos do passado. No setor privado também houve alguns excessos que também estão se desfazendo. Você pergunta se foi em um ritmo adequado. É o ritmo que a economia pode e esse ritmo já gerou uma desaceleração significativa. Eu tenho impressão de que estamos caminhando a passos largos para um ponto de inflexão. Acho que a partir desse ano, a gente já pode começar a ver a economia retomando. A gente tem certeza disso? Não, é difícil ter um momento exato disso, mas eu não descartaria essa possibilidade de já começar essa inflexão.

Os empresários reclamam muito de que, no momento de crise, os bancos ficam muito cautelosos…
Eu acho interessante que, num período em que a incerteza aumentou, com os excessos cometidos, quando a incerteza subiu muito, uma parte da sociedade culpa a outra de estar muito retraída. Eu vejo, de fato, que o crédito está mais retraído, mas também vejo as empresas retraídas no investimento, o nosso investimento está em 16%. Então, a mesma retração que leva as empresas a não investirem mais, leva também o sistema bancário a se retrair. Quando você olha o crédito, é verdade que você tem menos oferta, mas tem menos demanda, também. Então estamos todos, todo mundo, um pouco mais retraído. Como é que você sai desse mundo onde empresas, bancos, famílias, todo mundo está mais retraído? Acho que a única forma é fazendo as políticas de uma forma serena e na direção certa. O que isso significa? Você faz reformas que resolvem a sua dinâmica de despesa, você manda uma reforma da Previdência, aprova, o BC tem uma meta de inflação e ele tenta cumprir essa meta de inflação. Nós temos uma agenda com reformas estruturais, nós temos um governo que mexe com as medidas de ambiente de negócios, que tenta a mexer. Você tem o esforço de aumentar o investimento em infraestrutura. Tudo isso vai fazer o quê? Tudo isso vai criar um momentum, uma percepção. Ou seja, você está caminhando na direção certa, e em algum momento a gente cai ter a inflexão, e ai quando a inflexão vier, todo mundo vai ter esse alívio, essa percepção de menor incerteza e vai levar adiante. Não adianta um ficar culpando o outro. Os empresários dizem que os bancos estão retraídos, os políticos dizem que os empresários não investem, os empresários dizem que o BC não é corajoso o suficiente. Eu já escutei isso. Quando estava aquela inércia, a inflação não caía, falavam assim “ah, está faltando coragem”. Ou seja, tem de fazer as coisas corretas.

Isso significa que não vai ter nenhuma linha especial, nenhum destino de crédito compulsório para as empresas endividadas?
Dadas as angústias nesse momento, já cometemos esses erros no passado recente, e não foi o suficiente para fazer a gente sair [da crise]. Ao contrário, aprofundou a recessão. Então vamos tentar dessa vez fazer um caminho mais sereno, mais responsável. Fala-se em uma linha, em mexer no compulsório, mas essas questões, no momento, me parecem que não são a solução. No curtíssimo prazo, eu nunca digo que nunca faria, porque as situações mudam, mas não é a solução no momento.

O que esperar da gestão Donald Trump e qual será o impacto no Federal Reserve (Fed)?
É uma incerteza grande. Tem gente que fala que o Trump vai aquecer [a economia], mas só gerar inflação, aumento de juros e dólar mais forte, e isso pode pressionar os fluxos de capital para sair e encarecer os custos de financiamento externo. E tem gente que acha que o impacto disso no Brasil pode ser menor, na medida em que isso gera crescimento, não só inflação, aumentando os preços das commodities, o que beneficia o Brasil. E quando o termo de troca com países como o Brasil melhora, você tem facilidades aqui de retomada da economia, de resolver todos os problemas. Então há uma dúvida aí. Estamos no começo, num período extremamente incerto. Isso não significa que o cenário vai ser ruim ou bom, apenas que pode ir de um lado para o outro.

Na sua avaliação, o que vai influenciar mais o dólar: os fatores internos ou a incerteza em relação ao Trump?
O real contra o dólar, o real contra o euro, o real contra o resto do mundo, o que conta é o preço relativo, e ele é influenciado tanto por fatores de lá, que mexem quando está acontecendo algo lá, como fatores daqui. A combinação de fatores aqui como lá é que fazem a taxa de câmbio, que é o preço de um contra o outro. O preço que te diz quanto vale o real em relação ao dólar. Se o dólar se fortalece no mundo, e não há uma mudança aqui, obviamente o real vai se depreciar mais, porque está mexendo lá. Se o dólar não está se mexendo e a gente está mudando, fazendo reformas, gerando mais confiança, o real vai se apreciar a um dado dólar que tem por aí. Então, tanto fatores globais quanto fatores domésticos influenciam, é uma combinação.

Um debate polêmico é em sobre o nosso tamanho de reservas internacionais. É uma boa proteção, mas cara?
Minha avaliação é como se fosse um seguro saúde que, quando a gente paga, reclama, mas quando a gente tem um incidente, a gente adora. Então é uma coisa que a gente tem um seguro que é caro, mas ele já foi muito útil e tem sido muito útil nos últimos tempos. É claro que quando a gente olha um novo seguro, quando a gente vai fazer um novo seguro de saúde, seguro de vida, seguro da casa, a gente olha para frente e vê se vale a pena pagar por esse custo, a gente vai avaliar de novo. O que não dá é para questionar o seguro quando a gente ainda está no meio ainda do momento mais turbulento. O momento turbulento, a gente passou, teve excesso, a economia brasileira sofrendo revés com a recessão, perda de grau de investimento. Tudo isso me diz que eu ainda estou no meio do incidente. Eu não quero discutir se eu quero pagar o seguro no meio do incidente. Assim que acabar o incidente, quando a gente se sentir mais seguro, retomar o grau de investimento, vamos pensar então se esse seguro é caro. E ai, por que eu digo que temos que olhar para o futuro? Porque no futuro o preço do seguro pode ser esse, pode ser outro. Nosso preço para o seguro de reserva é a taxa de juros. Se o diferencial estiver muito alto num momento em que está variando, ele vai ser caro. Se, de repente, não for tanta a diferença, é outra história.

O atual nível de swaps cambiais é adequado? Nós chegamos a ter mais de US$ 100 bilhões e caiu para US$ 27 bilhões. Foi um bom enxugamento, não é?
G: É, isso tudo foi enxugado no ano passado. Uma parte começou a ser enxugada antes da minha vinda, só que a gente entrou em um programa e foi reduzindo sistematicamente, todo dia, todo mês. Eu diria que a gente está muito mais confortável com o estoque que a gente tem em relação ao que tinha no começo. Isso nos deixa mais confortável para tomar qualquer decisão. A gente pode achar que estamos num momento que podemos continuar reduzindo, pode achar que tem de ir para o outro lado. Nos deixa com mais conforto agora.

Na agenda BC+, o sr. fala em revisar o modelo de relacionamento do BC com o Tesouro Nacional. O que isso significa na prática?
Nos últimos anos, nós temos um relacionamento com o Tesouro que é um relacionamento de prejuízos que são cobertos pelo Tesouro e lucros que são transferidos para o Tesouro. Têm ocorrido muitos lucros e perdas, e essas acabam gerando ou muitos aportes de títulos do Tesouro ou muitos depósitos do BC na conta única do Tesouro. Há uma certa simetria, porque quando você tem lucro, você coloca na conta única e a conta única vai subindo – conta única é o depósito do Tesouro no BC – e quando tem prejuízo, vêm títulos e a quantidade de títulos na carteira do BC vai aumentando. Então as duas vão aumentando e aí tem muito vai e vem. Então, muita gente olhando o passado e especulando diz que “não, isso não é saudável, tem muita transferência, vai subindo a conta única”. Vamos dar uma mudada, vamos fazer algumas reservas aqui, para não ter que transferir o tempo todo, e vamos, de alguma forma, transferir na mesma forma como a gente está recebendo. Então, quando cai, você pode tirar da conta única, pode botar em títulos, vai ser mais simétrico. Então, de certa forma, a gente limpa um pouco essa percepção de que tinha muita movimentação, muitos aumentos aí.

E essa ideia de criar o depósito remunerado do BC? Entendi que não vai eliminar os outros, mas isso é bom porque não gera impacto na dívida bruta, é isso?
É bom porque você tem outro instrumento. É um instrumento que outros países usam, que se chama remuneração sobre excesso de reserva. Isso é um instrumento que não tem por que o Brasil não ter. Você pode usar as compromissadas, pode usar os compulsórios e ter esse novo instrumento. É algo que é bom e a gente vai trabalhar para isso.

Alguma perspectiva de encaminhar o debate sobre uma autonomia formal do BC?
É, no Brasil, a gente tem algumas anomalias. Uma das anomalias é essa. É você outorgar uma autonomia de facto (na prática) ao BC, mas não de jure (pela lei). Eu acho que é como se tivesse já, de uma certa forma, todos os custos e benefícios de uma autonomia, mas não tendo o benefício total. Coloca a autonomia do BC na lei, que o risco Brasil cai e você não gasta um centavo com isso. Você colhe os frutos do sistema que, de facto, já existe. Por algum motivo isso gera na sociedade brasileira muita discussão, por razões difíceis de entender por completo. Talvez se tivesse um debate mais aprofundado no Congresso, as pessoas iriam entender que você já tem autonomia. Bota na lei e faz o Risco Brasil cair mais ainda.

No caso dos Estados Unidos, qual é a vantagem de ter, nesse momento, a continuidade da presidente do FED, Janet Yellen, no governo Trump?
É um ganho extraordinário. Você não ter continuidade da estabilidade de inflação monetária e financeira aumenta a incerteza de troca de governo. Imagina que você tivesse junto com a mudança da política econômica americana, imediatamente no primeiro dia, no dia 20 de janeiro, a mudança de todo [o FED]. Isso gera toda uma incerteza que você não precisa.

Como o sr. acompanha o surgimento de tantas fintechs. Como se controla esse novo mundo que está surgindo, digital?
Não se controla, se une a ele. Ou seja, você, de certa forma, esse mundo de inovação é um mundo que nós temos que abraçar. É claro que abraçar não significa você deixar ele sem regulação nunca. Em algum momento, você tem de deixar aflorar, ele gera competição, ele disputa espaços, você pode abrir uma conta digital. Olha a facilidade que eles tem de abrir contas, não tem de ir a uma agência, porque todos nós precisamos de papel para cá, papel para lá. Hoje, a gente regulamentou no BC, você tem uma reforma do BC, de abertura digital, para permitir que aqueles inovadores que abriam conta digital pudessem continuar, porque eles já estavam abrindo, mas precisava de a gente dizer que isso está ok. Porque a gente está querendo ir por esse caminho, a gente não quis controlar, a gente quis direcionar. Então todo mundo hoje pode abrir, isso facilita muito. Você tem outras questões também. Pagamentos digitais, há questões sobre receber um crédito de uma forma digital também. Claro que você tem de olhar isso de uma forma segura, nenhuma inovação é só inovação, só os benefícios, tem riscos. Riscos de entrada, de no digital você perder suas informações. Então, nós temos que andar juntos, mas para mim são forças inovadoras, forças de competição, forças que vão revolucionar nosso sistema no futuro. Como um regulador, isso para mim é bom, não é um problema.

No BC+, o sr. também fala em regulação no mercado de câmbio. O que isso inclui?
A gente tem de modernizar. O que significa modernizar? Tem muita legislação, tem muita burocracia, tem muita questão que veio do passado. Nós temos um passado cheio de normas, porque era um outro mundo. Da mesma forma que a gente veio anunciar o compulsório, que veio de várias normas, de várias questões que se faziam interessantes em uma época, você precisava de 15 alíquotas, incentivar isso ou aquilo, em algum momento você olha para trás e diz assim “vamos limpar aquilo?”. A mesma coisa aqui [no câmbio]. A gente tem de olhar de novo, olhar todas as normas, porque às vezes a gente não percebe, na sociedade brasileira, não só no BC, é que esse excesso de leis, de regulação, acaba prejudicando os negócios e a eficiência. A nossa busca é pela eficiência e reduzir a complexidade.

Na questão do cadastro positivo, a ideia é que todo mundo automaticamente entre e quem não quiser tem de dizer que não quer. É isso?
Sim.

Isso efetivamente vai significar que os bons pagadores vão conseguir taxas mais atraentes?
Toda a ideia do cadastro positivo é isso. Só que estamos fazendo esforços para que o cadastro positivo seja mais eficaz. No começo, a percepção era que na lista faltava gente, porque quando falta gente nos bons pagadores, isso prejudica a economia. A gente quer que todos os bons pagadores estejam lá. O pagador não se incomoda de estar na lista do bom pagador. Então, deixa ele entrar automático. Se por algum motivo tem alguma questão de privacidade, “ah, eu quero sair”… Você gostaria de estar na lista de bons pagadores ou você quer sair? Tem todo direito, mas nós temos de ter um esforço de ter uma lista completa dos bons pagadores.

Hoje, na prática, quando falta informação no mercado, o prêmio de risco cresce na incerteza, certo?
É maior. Você dizer “eu tenho uma lista, a lista tem metade dos bons pagadores”. Você diz assim, você é um bom pagador ou não? Sei lá, a lista é incompleta. Se tivesse todo mundo, seria mais fácil.

Os players de crédito imobiliário estão ansiosos pela regulamentação sa Letra Imobiliária Garantida (LIG). Vai sair? Tem prazo?
Vai sair. Acho que a gente vai colocar em audiência pública para eles olharem, verificarem tudo e nos devolver dizendo “olha, tudo que vocês fizeram está bem, mudaria isso aqui, a gente acha que isso aqui pode melhorar”. Isso vai sair logo.

A ideia é que seja uma fonte alternativa à poupança?
É uma captação garantida, de forma que você possa ter um instrumento a mais, com garantia, que possa alavancar a capacidade de você captar. Então, o BC tem trabalhado nisso não há meses, há anos, para tentar ter o melhor instrumento possível.

Por que a LIG é melhor que uma Letra de Crédito Imobiliário (LCI), por exemplo?
Porque tem mais questões operacionais. Ele permite que algumas garantias que você não tinha que você possa colocar.

Fica mais seguro?
Mais seguro. Ou seja, a pessoa que está comprando o título, ele tem quase que uma garantia quase duplicada de quem emite. No sistema financeiro brasileiro, tudo que tem garantias, tem juros bem menores. Você tem o consignado, que já garante o salário, o juro cai pela metade. Tudo que tem garantia cai os juros. Então isso é importante.

No segmento de cartões de crédito, o sr. mencionou que há subsídios cruzados, com venda parcelada sem juros. A ideia é mexer nisso?
Eu não queria falar que vou mexer no parcelamento, não é isso. Mas todo o sistema tem uma parte que paga pelos outros, e outro que paga aquele que faz, a coisa sobrevive assim. Então vamos sentar e tentar [conversar]. Se você está coçando a orelha esquerda com a mão direita. Então só estamos querendo começar a conversa, cada um do seu lado certo. Isso vai ser feito de uma forma estruturada, de uma forma serena, ao longo do tempo. O que vai ser feito mais rápido, o que já foi anunciado, é a questão do rotativo.

Depois de 30 dias a dívida vira uma crédito pessoal…
Isso permite a redução dos riscos, a redução dos juros.

E a redução do prazo de 30 dias que a operadora de cartão de crédito tem para pagar o comerciante?
A gente tinha falado que ou ia mexer no rotativo ou mexer no prazo. A gente achou melhor, na questão do prazo, mexer num debate mais amplo com todo o sistema.

A agenda BC+ quer reduzir o spread bancário. Os juros são elevados porque a inadimplência é alta ou o contrário?
Acho que, na medida em que a economia começar a sair dessa crise, eu acho que as duas coisas vão acontecer ao mesmo tempo. A inadimplência vai cair, aí o risco cai, os juros também caem, vão vir juntos. Da mesma forma que as duas coisas pioram juntas, as duas coisas vão melhorar juntas. Isso é uma parte do custo, a inadimplência. A outra parte é como é que essa inadimplência pode ser recuperada ou não. Quanto mais difícil recupera, quanto mais custos em termos de observância, custos de conseguir o bem que você…

A execução de garantia no Brasil é complicada…
Tudo isso aumenta o custo. Também há outros custos. Tem o custo do compulsório alto, tem custo administrativo alto. Então tem várias questões nossas que elevam, e uma parte da nossa agenda é, além do que a gente determinou, essa parte que a gente vai colocar mais medidas para reduzir. Essa vai ser uma redução sustentada, ao longo do tempo. Não há milagre. Se você não mexer nos fundamentos, você não mexe na escala das consequências. Tudo que se tentou de uma forma voluntarista não durou. Vamos tentar dessa vez fazer de uma forma sustentada, mudando os fundamentos, que eu acho que dá certo.

Nós não deveríamos oferecer educação financeira nas escolas?
Há um esforço para incluir financeiramente milhões de pessoas. Muita gente, ao entrar na classe média, abriu uma conta pela primeira vez e teve um cartão pela primeira vez. Então isso foi importante e vai continuar sendo importante, mas é relevante também que eles saibam o que estão fazendo, o que estão pagando, o que estão recebendo. Então temos de ter inclusão financeira com educação financeira. Você tem toda a razão que ela tem que entrar no ensino. A gente está tentando no ensino médio convênios com as escolas e com o Sebrae. Nós temos convênios com o próprio Exército, que nos permite canalizar e distribuir conhecimento. Nós temos esforços em termos de informação, redes sociais, o site. Tudo isso, quando chegarem os cursos online, são esforços para educar aqueles que são recém chegados em um sistema financeiro.

A popularização do Tesouro Direto faz parte disso?
Faz parte disso, sim. Não é do BC, mas é um esforço nesse sentido.