Com mais de duas décadas no mercado de tecnologia, Laércio Albuquerque ainda é um novato na Cisco. Aos 46 anos, ele está à frente da operação local da gigante americana, dona de uma receita global de US$ 49,2 bilhões, há apenas dez meses. O desafio veio em meio a um dos períodos de recessão mais turbulentos da economia brasileira. O contexto desfavorável contrasta com o entusiasmo do executivo nascido na pequena Batayporã (MS) e acostumado desde cedo a superar as adversidades.

Filho de uma família humilde, ele ganhou seus primeiro trocados ainda menino, como catador de papelão. “Esses últimos meses têm sido espetaculares”, diz Albuquerque, que enxerga um cenário de retomada no País. “Nós nos preparamos para esse novo ciclo no momento ideal: durante a crise.” Mais do que um discurso protocolar, a visão de Albuquerque é sustentada por números. Nos últimos quatro anos, a Cisco investiu mais de R$ 1 bilhão para fortalecer sua presença no Brasil.

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro foram um dos ganchos do aporte. A companhia respondeu pela infraestrutura de transmissão de dados e imagens do evento. Os projetos incluíram ainda a fabricação local de equipamentos de telecomunicações, a criação de um centro de inovação e o investimento de cerca de US$ 20 milhões nos fundos de venture capital Monashees e Redpoint, para apoiar startups brasileiras. A partir desse legado, a Cisco quer, agora, ganhar tração na internet das coisas, como é conhecida a onda tecnológica que define a comunicação entre qualquer objeto conectado à rede de dados, sem intervenção humana.

De carros a eletrodomésticos e sistemas de cidades inteligentes, a aplicação é vasta. Segundo um estudo da consultoria britânica Pyramid Research, 73% das empresas de médio e grande porte do Brasil já possuem ou planejam implementar um projeto sob esse conceito em 2017. A busca por eficiência operacional e redução de custos é o principal mote para 60% dessas companhias. Para Pietro Delai, analista da consultoria IDC, o uso de sensores para identificar gargalos em linhas de produção é uma das aplicações em alta, especialmente em virtude da crise. “O Brasil tem um parque industrial relativamente antigo e essas tecnologias reduzem essas lacunas”, diz.

CELEIRO DE IDEIAS: inaugurado em 2013, o centro de inovação do Rio de Janeiro reúne clientes, universidades e startups para criar soluções de internet das coisas
CELEIRO DE IDEIAS: inaugurado em 2013, o centro de inovação do Rio de Janeiro reúne clientes, universidades e startups para criar soluções de internet das coisas (Crédito:Divulgação)

A IDC prevê que a internet das coisas vai movimentar cerca de US$ 13 bilhões no País em 2020. Previsto para ser concluído no fim desse semestre, o Plano Nacional de Internet das Coisas, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é outro fator que deve favorecer a categoria. “Vai ser um divisor de águas do setor no País”, afirma Delai. Atenta a essa demanda, a Cisco aposta em um portfólio que inclui desde softwares e equipamentos até plataformas de segurança.

Com o aumento das conexões e, por tabela, das brechas para ameaças virtuais, essa última ponta é vista como uma das partes essenciais em projetos desse porte. Nesse contexto, a empresa planeja começar a fabricar essas soluções em sua unidade industrial instalada em Sorocaba (SP). Ali já são produzidas algumas linhas de servidores, roteadores e switches, o que representa 20% das ofertas locais da marca. “Queremos dobrar esse índice nos próximos dois anos”, afirma Albuquerque. Inaugurado em 2013, o centro de inovação instalado no Rio de Janeiro é outra ponta importante nessa estratégia.

A empresa está usando a estrutura para desenvolver soluções em parceria com clientes e universidades. As startups também integram essa frente. A Cisco promove encontros com empresas novatas no local para identificar ideias promissoras. Esse trabalho de prospecção é apoiado pelos fundos Monashees e Redpoint. Quando selecionadas, as startups passam a ter acesso ao centro e às tecnologias da Cisco para aprimorar seus projetos. “Temos de nos aproximar de todos esses elos. Não conseguimos fazer tudo sozinhos”, diz Albuquerque.

Durante a Rio 2016, a região do Porto Maravilha foi a vitrine para os primeiros frutos dessas parcerias. Uma das aplicações apresentadas no evento, criada em conjunto com a novata NetSensors, são 28 bueiros inteligentes, equipados com sensores que monitoram a quantidade de lixo e apontam o momento mais apropriado para a coleta. Outra solução foi um sistema de áudio vigilância, desenvolvido com a Audio Alerta, que identifica sons incomuns, como o barulho de um tiro, e aciona automaticamente uma central de segurança. Uma tecnologia similar em vídeo já está sendo adotada em supermercados, para monitorar e alertar sobre furtos.

Todas as soluções do Porto Maravilha ficaram como legado para a região. À parte dessas aplicações, a Cisco ainda não definiu o destino das 60 toneladas de equipamentos usados na Olimpíada. A empresa está em discussão com diversos municípios, não restritos ao Rio de Janeiro, para uma possível doação e desenvolvimento de novos projetos. Mesmo sem essa definição, Albuquerque comemora a herança do evento e do plano de investimentos da companhia. “Estamos muito otimistas”, diz o executivo, que brinca: “Daqui para frente, a ‘culpa’ é minha.”

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