Ao iniciar uma palestra sobre o futuro do agronegócio em São Paulo, no fim de março, o executivo escocês Hugh Grant, presidente mundial da americana Monsanto, corta uma maçã em diversos pedaços. Ele descarta todos até chegar a uma fatia que representa, segundo seus cálculos, apenas 3% do total da fruta. Essa porção mínima é uma metáfora do percentual de terras produtivas existentes em todo o planeta. Por conta do pequeno espaço que há para explorar, Grant defende que a inovação seja o grande foco de toda a agricultura a fim de aumentar a produtividade de fazendeiros, do solo e das companhias. Isso também serve para a empresa que ele comanda, líder mundial de sementes transgênicas e com faturamento de US$ 13,5 bilhões. Na entrevista a seguir, Grant analisa a entrada de startups no setor, além do surgimento de gigantes após movimentos de consolidação. A própria Monsanto se tornou um alvo: a companhia foi adquirida pela alemã Bayer, em setembro de 2016, por US$ 66 bilhões. “As oportunidades para Bayer e para a Monsanto são gigantescas”, diz Grant.

DINHEIRO – Como está o andamento da integração da Monsanto pela Bayer, após o anúncio de compra?

HUGH GRANT – O negócio foi anunciado em setembro, mas estávamos em conversa desde maio do ano passado. Eu acho que é uma combinação ótima para ambas as empresas. Há poucas sobreposições entre elas, então temos poucos produtos concorrendo diretamente. Isso porque, enquanto nós estamos focados em sementes e biotecnologia, a Bayer está olhando mais para a química. Logo, as oportunidades são gigantescas para a Bayer e para a Monsanto. Quando você junta biotecnologia ou sementes à química no mesmo espaço, é possível desenvolver produtos superiores, além de ferramentas e fórmulas que terão um impacto positivo mais rapidamente.

DINHEIRO – Haverá um aumento de investimentos?

GRANT – Antes, nós investíamos cerca de US$ 500 milhões por ano em desenvolvimento de novos produtos e tecnologias. Somente no ano passado, tivemos um salto para US$ 1,5 bilhão. Com as duas combinadas vamos intensificar ainda mais esse valor. É provável que chegue a US$ 2,5 bilhões somente em agricultura. Focaremos nossos aportes em pesquisa e desenvolvimento. Quando você olha o tamanho do desafio dentro do setor, isso será de grande ajuda para a nossa evolução.

DINHEIRO – Já há planos de como a Monsanto vai operar assim que o o processo for totalmente concluído? O senhor continuará na empresa?

GRANT – Agora, o nosso foco está em continuar negociando com os órgãos antitruste para fechar a transação. Ainda não há definições públicas do que vai acontecer depois.

DINHEIRO – Quando haverá uma conclusão?

GRANT – Estamos contando que estará finalizada até o fim deste ano. Há algumas subsidiárias que necessitam de aprovações regulatórias locais, como na Europa e no Brasil.

DINHEIRO – Onde estão as grandes oportunidades e sinergias da nova empresa?

GRANT – A maior oportunidade do mercado está na inovação. Nos próximos 35 anos, há a expectativa que a população global chegue a 10 bilhões de pessoas. Ou seja, serão 3 bilhões de pessoas a mais que estarão vivendo no planeta até 2050. Isso equivale ao acréscimo de três populações do continente americano. Por isso, precisamos criar produtos que atendam essa quantidade de pessoas no futuro e o mais rápido possível. É essa a grande oportunidade e o que justifica essa transação. Além disso, também sou um otimista. A ciência está revolucionando a agricultura. E o mundo precisa dessa ajuda.

DINHEIRO – E quando, na sua opinião, haverá essa revolução na agricultura?

KLEIN – Acredito que ela já está ocorrendo. Posso dar um exemplo: a Monsanto comprou a Climate Corporation, especializada em monitoramento climático e análise e gestão de risco da safra, em 2013. Com a expertise deles, estamos lançando um aplicativo nos EUA direcionado à fertilização. Trata-se de uma espécie de escaneamento do solo, que possibilita enxergar os pontos em que a fertilização é mais necessária e as plantas que precisam de mais adubo. O oposto também é possível: os agricultores não gastarão mais fertilizantes em locais onde o clima e o solo não favorecem a cultura. Isso vai gerar uma grande economia para eles. Ou seja, em parte, esta revolução já foi iniciada e estamos no início dela. Eu acredito que em um futuro não tão distante, problemas com pragas e insetos serão tratados com muito mais eficácia do que atualmente.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, impressionou Hugh Grant ao lidar com a operação Carne Fraca, da Polícia Federal
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, impressionou Hugh Grant ao lidar com a operação Carne Fraca, da Polícia Federal (Crédito:Evaristo Sa)

DINHEIRO – Nos últimos anos tivemos grandes negócios no setor: a compra da Monsanto pela Bayer, além da fusão das gigantes americanas Dow e Dupont e a aquisição da americana Syngenta pela chinesa Chinachem. Como o senhor enxerga essas consolidações?

GRANT – A indústria se tornará mais competitiva. Isso é algo ótimo. A competição acelera a inovação. Os fazendeiros tomam uma decisão a cada primavera e eles buscarão a marca que trará os maiores benefícios para eles. Eles estão procurando funcionalidades e o melhor produto vai vencer. A competição continuará acirrada a cada ano.Mais: estão surgindo novos competidores a cada safra.

DINHEIRO – Quem são eles?

GRANT – A química e a agricultura tradicional estão sendo repensadas por startups. Então, estão surgindo empresas que vêm criando produtos disruptivos para a área, como softwares e sensores para o campo. Essas startups estão ocupando espaços e pensando em soluções para uma área que não estava acostumada com isso. É algo completamente novo para o setor. A agricultura está recrutando profissionais que estão pensando nos negócios de uma forma nunca antes vista.

DINHEIRO – A Monsanto pretende investir em startups? É um plano da companhia?

GRANT – Nós sempre apostamos em inovações no nosso setor de pesquisa e desenvolvimento, mas é inocente presumir que as novidades vêm apenas de dentro da companhia. Portanto, quando fechamos o negócio com a Climate Corporation, que está localizada na região de São Francisco, nos EUA, percebemos que há muita coisa boa saindo daquela área para a agricultura. E não só de lá. A inovação pode vir de São Paulo, de Buenos Aires, de Tel Aviv ou também de Saint Louis, onde estamos baseados. Estamos de olho em oportunidades no mundo inteiro. É notório o crescimento de startups no setor.

DINHEIRO – Qual o motivo do crescimento?

GRANT – O movimento é uma consequência de um investimento bilionário do mercado. Em 2015, pela primeira vez na história, foi aportado um valor de US$ 4,5 bilhões em inovação na agricultura. Logo, é normal observar o surgimento de novas startups. E elas vêm atraindo a atenção de pessoas cada vez mais jovens para o mercado.

DINHEIRO – Então, a agricultura está se tornando mais jovem?

GRANT – Estamos vendo pessoas boas, com cabeças modernas e jovens entrando no mercado. É a primeira vez que vejo esse movimento. Estou na agricultura há décadas e eu nunca acompanhei algo assim. Até recentemente, as ferramentas tecnológicas e os dados analíticos não existiam na área. Agora, as habilidades dessas pessoas estão permitindo desbloquear diversas oportunidades. Além disso, a internet das coisas também está começando a ser empregada na agricultura. Enquanto na nossa casa um refrigerador pode falar com a torradeira, no campo um trator pode dar informações valiosas sobre o solo para o fazendeiro. São dados que, há poucos anos, nem imaginaríamos que poderiam existir. Tudo isso ocorreu nos últimos dois, três anos. A agricultura moderna está dando informações sobre cada metro de um terreno. Isso pode nos levar a excelência e beneficiar os agricultores.

DINHEIRO – Ainda é notória uma resistência com os alimentos geneticamente modificados. Qual seria o papel das companhias acerca desse assunto?

GRANT – A criação de alimentos geneticamente modificados está fazendo 21 anos em 2017. Os primeiros alimentos foram criados nos EUA, em 1996. Depois de quase duas décadas, trilhões de refeições foram servidas e não houve problemas. Apesar disso, a discussão continua. Eu já ouvi de diversas pessoas e concordo: o agronegócio precisa se comunicar melhor para evitar problemas. A própria Monsanto precisa se comunicar mais. A indústria deveria falar mais. Não sei como ocorre no Brasil, mas em muitas partes do mundo, os consumidores não têm ideia de onde vem a sua comida. Os jovens de hoje possuem uma relação diferente com o alimento. Há uma necessidade de se discutir o assunto de uma maneira diferente de como era feita antes. Mas eu sou um otimista. Penso que a agricultura vem mudando essa imagem junto aos consumidores.

Protesto em Paris contra a Monsanto, ocorrido em 2016. A empresa e os seus produtos são alvos de grupos ambientalistas
Protesto em Paris contra a Monsanto, ocorrido em 2016. A empresa e os seus produtos são alvos de grupos ambientalistas (Crédito:Benjamin Mengelle)

DINHEIRO – A Monsanto é constantemente criticada por grupos ambientalistas. Na época da negociação com a Bayer, por exemplo, era comum ver comentários como “a empresa que faz o remédio comprou a que produz o veneno.” Para completar, existe até “marcha anual contra a Monsanto”. Como o senhor enxerga essa situação?

GRANT – Acredito que o diálogo está melhorando e estamos conseguindo mudar essa imagem com esses grupos. Para ajudar, outros participantes do mercado começaram a se posicionar sobre o assunto. Cultivadores e, principalmente, que costumavam ser mais discretos, estão falando sobre o trabalho deles e como as grandes empresas contribuem para isso. Os cientistas vêm expondo mais as suas pesquisas. Organiza-ções, como a Embrapa, também estão fazendo o mesmo. Eles estão mostrando para a população o quão seguro são os produtos consumidos. O posicionamento desses participantes, que atuam de maneira independente, ajuda a mudar a imagem do setor e da própria Monsanto.

DINHEIRO – Qual a sua opinião sobre a atual crise da carne que estamos tendo no Brasil, evidenciada na operação Carne Fraca, da Polícia Federal?

GRANT – Não somos ligados à indústria de carnes, mas estou bem impressionado de como o ministro Blairo Maggi está lidando com a operação da Polícia Federal. Ele vem comunicando intensamente o quanto o governo está engajado em resolver qualquer tipo de problema encontrado pela fiscalização. A marca
do Brasil na pecuária é muito forte e eu sinto que o governo está conseguindo reverter o jogo.

DINHEIRO – Quais são as suas expectativas para a próxima safra mundial?

GRANT – É muito cedo para se ter alguma previsão de números. Ainda não há uma precificação fechada, mas os cultivadores estão focando na produção global e as boas notícias são que estamos tendo bons avanços em produção. Eu estou extremamente impressionado com o atual momento do setor.