Durante quase cinco séculos, de 1420 a 1912, a sede do poder imperial chinês foi o conjunto de centenas de palácios e templos conhecido como a Cidade Proibida. O nome refere-se às várias restrições à entrada de qualquer um que pudesse ser uma remota ameaça ao poder dos imperadores. A tradição continua. No fim de setembro, as autoridades chinesas decretaram que as criptomoedas estavam proibidas na China. As justificativas foram temores, por parte do governo, de lavagem de dinheiro e jogo ilegal. Porém, o que preocupa mesmo Pequim é a ameaça que as criptomoedas representam para o yuan digital.

No que foi o comunicado mais duro já divulgado, o Banco do Povo, banco central chinês, informou que minerar e negociar qualquer ativo digital passam a ser atividades terminantemente proibidas aos cidadãos e às empresas de comércio eletrônico chinesas. Está proibido também usar as corretoras de criptomoedas que ficam fora da China, e os funcionários dessas empresas que por acaso trabalham no país estão sujeitos à investigação — na mais benigna das hipóteses.

Para não deixar dúvidas de que a paciência de Pequim se esgotou, o comunicado foi assinado pela Suprema Corte, pelos fiscais do mercado de valores mobiliários e pela polícia do Estado, em um total de nove instituições. Ou seja, espera se uma pequena disputa para decidir quem vai cuidar dos transgressores à moda chinesa. Como era de se esperar, o anúncio provocou fortes oscilações nas cotações da bitcoin e de outras criptomoedas, mas os valores se recuperaram em pouco tempo (observe o gráfico).

Não foi o primeiro movimento nesse sentido. Em abril, o governo chinês já havia proibido a mineração de criptomoedas, com a justificativa de que a atividade consumia energia demais e agravava o crônico problema da poluição no país. Antes da decisão, a China representava 47% da capacidade computacional mundial dedicada à mineração, um indicador conhecido como “hash rate”. A decisão provocou uma escassez de bitcoins por algumas semanas, enquanto a maioria dos grandes mineradores transferia suas operações para outros lugares. Agora, para garantir que nenhum minerador vai atuar clandestinamente, as autoridades provinciais e municipais estão obrigadas a reportar consumos anormais de energia. E os tribunais chineses reconhecem que possuir criptomoedas não é crime. Por enquanto.

YUAN DIGITAL A decisão é mais um passo na direção de banir as criptomoedas da economia. A meta é abrir espaço para o yuan digital, que é a grande aposta de Pequim para internacionalizar o mercado financeiro chinês sem abrir mão dos controles rígidos sobre essa atividade. Isso é demonstrado pela menção específica das autoridades de incluir na proibição os “stablecoins”, que são criptomoedas ligadas a moedas como o dólar ou o euro. Isso confirma que as autoridades reconhecem a importância dos “stablecoins”. Pequim não fala a respeito, mas quem conhece o assunto avalia que sua estratégia será lançar uma criptomoeda ligada ao yuan que tenha a chancela das autoridades monetárias, introduzi-la aos poucos na economia chinesa e, em seguida, disseminar seu uso por empresas de outros países, que estejam interessadas em fazer negócio com a segunda maior economia do mundo sem ter de recorrer ao dólar. “Será um dos maiores passos para transformar o yuan em uma nova moeda de referência, como o dólar ou o euro”, disse à Reuters o sócio da divisão chinesa da PwC dedicado a criptomoedas, Henry Chang. Sua avaliação é que o mercado ainda vai apresentar muitos solavancos à medida que novas restrições forem sendo colocadas em prática. Para as criptomoedas e as pessoas que nelas investem, a China será cada vez mais uma área proibida.