Por volta das 15 horas da quarta-feira 24, o clima ficou tenso na Esplanada dos Ministérios. À espera de uma reunião, a reportagem da DINHEIRO estava em frente à entrada do Ministério da Fazenda quando, a poucos metros, do outro lado do Eixo Monumental, uma fumaça preta começou a sair do Ministério da Agricultura. Assustados e incrédulos, servidores de terno e gravata olhavam pela janela a ação de vândalos mascarados que, infiltrados em meio a 35 mil sindicalistas e estudantes, passaram a quebrar o patrimônio público e a atear fogo em tudo o que viam pela frente.

Poucos segundos depois, começou a correria e logo foi possível sentir os primeiros efeitos das bombas de gás lacrimogêneo arremessadas pelos policiais militares. A ordem para evacuar todos os prédios públicos chegou ao mesmo tempo em que cerca de 50 homens da Força Nacional marchavam em frente ao edifício-sede da Fazenda. Naquele momento, estava sendo escrito mais um triste capítulo da maior crise política e econômica do País.

Brasília pega fogo: policiais se postam em frente ao Congresso para evitar invasão de manifestantes
Brasília pega fogo: policiais se postam em frente ao Congresso para evitar invasão de manifestantes (Crédito:Givaldo Barbosa/Agência O Globo)

Naquela tarde, o ministro Henrique Meirelles desistiria de retornar ao seu gabinete. Reagendados para outros locais, os compromissos foram cumpridos como, por exemplo, uma reunião com parlamentares para definir os detalhes de um novo Refis, que agora será mais atraente para as empresas endividadas. Em meio ao caos político, que se intensificou após a delação da JBS, a equipe econômica vem tentando manter o ritmo dos trabalhos para evitar a queda da confiança de consumidores e empresários, e afastar o temor da volta da recessão.

A missão, no entanto, é hercúlea, pois a bola do jogo está no campo do Congresso Nacional. São os deputados federais e os senadores que vão dizer sim ou não às reformas estruturais, aos projetos e às Medidas Provisórias (MPs) que tratam de temas econômicos, essenciais para o êxito do plano traçado por Meirelles para recolocar o País nos trilhos do crescimento. E, nesse contexto, um Executivo fragilizado é um empecilho.“Não há incertezas sobre a política econômica”, afirma o ministro da Fazenda. “A última coisa de que precisamos agora é começar a ter problemas na economia por causa das questões que estão sendo debatidas na arena política.”

Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Kaduna Consultoria: “Independentemente dos problemas políticos, as reformas não podem parar”
Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Kaduna Consultoria: “Independentemente dos problemas políticos, as reformas não podem parar” (Crédito:Luis Ushirobira/Valor)

Além de definir o andamento da pauta econômica, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal também protagonizarão os lances decisivos no plano político. Se o presidente Michel Temer deixar o cargo – hipótese que tem 70% de chances de ocorrer, segundo a consultoria Eurasia –, a escolha do seu substituto passará por uma eleição indireta no Congresso Nacional. Neste cenário, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), terá 30 dias para convocar o pleito, que já tem vários “candidatos” na lista de especulações, inclusive o próprio Maia (leia quadro “Eleição indireta e indefinida”).

Há três possibilidades de Temer deixar a presidência: renúncia, impeachment ou cassação da chapa Dilma-Temer. O primeiro cenário ainda é considerado improvável pelos aliados do peemedebista. Enquanto o PSDB e o DEM estiverem na base, a governabilidade de Temer segue sólida, apesar da sua baixa popularidade. Já a hipótese de impeachment é, além de remota, muito demorada. Em primeiro lugar, seria necessário que o presidente da Câmara aceitasse um dos 13 pedidos que foram protocolados.

“Eu não posso avaliar uma questão tão grave como essa num drive-thru”, afirmou Maia, na quarta-feira 24. “A Câmara tem uma agenda com foco e objetivo, que é a recuperação econômica do Brasil.” Mesmo que Maia acate um dos pedidos, a sua tramitação levará meses e dependerá da aprovação de dois terços da Câmara e do Senado. Resta, portanto, a possibilidade de cassação da chapa Dilma-Temer, cujo julgamento foi marcado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para 6 de junho. “Se o TSE cassar a chapa, o PSDB cai fora do governo”, diz à DINHEIRO um parlamentar tucano de alta plumagem. Neste caso, Temer ainda poderia recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas seus aliados avaliam que a governabilidade ficaria muito frágil.

Do ponto de vista prático, no entanto, a saída do presidente da República ainda é um mero exercício de futurologia. Temer segue no Palácio do Planalto com a missão de criar as condições políticas para melhorar a economia. “O governo não parou”, afirma à DINHEIRO Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil (leia entrevista ao final da reportagem). Na terça-feira 23, o governo conseguiu mobilizar deputados para aprovar, na Câmara, a MP que autoriza o saque das contas inativas do FGTS.

Congresso ferve: senadores de oposição e situação entram em confronto durante discussão do texto da reforma trabalhista
Congresso ferve: senadores de oposição e situação entram em confronto durante discussão do texto da reforma trabalhista (Crédito:Alessandro Dantas)

A medida contou com o apoio de parlamentares da oposição e foi chancelada, dois dias depois, pelo Senado. Com potencial de injetar R$ 40 bilhões na economia, a medida tem ajudado a aquecer o comércio e as famílias a quitar dívidas. No Senado, no entanto, o ambiente não tem sido nada amistoso. A leitura do relatório da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), na terça-feira 23, terminou em confusão generalizada.

A tramitação é um termômetro sobre a capacidade do governo de aglutinar a base para o maior desafio de todos: mudar as regras de aposentadoria. Em meio a gritos e sopapos entre os parlamentares, o presidente da CAE, Tasso Jereissati (PSDB-CE), encerrou a sessão e considerou válida a leitura. A oposição esperneou e o clima de animosidade contaminou os trabalhos do Congresso no dia seguinte. Enquanto bombas explodiam do lado de fora, num confronto entre policiais e sindicalistas, novamente os parlamentares ignoravam o decoro e trocavam insultos e empurrões na Câmara.

Venilton Tadini, presidente da Abdib: “A agenda de reformas não pode ser atrelada a oscilações políticas de curto prazo”
Venilton Tadini, presidente da Abdib: “A agenda de reformas não pode ser atrelada a oscilações políticas de curto prazo” (Crédito:Carol Carquejeiro/Valor)

O estopim foi o decreto do presidente Temer que convocou as Forças Armadas para controlar os vândalos, medida que foi revogada menos de 24 horas depois. “As manifestações ocorreram com exageros”, afirmou Temer em um pronunciamento nas redes sociais. “O Brasil não parou e não vai parar.” No meio empresarial e financeiro, há uma enorme angústia em torno do futuro das votações, principalmente a que envolve a reforma da Previdência, considerada o grande nó fiscal do País.
“Vivemos um momento político difícil, mas me incluo entre aqueles que advogam que todo o esforço da área econômica não seja perdido”, disse Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a investidores do setor de infraestrutura, na terça-feira 23. “O Congresso prestará um grande serviço se não paralisar as reformas.” Em seguida, o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, garantiu que “não há nenhuma paralisia” no governo.“O Brasil não pode parar, e temos de continuar organizados pelas reformas e pela retomada do crescimento.”

O vice-chairman do Grupo de Líderes Empresariais (Lide) e presidente da Kaduna Consultoria, Roberto Giannetti da Fonseca, vai organizar uma comitiva do setor privado a Brasília para sensibilizar os parlamentares a não desistirem do plano econômico. “Independentemente dos problemas políticos, as reformas não podem parar”, diz Fonseca. O ministro da Fazenda tenta manter um discurso otimista para os investidores.

Em uma recente conferência telefônica com 1.400 estrangeiros, organizada pelo banco J.P.Morgan, Meirelles ressaltou, em inglês, que há oportunidades no Brasil para quem olha para o futuro. Neste contexto, o pacote de concessões na área logística oferece retornos atraentes. Na avaliação do presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, a manutenção do núcleo da equipe econômica é importante para tranquilizar os investidores.

“A agenda das reformas não pode ser atrelada a oscilações políticas de curto prazo”, afirma Tadini. “É uma questão de Estado e não de um partido político.” Portanto, especulações sobre a substituição de Meirelles pelo ex-ministro Armínio Fraga, em caso de troca de presidente, só atrapalham o País, avaliam empresários ouvidos pela DINHEIRO. Na manhã da quinta-feira 25, homens do Exército ainda tomavam conta da Esplanada dos Ministérios.

Na entrada dos edifícios, os coturnos dos soldados contrastavam com os cacos de vidro espalhados em oito ministérios, que ficaram destruídos. O clima era absolutamente calmo, pois a maioria dos cerca de 500 ônibus da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Força Sindical já tinha deixado a capital federal. Com o Palácio do Planalto acuado, cabe ao Congresso dar uma demonstração de grandeza e, juntando os estilhaços da crise, aprovar as reformas para garantir um futuro minimamente próspero ao País.

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“Base de sustentação do governo continua forte e firme. O governo não parou”

Eliseu Padilha, Ministro-chefe da Casa Civil

Na Esplanada dos Ministérios, a ressaca de protestos levou o governo a convocar as Forças Armadas para as ruas de Brasília. Do lado de dentro do Congresso Nacional, parlamentares trocaram socos e desavenças. Nesse clima bélico, em meio à maior crise do governo do presidente Michel Temer, um de seus assessores mais próximos, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, conversou com a DINHEIRO, na tarde da quinta-feira 25. Na entrevista, o ministro descarta a hipótese de renúncia de Temer e ressalta a força da base para seguir com a pauta de reformas. Confira abaixo:

Há um mês, quando entrevistamos o senhor, na Casa Civil, o quadro econômico não era tão bom como observado nos últimos números, mas o quadro político era muito mais estável. Como o governo está trabalhando para continuar obtendo êxitos na economia, sem que a política atrapalhe?
Política se faz conversando. E o presidente Michel Temer tem se dedicado, até altas horas da noite, a conversar com políticos, conversando sobre política com políticos. Conseguimos fazer com que o Congresso Nacional trabalhasse com regularidade, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado trabalharam ontem [quarta-feira 24] e votaram. O Senado hoje [quinta-feira 25] já está votando também. Já aprovou a Medida Provisória para a liberação das contas inativas do FGTS, que tinha sido aprovada ontem na Câmara. Estamos tendo um processo legislativo que continua, a base de sustentação do governo continua forte e firme no Congresso Nacional.

Qual o seu prognóstico para a tramitação da reforma trabalhista? O senhor acha que será votada no Senado?
A reforma trabalhista deverá ser votada no Senado conforme tinha sido programado anteriormente.

E a reforma da Previdência? O governo tentava obter uma margem de 320 votos na Câmara para ter uma folga e atingir os 308 votos necessários. Como está a conta hoje?
Continuamos trabalhando rigorosamente na mesma direção. A gente sente que já tem mais votos do que tinha naqueles dias, mas, por enquanto, é temerário falar em qualquer número. Estamos cuidando de trabalhar junto aos parlamentares, especialmente aqueles que tinham dúvidas, esclarecer as suas dúvidas, porque houve muita desinformação nessa questão da reforma da Previdência. Então, estamos com a informação correta, eliminando as desinformações e daí conseguindo um maior apoio.

Mas tem algum calendário? Deve haver algum tipo de atraso?
Não. Nós trabalhamos com a hipótese de votar, e isto é do presidente [da Câmara dos Deputados] Rodrigo Maia, na semana do dia 6 ou na semana do dia 13 de junho.

A semana do dia 6 de junho coincide com o julgamento do TSE da chapa Dilma-Temer. O senhor não acha que uma coisa pode contaminar a outra?
Não, são coisas completamente diferentes. Até porque temos muita confiança que a tese sustentada pelo nosso presidente [de separação das contas de Temer e da ex-presidente Dilma Rousseff] será vencedora.

Qual é a avaliação do governo sobre os protestos de ontem [quarta-feira 24]?
Foi um protesto literalmente orquestrado por centrais sindicais e por partidos políticos de oposição. Portanto, o resto do julgamento eu deixo por conta de cada um. Mas tem de se mostrar claramente quem são os responsáveis pelo que aconteceu ontem.

Não é, portanto, uma manifestação da população…
Não, não tem nenhuma manifestação popular. Ali todo mundo era vinculado a algum sindicato ou partido.

O senhor acha que o clima tenso do lado de fora contaminou o lado de dentro do Congresso Nacional? Teve empurra-empurra, um certo estresse…
Não. O que teve lá dentro foi mais ou menos o esperado. A oposição tentou levar o clima da rua para dentro da Câmara e do Senado. Mas nenhum dos casos foi bem sucedido. Nós conseguimos agir como tínhamos de agir na Câmara e no Senado. Tanto o Senado e a Câmara trabalharam com a autonomia que lhes caracteriza.

Qual foi a avaliação em relação ao decreto das Forças Armadas?
Se nós estávamos com os prédios sendo incendiados e precisávamos de um contingente que pudesse fazer frente a isso, para proteger os prédios públicos do governo federal, eu acho que a solicitação do presidente da Câmara foi oportuna e a edição do decreto, também. Como também foi oportuna já a edição de novo decreto hoje [quinta-feira 25] revogando o de ontem, porque o clima já é de normalidade.

A ideia inicial era que a Força Nacional de Segurança assumisse o papel ou era o Exército mesmo?
Quando [o pedido] chegou ao presidente, havia a necessidade de uma presença física imediata. A Força Nacional de Segurança tem lotado aqui em Brasília em torno de 100 homens, não tendo, nem de longe, condições de fazer a proteção de que os prédios necessitavam. Então, se buscou a incorporação do Exército através de um procedimento chamado GLO, que é a Garantia da Lei e da Ordem. Ele é normal, é o que se adotou lá no Rio de Janeiro [durante o processo de pacificação das favelas em 2013], é o que se adotou lá em Natal [durante as rebeliões nos presídios no início de 2017], no Rio Grande do Norte, e é o que se adotou em Porto Alegre [em 2016, quando houve greve da Polícia Civil].

Como senhor, que está muito próximo do presidente Temer, avalia a saída de tantos assessores direto deles, o último deles sendo o ex-deputado federal Sandro Mabel?
Cada assessor tem lá as suas particularidades e isto escapa, foge, da questão da relação pessoal com o presidente. Bom seria se fosse possível que todos pudessem trabalhar juntos, mas cada um sabe das suas peculiaridades. O Sandro preferiu ir trabalhar lá na liderança do governo.

Isso não mostra um isolamento do presidente da República?
Não, pelo contrário. O presidente Temer escolhe os seus assessores, ele tem uma plêiade de assessores que continua. Temos sediados aqui, no Palácio [do Planalto], outros quatro ministérios, considerando a Casa Civil junto. Portanto, de nenhuma forma o presidente está isolado, ele continua com a franquia que ele tinha e tem.

O senhor avalia que o PSDB continua firme no governo?
Acredito que, por tudo que leio e ouço, ele continua firme. Ontem [quarta-feira 24] até houve uma reunião e saiu a decisão deles de que continuavam firmes no governo.

E o papel do PMDB? O senhor como fundador do MDB, como tem visto o comportamento rebelde do senador Renan Calheiros (PMDB-AL)?
O Renan Calheiros é um político muito qualificado, muito hábil e tem lá as suas razões pessoais para o comportamento que está adotando. A bancada de senadores do PMDB está preocupada e vai ver como acerta com o Renan nesta condução da bancada.

O senhor sente que a equipe econômica está realmente blindada e conseguindo dar andamento na agenda?
A equipe econômica continua com a mesma franquia, com a mesma facilidade que tinha para conduzir todo o processo da política econômica do governo. Quando se fala do ministro Meirelles [Fazenda], ele tem tido condições amplas de ser o condutor da política econômica que está trazendo o Brasil de volta aos trilhos. Estamos com a inflação abaixo de 4%, com os juros caindo vertiginosamente, já estamos tendo a geração de empregos. A área econômica está muito bem, dando conta do seu encargo.

Os empresários estão preocupados se esta crise política pode fazer com que o Banco Central (BC) não reduza mais com tanto ímpeto os juros. Pode ter algum impacto no trabalho do BC?
O BC tem suas próprias diretrizes e pressupostos, as condições sobre as quais ele vai baixar ou elevar os juros. Isto será considerado no devido momento. Não teremos condições favoráveis como vínhamos tendo anteriormente, quando já havia queda nos juros.

E as concessões de infraestrutura? O cronograma está mantido? Os estrangeiros terão coragem de investir no Brasil em meio a esse tumulto?
O cronograma que foi estabelecido será mantido. Estamos tendo plena regularidade nas ações do Executivo e do Legislativo. Não vejo por que, quem quisesse investir no Brasil, não viria aqui investir com todas as condições que o Brasil tem de se tornar amanhã um grande player de mercado. Então, acho que não temos prejuízo daqueles que são verdadeiros investidores. Quem investe, não investe pensando no curto prazo, olha no longo prazo e, no longo prazo, o Brasil tem um encontro marcado com o desenvolvimento.

Uma eventual renúncia do presidente Michel Temer é algo totalmente descartado no Palácio do Planalto?
Este tema não foi e não é objeto de discussão no Palácio.

O senhor está absolutamente tranquilo em relação às investigações da Operação Lava Jato?
A minha função agora é governar. A minha pauta é de ministro da Casa Civil e tenho que fazer com que o governo ande. A questão da Lava Jato, por aconselhamento do advogado, deixei que ele orientasse a nossa participação apenas nos autos do processo. É um tema que eu não discuto em público.

Podemos afirmar então que o governo não parou? As coisas continuam funcionando?
O governo não parou, continua com plena regularidade.