Na quarta-feira 22, poucas horas antes de o Banco Central realizar a reunião para decidir a taxa básica de juros, sindicalistas tomaram faixas da avenida Paulista, no coração financeiro do País, para pressionar por um corte mais agressivo da Selic. O “bloco dos juros baixos” simulou um Carnaval antecipado, com fantasias, banda, ala das baianas e marchinhas que diziam o seguinte: “Explode coração/ de tanta felicidade/ em ver os juros baixos/ mais trabalho e saúde pra cidade”.

A redução dos juros é uma das pautas mais consensuais da economia hoje. Reúne do mesmo lado trabalhadores e empresários, que nem por isso concordam em como chegar lá. Enquanto os “foliões da Paulista” protestam contra a reforma da Previdência, por exemplo, os representantes da iniciativa privada enxergam nela um pilar para sustentar um nível mais baixo do custo do capital nos próximos anos. Uma convenção informal diz que o ano só começa depois da Quarta-feira de Cinzas. A máxima é ainda mais verdadeira para o Congresso. Depois do Carnaval, entrará em cena no Legislativo um verdadeiro bloco das reformas necessárias para devolver ao País as condições de crescimento sustentado: a trabalhista, a tributária e a da Previdência.

Em reunião com os membros da comissão da reforma da previdência, na terça-feira 21, temer reforçou a necessidade de revisar as regras da aposentadoria
Em reunião com os membros da comissão da reforma da previdência, na terça-feira 21, Temer reforçou a necessidade de revisar as regras da aposentadoria (Crédito:Beto Barata/PR)

Esta última se destaca como a comissão de frente. Sem ela, o teto dos gastos aprovado no ano passado não para em pé. É, portanto, condição essencial para estancar a tendência explosiva da dívida pública. Os cenários da maior parte dos analistas incorporam a aprovação do projeto. “Se não aprovar, não tem a retomada do PIB e poderíamos até ter recessão”, afirma Marco Bismarchi, sócio da TAG Investimentos. Num cenário mais drástico, traçado pela Tendências Consultoria, a recessão chegaria a quase 2% neste ano sem a revisão das aposentadorias elaborada pelo economista Marcelo Caetano, secretário de Previdência.

A reforma afasta a hipótese de calote, diminui o risco-país, contribui para atrair mais recursos do exterior, sustentando um dólar mais barato. O resultado é um efeito positivo na inflação, que permite um nível de juros mais baixo. A TAG prevê um crescimento de 0,5% do PIB neste ano. Já a Tendências trabalha com o cenário-base de PIB de 0,7%, com 60% de probabilidade de se confirmar. Uma conjunção de fatores cria um ambiente mais propício para aprovação do que nas tentativas anteriores: a pressão do teto de gastos, a atual devastação da economia e a necessidade de contrapor o avanço da Lava Jato com uma pauta propositiva.

A revisão do sistema obriga os brasileiros a trabalhar mais tempo, com regras como a adoção da idade mínima de 65 anos e a equivalência entre homens e mulheres. “Reforma da Previdência não dá voto em lugar nenhum do mundo”, afirma Carlos Melo, cientista político do Insper. “Quem está fazendo isso são as circunstâncias: o governo entende que o que pode salvar é a melhora da economia.” Ele alerta, porém, para o risco de alterações de parlamentares que podem minar os efeitos pretendidos. “A reforma se faz não pelo título de sua aprovação, mas porque há problemas fiscais.”

Folia no protesto: em manifestação contra os juros altos, na quarta-feira 22, sindicalistas simularam um Carnaval antecipado
Folia no protesto: em manifestação contra os juros altos, na quarta-feira 22, sindicalistas simularam um Carnaval antecipado (Crédito:Marcelo S. Camargo/Framephoto)

Alguns pontos de consenso já parecem claros no Legislativo. Ao que tudo indica, serão afrouxadas as regras de transição, que exigem um pedágio para os trabalhadores com 45 anos ou mais, e no tempo necessário para se conquistar o teto do benefício, de 49 anos. Não faltarão pressões. Uma emenda protocolada na quarta-feira 22 pelo deputado Paulinho da Força, da base aliada, prevê idade mínima de 60 anos para homens e 58 anos para mulheres. Segundo ele, o texto tem o apoio de cerca de 300 deputados.

Para os analistas, as negociações tornam incerta a previsão do governo de aprovação total no primeiro semestre – o Palácio espera uma votação no plenário da Câmara até abril. O mais provável é que a decisão final saia até meados do segundo semestre, embora o presidente Michel Temer venha tentando passar a mensagem de urgência. “Temos a consciência de que ou você arruma a casa de natureza previdenciária ou você tem mais adiante um desastre”, afirmou em reunião com membros da Comissão da Reforma da Previdência, no Palácio do Planalto, na terça-feira 21. Para ser aprovada, a proposta precisa de maioria absoluta (257 deputados e 41 senadores), em dois turnos de votação em cada Casa.

MAIS REFORMAS Em paralelo à questão da aposentadoria, considerada a mais difícil das reformas, o governo vai colocar na avenida o bloco da modernização das leis trabalhistas. Enviada no final do ano passado, a proposta, comandada pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, prevê como pontos principais a prevalência das negociações entre trabalhadores e patrões sobre a legislação, a ampliação do período de contrato temporário e a regulamentação da terceirização. O relator do projeto, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), estimou ser possível votar o relatório final na comissão no início de maio.

DIN1007_BLOCO4Os debates incluem a convocação de mais de 100 especialistas e ao menos 16 audiências públicas por todo o Brasil. Os analistas enxergam menos resistência nas mudanças, o que poderia fazer com que a aprovação saísse antes da reforma da Previdência. O governo Temer também decidiu endossar o texto da reforma tributária em tramitação no Congresso. A previsão é extinguir seis tributos e agregar a maioria deles no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cuja arrecadação ficaria a cargo de um Superfisco. No conjunto da reforma, que vem sendo debatida com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, também está prevista a recriação da Contribuição sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Em reunião no Palácio do Planalto, na terça-feira 21, Luiz Carlos Hauly (PSDB-RN), ex-secretário da Fazenda do Paraná e relator da proposta, buscou afinar o texto com o governo. Segundo ele, o mecanismo que garante a manutenção da partilha atual dos recursos por um período de cinco anos aumenta as chances de apreciação desta vez. “A reforma tributária está mais avançada porque tem uma comissão instalada há mais de um ano”, afirma Hauly. “Tão logo a gente chegue a um consenso do texto, o que deve durar mais uns dois meses, ela pode ir a plenário.”

A questão tributária é vista como complexa pelos analistas, que consideram improvável uma aprovação neste ano, ao contrário do relator. Para eles, faz sentido uma pauta com reformas simultâneas. “Há lógica em tentar colocar tudo sabendo que não vai conseguir aprovar na íntegra”, diz Melo. “Conseguir um pouco de cada, vai significar algo.” Para a economia, o resultado significaria um ambiente de negócios mais dinâmico, com mais chances de garantir a sustentabilidade de juros razoáveis como cobrado pelo bloco da avenida Paulista. Em tempo: na reunião de quarta-feira 22, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu a taxa básica em 0,75 ponto percentual, repetindo a decisão do encontro anterior.