A crise econômica no Brasil, junto com seus contornos políticos, já se estende por quase quatro anos. Para grande parte das empresas nacionais, esse período trouxe muitos dissabores, dificuldade de encontrar demanda a seus produtos e serviços, além de variações preocupantes do câmbio. Do início de 2015 para cá, o dólar subiu 24%, e agora tem se mantido no patamar dos R$ 3,30. O último boletim Focus de junho, que congrega as estimativas dos analistas, prevê que o dólar irá valer, ao fim de 2018, R$ 3,40. Mas algumas companhias estão menos preocupadas com o impacto do preço das importações e do enfraquecimento do real. São as mais internacionalizadas do País.

Pode ser por conta de um volume alto de exportações ou por meio de subsidiárias que possuem no exterior, empresas como Stefanini, Fitesa, Gerdau e Votorantim, entre outras, contam com uma espécie de proteção anticrise, uma verdadeira blindagem externa. “Numa crise, como essa, que não é só econômica, mas também ética e moral, é natural muitas empresas buscarem vender mais para fora”, diz Marco Stefanini, fundador da empresa de serviços de desenvolvimento de software Stefanini. “Mas, para fazer um movimento global, é preciso de estratégia de muito longo prazo. Não é só apontar o canhão. É preciso aprender sobre os mercados em que vai atuar.”

Metade do faturamento de R$ 2,6 bilhões da companhia paulista vem do exterior. “Não somos simplesmente exportadores, mas temos operações verdadeiramente internacionais”, diz. Dos 21 mil funcionários, cerca de 9 mil estão espalhados pela América do Norte, América Latina, Europa, Ásia, África e Austrália. São 41 países, incluindo o Brasil. A companhia, fundada em 1987 com um singelo escritório na casa de Stefanini, aproveitou a crise financeira global da virada da última década para comprar ativos externos – principalmente, nos EUA. O resultado, diz Stefanini, é uma operação mais equilibrada. Quando o mundo passava por uma crise, as vendas no Brasil ajudaram. Agora, num ano mais difícil, como está sendo 2017, são as vendas externas que compensam o capenga mercado doméstico.

“Ganhamos participação e crescemos mesmo em 2015 e 2016 no Brasil, mas o setor encolheu e uma hora se esgotam as melhorias de eficiência”, afirma. As exportações para os EUA e a Europa acontecem, principalmente, a partir das Filipinas, Romênia e Índia. O câmbio ajuda as vendas a partir do Brasil, tornando as operações locais mais competitiva, mas os contratos não podem ser movidos livremente de um país para outro de acordo com as vantagens cambiais. Afinal, os acordos com os clientes costumam durar cinco anos e são atrelados a equipes específicas, por questão de relacionamento com o contratante, que precisa aprovar qualquer alteração de região de prestação de serviços.

Atualmente, 60% das receitas da Gerdau vieram de suas unidades espalhadas fora do Brasil (Crédito:Divulgação)

A economia atual, apesar de dificultar os investimentos por parte das companhias brasileiras, deve ter um impacto positivo na globalização das grandes nacionais. “O grau de internacionalização sempre melhora gradualmente, mas agora a crise tem forçado mais as empresas a olhar para fora”, diz Lívia Barakat, professora da Fundação Dom Cabral e uma das autoras do estudo anual da instituição que avalia as companhias nacionais mais avançadas em negócios no exterior. “Mesmo desconsiderando os efeitos de um dólar mais forte, percebemos um aumento das vendas originadas em escritórios externos. Não dá mais pra depender só do mercado brasileiro.”

A cada ano, 20% das empresas internacionais brasileiras aumentam os seus graus de internacionalização. Há, no entanto, indícios de um apetite maior, no momento. No último relatório, divulgado em 2016, quase 80% das companhias afirmavam querer ampliar a internacionalização de seus negócios. Em alguns casos, o processo de internacionalização pode ser rápido. A empresa líder do ranking da Dom Cabral é a Fitesa, fabricante de matéria-prima para fabricação de absorventes e fraldas, que aproveitou uma oportunidade para se globalizar. Ela adquiriu em 2011 a totalidade de uma joint-venture que tinha com a inglesa Fiberweb, garantindo 10 plantas em oito países e mais que dobrando de tamanho.

Com isso, estreou no ranking de empresas mais internacionalizadas já no primeiro posto, o qual mantém até hoje. Atualmente, mais de 70% de seu faturamento vem do exterior. Uma das razões para o interesse é a possibilidade de diversificar os riscos. A Gerdau tem se beneficiado disso. “Enquanto o Brasil enfrenta os seus problemas de país emergente, a economia americana é madura e mostra potencial de iniciar diversos projetos de infraestrutura”, diz Harley Scardoelli, vice-presidente de finanças da siderúrgica gaúcha. Nos últimos 12 meses, até março, 60% da receita da companhia, que atinge R$ 37,6 bilhões anuais, vieram do exterior, contabilizando as operações nos 12 países em que atua.

Garantir uma geração de caixa em moeda estrangeira tem outro benefício além da proteção contra os contratempos internos e eventuais tropeços do real. “Permite a captação de financiamento externo, que traz uma dívida com um custo mais atrativo e com prazo de até 30 anos”, afirma o executivo. Outro importante grupo nacional que deve aproveitar de sua forte posição no exterior é o Votorantim. Ele avalia a abertura de capital, no segundo semestre, da Votorantim Metais, que vende zinco e seus subprodutos e tem sido a divisão mais rentável do conglomerado nos últimos anos.

“Isso é possível porque a Votorantim Metais é a nossa operação com mais cacoete internacional, e tem escritório em Luxemburgo”, disse à DINHEIRO, recentemente, João Miranda, presidente do grupo. A internacionalização, no entanto, não traz apenas alegrias. Segundo Barakat, da Fundação Dom Cabral, as companhias costumam reclamar de alguns grandes desafios. Há as dificuldades culturais, de entender a demanda do mercado local, de descobrir a melhor proposta na oferta de produtos e serviços, e de conhecer o ambiente de negócios de cada país, com as suas questões tributárias, administrativas e de relação com os diferentes públicos. O esforço, no entanto, tem se provado recompensador.