Numa análise do final do ano passado para o plano de negócios dos próximos cinco anos, gestores da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae) do Rio de Janeiro elencaram como principais forças da empresa a imagem junto ao público, a marca consolidada e a satisfação dos funcionários em integrar o grupo. No lado das ameaças, foram incluídas a necessidade imediata de caixa do governo estadual, seu controlador, a pressão política e a hipótese de perda de concessões. Os riscos tornaram-se reais nos últimos dias com o acordo de socorro firmado entre o governo fluminense e a União, em que a privatização da companhia serve de garantia para empréstimos que aliviarão o caixa estadual.

O modelo do pacto será usado nas negociações com outros Estados em dificuldades e deve envolver estatais consideradas jóias da coroa em suas regiões. O Rio Grande do Sul já iniciou as tratativas com o governo federal. O Estado sinaliza com três empresas públicas à disposição: de energia elétrica (CEE), de mineração (CRM) e de fornecimento de gás (Sulgás). O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, confirmou, porém, que o Banrisul faz parte das conversas. Embora rechaçada pelo governo gaúcho, a hipótese levou as ações do banco a uma alta de 14% na quinta-feira 26.

ALVO DE RESISTÊNCIA: na reabertura dos trabalhos legislativos no Rio de Janeiro, na quarta-feira 1, manifestantes voltaram a protestar contra o ajuste
ALVO DE RESISTÊNCIA: na reabertura dos trabalhos legislativos no Rio de Janeiro, na quarta-feira 1, manifestantes voltaram a protestar contra o ajuste (Crédito:Marcio Alves / Agência O Globo)

Cinco dias depois foi a vez da Cemig informar não ter conhecimento sobre processos de privatização. Rumores de que ela entraria numa eventual ajuda a Minas Gerais fizeram os papéis do grupo subirem 7% num dia. Assim como as administrações fluminense e gaúcha, os mineiros decretraram estado de calamidade financeira e enfrentam dificuldades para honrar a folha de pagamentos. Um levantamento feito pela Fitch Ratings mapeou nove empresas estatais que podem ser envolvidas nos acordos (seis no Rio Grande do Sul, duas em Minas Gerais e uma no Rio de Janeiro).

Somado, o patrimônio líquido dessas estatais equivale a R$ 34 bilhões, o correspondente a metade da dívida financeira dos três Estados em 2015. Apesar de reconhecer o alívio com os empréstimos, a agência ressalva que a venda das participações nas estatais levaria tempo. O projeto que permite a privatização da Cedae voltará a tramitar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) nos próximos dias e, se aprovado, autorizará o repasse de recursos dos empréstimos que viabilizarão o pagamento de salários atrasados – no total, serão R$ 6,5 bilhões em financiamentos. No Rio Grande do Sul, a expectativa é conseguir uma carência no pagamento de juros da dívida com a União, um alívio da ordem de R$ 4 bilhões até 2019.

Os planos dependem de uma articulação política pesada. Nos Legislativos estaduais, há forte resistência contra a privatização de companhias consideradas símbolos regionais. Na Alerje, funcionários públicos voltaram a protagonizar, na última semana, as cenas de confronto que contribuíram para suspender a tramitação do projeto da Cedae em 2016. Nesta hora, pesam os atributos levantados na análise do plano de investimento, que enaltecem a identidade regional da companhia e geram ressalvas até dentro da base do governo.

PATRIMÔNIO GAÚCHO: lucrativo e valioso, Banrisul entrou na mira do Ministério da Fazenda nas negociações de socorro com o governo do Rio Grande do Sul
PATRIMÔNIO GAÚCHO: lucrativo e valioso, Banrisul entrou na mira do Ministério da Fazenda nas negociações de socorro com o governo do Rio Grande do Sul (Crédito:Reprodução/Divulgação)

No Rio de Grande do Sul e em Minas Gerais, há outro agravante. A Constituição regional exige que as privatizações sejam precedidas de plebiscitos. Num pacote de ajuste enviado ao Legislativo no final do ano passado, o governo gaúcho incluiu emendas que autorizam a venda de três estatais sem a consulta pública: CEE, CRM e Sulgás. “Não vamos negociar o Banrisul”, afirma o deputado estadual Gabriel Souza (PMDB), líder do governo na Casa. “Se o governo federal disser que não interessa, teremos de procurar outras alternativas.” Uma equipe do Tesouro Nacional chega ao Estado nesta semana para uma análise das contas regionais.

Além da questã do plebiscito, o Banrisul ilustra a barreira subjetiva que estaria em jogo no processo. Fundado em 1928 e com um terço das agências gaúchas, ele é considerado uma peça fundamental de desenvolvimento regional, pela distribuição física dos pontos de atendimento e os cerca de R$ 190 milhões em dividendos que gera anualmente ao Estado. “Há uma ligação muito íntima com a economia gaúcha”, afirma Souza. De janeiro a setembro do ano passado, o banco lucrou R$ 494 milhões e seu valor de mercado na Bolsa beirava os R$ 8 bilhões até a semana passada (confira infográfico “As joias da coroa”).

Para Raul Velloso, especialista em finanças públicas, a venda dos ativos esbarra no orgulho regional e não resolve a emergência dos Estados. “Misturaram privatização, que é uma coisa demorada, de longo prazo, com a solução de liquidez emergencial.” Ainda assim, há quem acredite que a conta dos ajustes não fecha sem as grandes estatais. “Os Estados não têm mais de onde tirar”, afirma Jason Vieira, economista-chefe da Infinity. “Em algum momento vão chegar à conclusão de que as ‘joias da coroa’ terão de ser entregues.”

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