A pouco mais de seis meses do prazo final para o registro de candidaturas, a arena política é ainda um poço de incertezas. Sobram perguntas e faltam respostas capazes de balizar as expectativas de milhões de eleitores, investidores e empresários sobre a trajetória do País a partir de 2019. Tradicionalmente complexa, a corrida eleitoral conta com um complicador extra neste ano: o julgamento do ex-presidente Lula. É um imbróglio jurídico que acentua a falta de visibilidade sobre a direção das urnas. A decisão que será tomada na quarta-feira 24 antecipa o calendário eleitoral e justifica a produção de análises sobre as consequências econômicas da vitória de um populista. Trata-se de um quadro que o Brasil conhece bem. Nas eleições de 2002, o mercado oscilou a reboque do desempenho do ex-sindicalista, no que ficou conhecido como risco-Lula, que voltou à mesa com o cenário deste ano.

O líder petista não é o único a compor o rol de populistas na disputa. Próximo dele, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) tem chances reais de se eleger. Lula, porém, tem ideias mais conhecidas e é citado com frequência devido à sua posição de liderança nas recentes pesquisas de intenção de votos. Com as pendências jurídicas e a distância para o pleito, o cenário que prevalece atualmente entre consultores é de vitória de um candidato reformista, que dê continuidade à agenda econômica iniciada no governo Michel Temer. Embora diminuído, o risco-Lula aparece com a mesma dúvida presente no pleito de 2002: qual face ele assumiria numa eventual vitória? Populista, como no discurso? Ou mais pragmática e moderada? São questões válidas também para outros nomes tidos como mais radicais, dentro e fora do PT, em caso de inviabilidade do nome do ex-presidente, como os de Fernando Haddad, Jacques Wagner e Ciro Gomes (PDT).

O temor é que, desta vez, a primeira prevaleça sobre a segunda. Em discursos e entrevistas recentes, Lula e representantes do partido têm exposto uma visão radical, com ideologias enfáticas do passado, contrárias ao conjunto de medidas consideradas essenciais para resgatar a saúde das contas públicas e abrir caminho para o crescimento sustentado. De mais concreto, surgiu a ideia de um referendo revogatório que revise a regra do teto de gastos, a primeira e mais básica ferramenta do ajuste fiscal iniciado na gestão da equipe econômica do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também pré-candidato ao Planalto. “É criminoso ter uma lei que limite a possibilidade de investimento do Estado por 20 anos”, afirmou o líder petista em entrevista no final do ano passado (leia mais declarações abaixo).

A retórica petista é recheada de críticas sobre as reformas trabalhista e da Previdência, além de atos contra as privatizações, como a da Eletrobras. “O Lula sabe que não vai conseguir ser candidato”, afirma César Alexandre Carvalho, sócio da consultoria política CAC. “Quando está na oposição, marca posição com um discurso populista.” As críticas atuais se somam à memória de medidas heterodoxas adotadas nos governos de Dilma e até do próprio Lula, apontadas como responsáveis por acentuar o quadro de fragilidade fiscal e contribuir para a recessão que assolou o País entre 2014 e 2016. Manobras orçamentárias usadas para acobertar o quadro de piora das contas públicas levaram ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Na sua gestão, foi cunhado o termo Nova Matriz Econômica, uma proposta de política econômica de maior intervencionismo do Estado e menor rigor fiscal, com medidas como a redução forçada dos juros e desonerações tributárias.

Retórica populista: deputados petistas em evento contra a privatização na Câmara. À direita, a presidente do PT, Gleise Hoffmann, discursa a correligionários em ato contra a reforma da Previdência em Brasília (Crédito:Gustavo Bezerra e Divulgação)

A trajetória de Lula na Presidência foi marcada por um período inicial de pragmatismo, com a formação de uma equipe econômica alinhada ao mercado. O Banco Central, por exemplo, foi comandado por Meirelles, recém-saído de um banco privado, que não hesitou em subir as taxas de juros de maneira conservadora. Em seus dois mandatos, o petista foi beneficiado por um período bastante favorável no exterior, no chamado boom das commodities. Isso deu espaço para conduzir a economia com um peso sempre relevante do Estado. Houve expansão da máquina pública e a ampliação excessiva do papel das estatais. A política de crescimento sustentada no consumo, na expansão do crédito e no estímulo aos bancos públicos fez o Brasil se destacar no mundo, mas levantou dúvidas se não houve excessos e sobre sua sustentabilidade no longo prazo.

O quadro agora é diferente. Devido às restrições fiscais, o espaço é menor tanto para o avanço do crédito, como o da atuação do Estado na economia, fórmula que o petista propõe repetir, se eleito. “Diferentemente de 2002, quando Lula sinalizou com antecedência que não ia levar à frente o discurso radical, nesse momento o discurso carregado pelo PT e pelo Lula é de radicalização”, afirma o economista Bruno Lavieri, da 4E consultoria. “Fala-se em desfazer reformas e isso leva a crer num cenário de irresponsabilidade fiscal.” No cenário mais provável da consultoria, com continuidade de reformas, o País pode crescer uma média de 3,6% entre 2019 e 2022 e reduzir a velocidade de avanço do endividamento público. Numa eventual vitória de Lula ou de qualquer populista avesso a reformas, o PIB ficaria numa média de -0,9%, com inflação de dois dígitos, e a dívida avançaria para mais de 100% do PIB (confira o gráfico abaixo).

Entre os analistas, é predominante a percepção de que o petista não apoiaria agora uma reforma da Previdência caso ela não passe em 2018. A revisão é considerada a mais fundamental das mudanças porque a rubrica ocupa hoje cerca de 60% dos gastos públicos federais. Em 2018, o déficit previsto na Previdência é de quase R$ 200 bilhões. “O PT sempre cedeu a grupos de pressão, principalmente servidores federais, imagine num governo que se volte mais à esquerda”, afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. “É ilusão imaginar que ele vá fazer a reforma da Previdência que está aí.” Em seu cenário, uma vitória do Lula ou de um candidato petista levaria a uma recessão de até 1%, num primeiro momento, e o câmbio para mais de R$ 4.

Não é possível descartar um PT mais pragmático. Em entrevista à agência de notícias Bloomberg, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que não há razões para nervosismo do mercado. Ela lembra que o mundo das finanças foi beneficiário dos mandatos anteriores e destaca que o partido trabalha numa segunda versão da Carta ao Povo, que sinalizou, em 2002, um compromisso com a estabilidade. Falta coerência no discurso. Na mesma semana, a presidente da sigla afirmara, em tom radical, que para uma prisão de Lula teriam que “matar gente”. “Lula é historicamente uma incógnita, porque, apesar da vinculação com a chamada esquerda brasileira, é um político não progamático, sem convicção intelectual, ideológica e econômica”, afirma o cientista político do Insper, Fernando Schüler. Para ele, um eventual governo do petista seria marcado por um impasse, sem desatinos econômicos, mas sem avanço reformista. “Teria condições de fazer reformas, mas não teria agenda”, diz Schüler. “Também não adianta um governo pró-reforma sem capacidade política de implementação.”

A urgência das reformas se impõe devido à piora das contas públicas. O déficit primário se acumula desde 2014 e não deve ser revertido no próximo mandato mesmo com a implementação de mudanças estruturais. A dívida pública continuará subindo, mas em velocidade menor. Sem a regra do teto de despesas e sem revisões na composição do Orçamento, a perspectiva é de piora no endividamento e na percepção de risco do País, numa trajetória rumo à insolvência. A consequência seria inflação e juros mais altos, com impacto no potencial de crescimento. “Em 2002, tinha alguma margem de manobra, agora a gente não tem muita gordura”, diz o sócio da TAG Investimentos, Marco Bismarchi. “O Lula e o PT são hoje o principal risco, mas não o único.” Enquanto para o petista, o caminho é permeado de batalhas jurídicas, outros populistas podem se lançar e convencer o mercado.