WASHINGTON (Reuters) – Diante de evidências crescentes de que a política monetária flexível dos Estados Unidos contribuiu para o salto da inflação no ano passado, o banco central norte-americano (Fed) agora enfrenta o risco de ter saltado muito alto para o outro lado com seus planos de combater as pressões de preços por meio de contínuos aumentos agressivos da taxa de juros, mesmo enquanto a economia mundial oscila.

Os sinais de alerta de que uma supercorreção da política monetária se intensificaram conforme a intenção do Federal Reserve de “elevar e manter” sua taxa referencial tocou uma reprecificação global de ativos –ações e moedas caíram e os custos de empréstimos de governos e empresas aumentaram–, o que alguns analistas temem que tenha superado a capacidade do Fed de avaliar o impacto de suas políticas.

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A trajetória atual “levará a um estresse econômico e financeiro intolerável”, escreveu Michael Wilson, analista de ações do Morgan Stanley, no domingo. “A primeira pergunta a ser feita é quando o dólar se torna um problema dos EUA” por meio de impactos globais e de mercado que começam a influenciar a economia norte-americana e levam as autoridades do Fed a reavaliar o ritmo de seu aperto monetário.

O Fed elevou os juros em 0,75 ponto percentual na reunião de setembro pela terceira vez seguida, e indicou mais altas grandes ainda neste ano.

Até agora, as autoridades do banco central insistem que nada no mercado global mudou o plano de jogo, mesmo quando analistas examinam cada advérbio nas declarações públicas das autoridades em busca de sinais de que um Fed mais leve pode surgir na reunião do próximo mês.

A mudança na política monetária este ano tem sido a mais dramática em décadas, com a taxa de juros do Fed subindo um total de 3 pontos percentuais, para a faixa atual de 3,00%-3,25%. Embora projeções do Fed divulgadas no mês passado tenham mostrado que a mediana das projeções das autoridades de novo aumento forte em novembro, o grupo se mostrou bastante dividido.

SEM ESCAPATÓRIA

Em entrevistas e declarações públicas na última semana, no entanto, autoridades do Fed apresentaram relatos detalhados sobre o que entenderam errado sobre a inflação nos últimos dois anos –incluindo erros em suas decisões de política monetária –e a intenção de corrigir isso.

“A inflação está se mostrando bem mais persistente do que achávamos que seria” , disse a presidente do Fed de Cleveland, Loretta Mester.

A lista de culpados é longa e inclui coisas como mudanças inesperadas nas escolhas das pessoas sobre o que comprar e onde trabalhar, e a surpreendente inflexibilidade das cadeias de suprimentos dos EUA, sobre as quais o Fed tem pouca influência.

Mas, embora esses fatores possam ter causado mudanças relativas nos preços, autoridades do Fed agora acreditam que foi a evolução conjunta das políticas monetária e fiscal nos últimos dois anos que criou o aumento mais persistente no nível de preços que o Fed agora tenta conter.

A política fiscal da era da pandemia pretendia criar uma “ponte” para ajudar famílias e empresas durante a crise da Covid-19. Mas os mais de 5 trilhões de dólares em pagamentos, empréstimos e outros auxílios, com novos estímulos ainda sendo lançados até a primavera norte-americana de 2021, criaram uma onda de dinheiro de classe mundial que alimentou as compras de bens e serviços que a economia se esforçou para fornecer.

A política do Fed, orientada para o combate da pandemia e para garantir que os trabalhadores norte-americanos encontrassem empregos, permaneceu frouxa durante esse período, com juros baixos que pretendiam encorajar os gastos até recentemente.

“O motivo pelo qual vimos (a inflação) se enraizar é porque … na verdade precisávamos elevar nossos juros, ou a política fiscal tinha que se ajustar para ser menos expansionista”, disse Mester na semana passada.

No momento, “havia a sensação de a política não era tão expansionista, porque havia um enorme choque da pandemia. Uma coisa que aprendemos é que a economia está na verdade muito mais resiliente do que as pessoas achavam.”

PROBLEMA

O Fed agora enfrenta um problema: quanto tempo esperar por evidências de que a inflação, que agora está em mais de três vezes a meta do banco central, está em queda antes de ajustar o ritmo de aumentos dos custos dos empréstimos ou mesmo o ponto final da taxa básica de juros.

Aqueles preocupados com o ritmo tórrido e insistente dos ajustes da taxa básica argumentam que a inflação está prestes a virar, e que os agressivos incrementos contínuos dos juros correm o risco de empurrar a economia dos EUA para um desemprego acima do necessário –a taxa de desemprego atualmente é de 3,7%– e crescimento mais lento do que o necessário.

“Não tenho certeza se eles precisam ser tão agressivos quanto pensam que precisam ser”, disse Ian Shepherdson, economista-chefe da Pantheon Macroeconomics e defensor da visão de que grande parte da alta recente dos preços pode ser derivada de margens de lucro crescentes que, na opinião dele, serão rapidamente revertidas à medida que a demanda diminuir.

Esse é um argumento que a vice-chair do Fed, Lael Brainard, também mencionou em um artigo recente, onde sugere que a queda nas margens de lucro poderia “dar uma importante contribuição para a redução das pressões de preços”.

“Temos a capacidade e a responsabilidade de manter as expectativas de inflação ancoradas e a estabilidade de preços”, disse ela. “Estamos nisso pelo tempo que for necessário para baixar a inflação.”

(Por Howard Schneider)

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