Tema bastante explorado pelo cinema, o roubo de uma obra de arte é o pesadelo recorrente de qualquer colecionador. No entanto, na vida real, os riscos que os donos de pinturas ou esculturas correm são bem diferentes. “As causas mais frequentes de perdas de obras de arte são bem prosaicas”, diz o economista alemão Kai Kuklinski, CEO global da Axa Art, divisão da seguradora especializada na proteção de obras de arte. “Um ladrão de arte oferece muito menos riscos ao colecionador do que o neto dele ou o encanador que está fazendo uma reforma no apartamento vizinho”, diz o executivo.

“O Pintor”, executado por Pablo Picasso em 1963: avaliada em US$ 1,5 milhão, pintura foi destruída em um acidente da Swissair  em 1998
“O Pintor”, executado por Pablo Picasso em 1963: avaliada em US$ 1,5 milhão, pintura foi destruída em um acidente da Swissair em 1998

Crianças que brincam com espadas de plástico (ou carregam sorvetes), incêndios e canos que se rompem têm sido os principais causadores de sinistros contra objetos de coleção. Pelas contas da Axa, roubos respondem por menos de 5% das indenizações pagas. “Danos acidentais representam 40% das perdas, ao passo que catástrofes naturais, incêndios e inundações somam 10%”, diz Kuklinski, que falou com exclusividade à DINHEIRO na estreia da 13ª edição da mostra SP Arte, no início de abril.

Sua presença não foi um acaso. Com mais de 90 galeristas expondo seus acervos, o evento mostra a maturidade do mercado de arte brasileiro. No entanto, segundo Kuklinski, essa maturidade ainda não chegou à proteção financeira das obras, especialmente no que se refere à proteção das coleções particulares. “No mundo, cerca de 70% dos prêmios de seguros que recebemos vêm de colecionadores particulares, ao passo que, no Brasil, onde iniciamos nossas atividades em 2013, esse percentual é de apenas 40%.” O faturamento total da Axa Art em 2016 foi de € 185 milhões (R$ 617 milhões).

A empresa não divulga os dados individuais por país. Porém, segundo Kuklinski, as atividades no Brasil dobraram no ano passado em relação a 2015, e as estimativas da seguradora alemã são de crescimento a taxas de dois dígitos nos próximos anos. A Axa também não fornece estimativas de quanto custa proteger uma obra de arte. “A avaliação é feita caso a caso”, diz Kuklinski. Segundo a Axa, a avaliação do seguro é feita com base no conjunto da coleção, e não por obras individuais. Para serem seguradas, as coleções precisam ser avaliadas em, no mínimo, R$ 350 mil, e não há valor máximo.

O cálculo considera o preço pago pelo colecionador pelas peças, e leva em conta as alterações de mercado. A seguradora conta com especialistas na avaliação das obras. Segundo o executivo, outro risco importante tem crescido recentemente: o de danos ocorridos durante a movimentação das peças. É fácil entender o porquê. A arte, assim como os negócios, tornou-se mais globalizada. Museus e colecionadores emprestam obras para exposições itinerantes. Segundo o consultor britânico Rupert Onslow, especialista do Lloyds de Londres, cerca de 60% das indenizações são provocadas por danos causados durante o transporte das peças.

“É quando as obras estão em seu momento mais frágil”, diz ele. Um quadro pendurado na parede de um museu, com temperatura e umidade controladas, corre poucos riscos. Mas mesmo o mais profissional dos transportes pode causar tragédias. Um bom exemplo é a pintura “O Pintor”, executada em 1963 por Pablo Picasso. Avaliado em US$ 1,5 milhão, o quadro estava sendo transportado de Nova York para Genebra, na Suíça em um avião da Swissair em setembro de 1998. A aeronave apresentou uma falha mecânica. Ao tentar fazer um pouso de emergência na Escócia, ela caiu no mar, matando 229 pessoas a bordo. Apesar de 98% dos destroços terem sido recuperados, a tela foi quase que totalmente destruída. “Vivemos uma mania de exposições itinerantes, e isso aumenta os riscos de danos às obras”, diz Onslow.

Marc e Livia Straus, colecionadores americanos: procura mais diversificada abre espaço para a arte brasileira
Marc e Livia Straus, colecionadores americanos: procura mais diversificada abre espaço para a arte brasileira (Crédito:Keiny Andrade /Folhapress)

A visita de Kuklinski ao Brasil ocorre em um momento no qual o mercado para a a arte brasileira está se recuperando. As cotações desabaram a partir de 2014 com a crise econômica, após os picos de preço do início da década. Agora, segundo o colecionador americano Marc Straus, os preços mostram uma gradativa recuperação. Straus começou colecionando (e negociando) figurinhas de jogadores de beisebol aos cinco anos de idade. Ainda era noivo de Livia, com quem casou em 1964, quando comprou o primeiro quadro, investindo o equivalente a um ano de salário como médico interno.

Hoje, a coleção de mais de 3.000 peças, avaliada em dezenas de milhões de dólares, justifica a criação de uma galeria própria, no estado de Nova York. Straus hoje representa artistas como o pintor vanguardista italiano Sandro Chia e o escultor minimalista coreano Jong Oh. Também visitante da SP Arte, Straus detecta um interesse renovado pela arte brasileira, assim como a de outros países anteriormente fora do circuito. “Quando começamos a colecionar, americanos compravam arte americana e europeus compravam arte europeia”, diz ele. “Agora, a procura é muito mais diversificada, o que abre espaço para a produção brasileira.” Com seguro, claro.

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