No best-seller “Por que as nações fracassam”, o renomado economista de origem turca Daron Acemoglu, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), afirma que a falência econômica das nações acontece “devido ao extrativismo de suas instituições”. Um dos principais especialistas em questões de desigualdade entre os países, Acemoglu publicou seu trabalho em 2012, quatro anos após o colapso financeiro global de 2008. Para ele, o fracasso econômico e político de países acontece devido às instituições concentradas em uma elite que perpetua o próprio poder em detrimento da grande maioria da população, como é o caso da América Latina.

O exemplo parece ter sido uma antevisão do que aconteceria pouco tempo depois com Brasil, Argentina, Venezuela, Peru, Bolívia e (até o) Chile. O Produto Interno Bruto (PIB) da região recuou 0,5%, em 2015, e 0,9% em 2016. Para este ano, era esperada uma recuperação tímida de 1%, ante um crescimento médio global de 2,7%. Porém, essa projeção pode ser revista em razão dos acontecimentos políticos que continuam a abalar os latino-americanos. Principal potência econômica regional, o Brasil está novamente mergulhado em uma crise política.

A divulgação da gravação de uma conversa entre o empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, e o presidente Michel Temer freou o início da recuperação econômica. No primeiro trimestre do ano, o PIB cresceu 1% após oito trimestres de quedas consecutivas. A crise, no entanto, não é recente. Ela teve início com a adoção da Nova Matriz Econômica, pela ex-presidente Dilma Rousseff, uma atabalhoada tentativa de criar incentivos com crédito abundante, estímulo fiscal e câmbio controlado. Mas o efeito foi contrário e o País mergulhou numa espiral de baixo crescimento, descontrole das contas públicas e inflação em alta.

Além disso, a Operação Lava Jato, principal investigação sobre corrupção, expôs uma série de crimes que mudaram a ordem política e acarretaram em ondas de protestos por todo o Brasil. Nos últimos três anos, o País passou por ebulição social, cassação de mandatos, impeachment da presidente e investigação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu pela absolvição dos vencedores. Esse clima azedo prejudica a aprovação das reformas trabalhista e da Previdência, essenciais para o ajuste fiscal e a conquista da credibilidade para atração de investimentos.

Declínio: o fim do boom das commodities em meados de 2014 fez com que a América Latina entrasse em um período de ajustes (Crédito:Divulgação)

“Fica mais difícil atrair investimentos em um momento de incertezas políticas. Para a região crescer, é fundamental que haja aportes em setores como infraestrutura”, diz Patrícia Krause, economista-chefe da seguradora de crédito Coface para a América Latina. “Ainda assim, contamos com um resultado levemente positivo para a região, pois mesmo com toda essa instabilidade, o Brasil terá um pequeno avanço econômico.” O País é um espelho de seus vizinhos. As crises políticas e econômicas em inúmeros países da América Latina não são coincidência.

Além da cultura e colonização extrativista em grande parte dessas nações, a região foi amplamente beneficiada pelo boom das commodities na primeira década dos anos 2000. Contemplados pela aceleração chinesa, Brasil, Argentina, Equador e Venezuela surfaram na onda das exportações que, em seu auge, em 2011, registraram preços recordes. Para se ter ideia, o minério de ferro, hoje negociado, em média, a US$ 60, alcançou US$ 187,2 a tonelada. O mesmo aconteceu com o barril de petróleo, que chegou a US$ 134,6 e está em torno de US$ 50. Fatores como esses permitiram que líderes populistas chegassem ao poder, como Hugo Chávez (1954-2013), na Venezuela, no final dos anos 1990.

Ele se escorou na fartura de petróleo para se manter no poder, ampliar programas sociais e adotar medidas para estimular o consumo interno. Chávez, o primeiro líder populista desse período, passou seu legado ao atual presidente, Nicolás Maduro. Com o fim da bonança, o resultado não poderia ser mais trágico: o país enfrenta a pior crise de desabastecimento de sua história, a população foge para países vizinhos, há fuga de capitais e saída de empresas. O clima instaurado é de guerra civil: até meados de maio, protestos e embates com forças do governo deixaram ao menos 43 mortos no país.

Em 2016, projeções indicam que o PIB venezuelano pode ter caído 18% e a inflação tenha chegado a 800%. Para tentar conter a crise civil, o caudilho decretou, no mês passado, o chamado estado de exceção, que restringe as garantias constitucionais em todo o território nacional. “O ciclo populista latino-americano se encerrou”, diz o cientista político Fernando Schuler, professor do Insper. “Na Argentina, por exemplo, o governo do casal Kirchner isolou o país e bloqueou o processo de investimentos. A conta está sendo paga pelo governo de Mauricio Macri.”

O fim desse ciclo populista escancara a fragilidade institucional que assola grande parte desses países. Atualmente, a América Latina vive uma contração econômica e uma generalizada agenda de ajuste fiscal. Quem não se enquadra, paga um preço alto. O empresário Macri assumiu a Argentina no final de 2015 e se deparou com uma situação de ampla deterioração econômica. O Banco Central, por exemplo, tinha reservas escassas, de US$ 26 bilhões. Porém, apenas US$ 4 bilhões poderiam ser utilizados. A inflação, que era maquiada pelo casal Néstor e Cristina, atingiu 24%, em 2014.

Populismo: diferente dos países sul-americanos, Donald Trump traz de volta o discurso nacionalista aos EUA (Crédito:AFP Photo / Saul Loeb)

No ano seguinte, bateu os 30%. Macri é elogiado por lideranças internacionais, como Angela Merkel, que esteve em Buenos Aires há duas semanas. Mas o presidente é criticado internamente pela fragilidade da economia, que continua sem forças para criar vagas de trabalho. Desde abril de 2016, Macri conta com ondas de protestos contrárias às reformas econômicas propostas pelo seu governo. A eleição do empresário foi uma demonstração da polarização política no continente, que está dando uma guinada à direita. Além dele, o ex-banqueiro Pedro Pablo Kuczynski foi eleito presidente no Peru.

No Brasil, espera-se a entrada de outsiders para concorrer às eleições presidenciais em 2018. “A polarização das eleições mais recentes é o reflexo claro do fim do boom das commodities”, diz Rafael Cortez, analista-sênior de política da consultoria Tendências. “A dificuldade agora é lidar com a polarização e aprovar a nova agenda do executivo no legislativo.” Entre os latino-americanos, o Chile se descolava dos problemas regionais. Mas o país está em crise política desde agosto de 2016, quando a presidente Michelle Bachelet passou a ser questionada com a revelação de que seu filho e sua nora estiveram envolvidos em casos de fraude e sonegação fiscal.

Reeleita em 2013, a líder socialista viu seu índice de aprovação cair para o menor patamar desde a retomada da democracia com o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Uma pesquisa do Centro de Estudos Públicos apontou que a aprovação da presidente atingiu apenas 15%, enquanto sua reprovação registrasse 66%. Atualmente, Bachelet enfrenta manifestações de frentes estudantis que são contrárias à reforma do sistema de educação do país. A direita já se consagrou vencedora nas eleições municipais e pode conquistar a presidência nas eleições presidenciais que acontecem em novembro.

O México sofre pela onda populista que vem do norte. O presidente Enrique Peña Nieto passou a governar sob pressão desde a eleição de Donald Trump, nos EUA, que prega uma política protecionista e anti-imigração. O risco econômico é alto para os mexicanos: 80% das exportações do país apenas cruzam a fronteira. As polêmicas envolvendo restrição nas leis de migração impactaram na projeção do PIB mexicano para este ano, que foi reduzido de 2,4% em setembro de 2016, para 1,5% no início de 2017.

Até o momento, porém, Trump adotou um tom de conciliação para a renegociação do acordo comercial do Nafta, o que melhorou a percepção de risco para os mexicanos. Trump, aliás, segue o mesmo modelo dos líderes latino americanos. Enquanto alguns lutam para se livrar dos populistas, os EUA experimentam o modelo. “De um lado, há a crise da democracia. Do outro, há um problema social muito grande, com muitas pessoas da classe média desempregadas”, diz ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Ricupero. “O sistema democrático americano já dá sinais de fragilidade.”