Anunciado como resposta à previsão de déficit bilionário nas contas públicas em 2021, o pacote de ajuste fiscal enviado pelo governador João Doria (PSDB) à Assembleia Legislativa de São Paulo propõe mudanças permanentes na estrutura de serviços estaduais, que vão da habitação ao meio ambiente. Com a perspectiva de extinguir dez entidades e alterar regras que garantem autonomia orçamentária nas universidades, o projeto foi recebido com ressalvas até por parlamentares que costumam apoiar o governo no Legislativo paulista.

Na segunda-feira, 17, a base governista na Assembleia sinalizou que pode mudar uma proposta que projeta cortes de cerca de R$ 1 bilhão de universidades e da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) – o que motivou protestos da comunidade acadêmica. O texto propõe que as entidades repassem à conta única do Tesouro estadual todo o superávit identificado em seus balanços anuais. O governo não indicou como ficaria a regra após a eventual alteração no texto.

“Podemos corrigir o texto das universidades, que ficou errado”, disse o deputado Carlão Pignatari (PSDB), líder do governo na Alesp. “Do jeito que está, iríamos mexer na autonomia das universidades, o que não vai ocorrer. Isso vai ser corrigido aqui na Assembleia.”

Este dispositivo do projeto pode representar uma redução de mais de R$ 1 bilhão nos recursos da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade de Campinas (Unicamp) e da Fapesp. Os cálculos são do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

Dirigentes universitários afirmaram que, apesar das prestações de contas anuais indicarem superávit nos balanços, os valores estão comprometidos com gastos para custeio, na prática, em sua totalidade. Com a queda na arrecadação do principal imposto estadual, o ICMS, as instituições de ensino superior paulistas têm tido repasses cada vez menores nos últimos anos.

“A preocupação nossa hoje é, essencialmente, não ter recursos para pagar as questões mais básicas”, disse o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, sobre a situação das contas mesmo sem as regras do pacote de ajuste fiscal. “Tivemos déficit, usamos saldo da universidade para cumprir nossos compromissos. Ou seja, entrou menos dinheiro do que foi gasto.”

Apesar da sinalização de recuo, informado pela liderança governista na Alesp, o governo estadual disse que o projeto de lei não atenta contra a autonomia das universidades e institutos de pesquisa, nem altera o orçamento dessas instituições.

“A proposta, enviada ao Legislativo, busca dividir entre toda a sociedade os ônus da crise da saúde e econômica, fazendo com que recursos que sobrem em alguns órgãos sejam redirecionados para despesas com falta de recursos”, disse a gestão Doria, em nota. “Certamente, não é justo que a população mais carente fique desassistida em medicamentos ou no atendimento à saúde, enquanto as universidades e a Fapesp podem ficar com sobra de recursos.”

O pacote de ajuste fiscal também propõe a extinção de entidades como a Fundação para o Remédio Público (Furp), maior fabricante pública de remédios do País, o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (Emtu), e outras sete. Uma das propostas é cortar linearmente 20% dos benefícios fiscais concedidos no ICMS.

Habitação

Outro foco de tensão no pacote é o fim da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), um dos principais instrumentos da política habitacional do Estado. A proposta defende expandir outros programas para preencher o espaço deixado pelo fim da companhia. Isso deve ser feito por meio da concessão de crédito imobiliário, pelo programa Nossa Casa e por Parcerias Público-Privadas (PPPs) para construção de moradia popular.

“Não tem vácuo. A política habitacional continua, isso não significa de forma alguma o fim da política ambiental, pelo contrário”, disse o secretário de Habitação, Flávio Amary, ao jornal O Estado de S. Paulo.

A deputada Janaína Paschoal (PSL-SP) afirmou ser contra o projeto em seu formato atual. Até agora, já apresentou duas emendas e trabalha em outras. Uma delas trata da extinção da Fundação Oncocentro de São Paulo, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Saúde. “Um instituto que trata câncer não pode ser tratado como empresa, e não é questão de ser contra ou a favor.” A deputada se disse “pró-enxugamento do Estado”, mas não “irresponsável”.

A bancada do Novo, a mais favorável a privatizações, estuda apresentar ao menos oito emendas ao PL. A bancada deve se reunir hoje para debater o projeto, especialmente as questões que tocam na autonomia das universidades. “A filosofia de enxugar a máquina é uma pauta que defendemos”, disse o deputado Heni Ozi Cukier (Novo). “Mais do que nunca é o que precisa ser feito.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.