Ao retratar o governo Temer, os livros de História do Brasil poderão dividi-lo em três capítulos. O primeiro abordará o período de pouco mais de três meses de interinidade, em 2016, entre o afastamento e a conclusão do impeachment de Dilma Rousseff. O destaque principal naquele momento foi a formação de uma equipe econômica qualificada. O segundo capítulo, que vai incluir a aprovação da PEC dos gastos, terá um desfecho inusitado em 17 de maio de 2017, com as gravações comprometedoras da JBS. A última parte, que ainda está sendo escrita, pode ser a mais importante para o futuro do País e para a própria biografia do presidente da República. Além das vitórias políticas do peemedebista no Tribunal Superior Eleitoral (absolveu a chapa Dilma-Temer) e no Congresso (barrou a primeira denúncia da Procuradoria-Geral da República, a PGR), o período já contempla a aprovação da reforma Trabalhista, a primeira de uma ambiciosa lista.

Concessão em 2018: o governo estuda leiloar uma nova leva de aeroportos, incluindo a “joia” Santos Dumont (RJ) (Crédito:Agência Brasil / Tomaz Silva)

É exatamente por esse capítulo que Temer quer ser lembrado no futuro. Nos últimos dias, o presidente reuniu sua equipe, promoveu encontros para reaglutinar a base aliada e estabeleceu como prioritária a agenda econômica, que inclui reformas estruturais, concessões de infraestrutura e ajustes microeconômicos.

Roberto Medeiros, presidente da Multiplus: “Que o governo Temer entre para a história como um governo reformista.”

Temer quer passar para a História como um presidente reformista, que recolocou o Brasil nos trilhos. Sua grande ambição é aprovar a polêmica reforma da Previdência Social, cujo déficit chegará a R$ 200 bilhões no ano que vem. O projeto, que já passou pela comissão especial, está pronto para enfrentar uma dura batalha no Congresso Nacional. Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o texto precisa receber o aval de dois terços dos parlamentares, em duas sessões, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Embora a recente vitória do presidente Temer, que angariou 263 votos contra a denúncia da PGR, tenha lhe fortalecido politicamente, o placar é insuficiente para aprovar as novas regras da aposentadoria.

Nas contas do núcleo político do governo, o ideal é ter ao menos 320 votos confirmados para, na prática, obter os 308 votos necessários, sem correr grandes riscos. “Tivemos 263 votos [na votação da denúncia da PGR] e ainda 20 ausências. Os mais de 20 [deputados] do PSDB que votaram contra são a favor das reformas”, afirma Temer com exclusividade à DINHEIRO (leia entrevista aqui). “E muitos dos que votaram contra [ele] votarão a favor das reformas.” O caminho, no entanto, não será tão fácil. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, prepara mais duas denúncias contra o presidente Temer. “Novas delações podem atingir inquéritos sobre Temer”, disse Janot à Folha de S. Paulo, na segunda-feira 7. “Restam flechas.”

Cadastro positivo: novas regras vão incluir automaticamente todos os brasileiros e baratear o crédito para os bons pagadores (Crédito:Rubens Cavallari/Folhapress)

Outro desafio de Temer é acalmar os partidos do Centrão, que ameaçam votar contra a reforma da Previdência se não receberem cargos no governo. Para a equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o debate sobre a Previdência é a prioridade máxima, pois as novas regras vão permitir uma trajetória sustentável das contas públicas. “É premente a Reforma da Previdência: se não a fizermos, os gastos com aposentadorias e pensões consumirão 80% do orçamento, até 2050”, afirmou o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, na segunda-feira 7, em evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide).

José Velloso, presidente da Abimaq: “As empresas, que já estão muito endividadas, não conseguem investir com juros elevados”

Os cerca de 400 representantes do setor produtivo que compareceram ao evento, em São Paulo, concordam com a posição do ministro, num contexto em que as metas fiscais de 2017 e 2018 estão cada vez mais inatingíveis “A PEC dos gastos e a reforma trabalhista foram um tremendo avanço”, afirma João Carlos Brega, presidente da Whirlpool para a América Latina. “Agora, precisamos das reformas da Previdência e política, com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado.” Alguns empresários reconhecem que a situação fiscal dramática até poderia justificar um aumento de impostos, como o anunciado recentemente para os combustíveis, mas reclamam do efeito cascata na economia. “O aumento de impostos foi uma forma de pressionar e chamar a atenção da população para a urgência das reformas”, afirma Carlos Tilkian, presidente da Estrela. “Mas acho um erro muito grande dar o mesmo enfoque para a gasolina e o diesel, que aumenta o custo do frete.”

DESBUROCRATIZAÇÃO O rombo fiscal foi o tema de uma grande reunião na quinta-feira 10, em Brasília, entre o presidente Temer, os ministros da área política e econômica, e os principais líderes do Congresso Nacional. Nos bastidores, comenta-se que, nos próximos dias, serão anunciados a revisão da meta fiscal e o adiamento do reajuste dos salários dos servidores, entre outras medidas (leia reportagem aqui). Segundo o ministro Dyogo de Oliveira, o esforço do governo não ficará restrito ao tema das aposentadorias. Vencida essa etapa, ainda em 2017, o governo planeja encaminhar uma proposta de reforma tributária que, nas palavras do presidente Temer, “proporcionará uma simplificação dos impostos”.

O ministro Meirelles empunha a bandeira da desburocratização e ressalta que é preciso reduzir o tempo que as empresas gastam para recolher tributos. “O tempo médio de 2,6 mil horas por ano pode ser reduzido para menos de 600 horas”, afirma Meirelles. O primeiro passo da reforma é a alteração do PIS/Cofins e, em seguida, serão promovidas mudanças no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a principal fonte de receitas dos Estados. A simplificação tributária, defendida por Temer, é um tema caro ao Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), entidade que reúne as principais empresas do comércio varejista.

Davide Marcovitch, presidente do Grupo Moët Henessy na América Latina: “Tão importante quanto as reformas é o governo conseguir enxugar a máquina pública”

O setor sofre com as diferentes regras em cada Estado – a chamada guerra fiscal –, o que gera desequilíbrios concorrenciais. “A reforma tributária será perigosa se for apenas parcial, com aumento de carga e sem uma regra clara de transição”, diz Antonio Carlos Pipponzi, presidente do IDV e do conselho de administração da Raia Drogasil. “É preciso reduzir a informalidade e garantir um relativo equilíbrio entre os Estados e os demais segmentos da economia.” Nesse contexto, um dos principais desafios da equipe econômica é unificar regras tributárias sem gerar perdas de arrecadação para nenhum Estado. Outro item importante é a revisão do pacto federativo.

A principal crítica de empresários e especialistas é em relação à concentração de impostos nas mãos da União, em detrimento de Estados e municípios. “Pedi estudos para reduzir os tributos, acabar com a quantidade excessiva de impostos e dividir melhor os impostos com as unidades da federação”, afirma o presidente Temer à DINHEIRO. Na pauta da desburocratização do governo, há uma série ações que podem beneficiar o setor produtivo. A partir de janeiro de 2018, as grandes empresas deverão adotar o eSocial, um mecanismo que simplifica o pagamento de obrigações trabalhistas, previdenciárias e tributárias decorrentes da relação de trabalho. As demais empresas serão incorporadas ao eSocial a partir do segundo semestre do ano que vem.

O governo pretende unificar 13 obrigações atuais de quatro órgãos governamentais distintos (Receita Federal, INSS, Caixa e Ministério do Trabalho), reduzindo o tempo gasto e custo para o cumprimento das obrigações. Além disso, está sendo instituída em todos os municípios a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e), uma ação inspirada nas notas eletrônicas adotadas com sucesso em vários Estados. Para a alegria dos empresários, o governo também promete simplificar os procedimentos de restituição e compensação entre os tributos administrados pela Receita Federal, inclusive a compensação entre a contribuição previdenciária e demais tributos. Na prática, significa que o caixa das empresas receberá os recursos com mais rapidez.

Dyogo de Oliveira, ministro do Planejamento: “É premente a Reforma da Previdência: se não a fizermos, os gastos com aposentadorias e pensões consumirão 80% do orçamento, até 2050”

CRÉDITO Dentre as prioridades do presidente para o reaquecimento do Produto Interno Bruto (PIB), há outras medidas microeconômicas. Uma delas é a transformação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), utilizada nos empréstimos do BNDES, em Taxa de Longo Prazo (TLP). O objetivo é reduzir os subsídios nestes financiamentos, aproximando a TLP das taxas praticadas pelo mercado. “Isso aumentará a potência da política monetária, permitindo a redução estrutural dos juros”, disse o ministro Dyogo Oliveira aos empresários. “Será um grande avanço”, diz Wellington Moreira Franco, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, à DINHEIRO.

Carlos Tilkian, presidente da Estrela: “O aumento de impostos foi uma forma de pressionar e chamar a atenção da população para a urgência das reformas”

“Vai baixar os juros reais.” O setor de bens de capital, no entanto, vê com muita preocupação essa mudança. “As empresas, que já estão muito endividadas, não conseguem investir com juros elevados”, afirma José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “Se a TLP tiver uma taxa de mercado de 16% ao ano, o investimento será inviável.” Para o setor imobiliário, que tem grande potencial de gerar empregos rapidamente, a medida mais aguardada está nas mãos do Conselho Monetário Nacional (CMN), que reúne o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e os ministros da Fazenda e do Planejamento.

Trata-se da regulamentação da Letra Imobiliária Garantida (LIG), um instrumento de captação de recursos alternativo aos fundings atuais, que são a caderneta de poupança, o FGTS e a Letra de Crédito Imobiliário (LCI). O objetivo é ampliar a oferta de crédito de longo prazo para a construção civil. Outro item em estudo é a criação da duplicata eletrônica, um sistema que impedirá que um ativo seja dado como garantia em duas operações diferentes. Ao aumentar a segurança dos credores em relação às garantias, o custo do crédito tende a cair, inclusive para pequenas empresas.

Para os consumidores, o avanço ocorrerá por meio do cadastro positivo. Um projeto de lei, que prevê a adesão automática de todos os brasileiros à lista de bons pagadores, está em tramitação no Congresso Nacional. Quem não quiser participar terá de solicitar a sua exclusão, invertendo a lógica atual. Esse tema é monitorado de perto pelo Banco Central, que acredita na redução dos juros para os clientes que possuem um histórico positivo de pagamentos. No âmbito do varejo, o governo já autorizou a diferenciação de preço entre os meios de pagamentos, como dinheiro, cheque e cartão de crédito e débito. Falta, no entanto, definir uma redução no prazo que as operadoras de cartões têm para ressarcir os lojistas.

Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Kaduna Consultoria: “Faltam medidas de microeconomia para as exportações e a infraestrutura, que vão gerar empregos agora”

“O governo está no caminho correto, mas é preciso melhorar também o curto prazo”, afirma Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Kaduna Consultoria. “Faltam medidas de microeconomia para as exportações e a infraestrutura, que vão gerar empregos agora.” No comércio exterior, o governo Temer estuda a ampliação do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários (Reintegra) em 2018. “É um tema que está na nossa agenda e estamos trabalhando para a viabilidade dessa tão esperada e sonhada medida do governo para impulsionar as exportações brasileiras”, afirmou o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), Marcos Pereira, na quarta-feira 9, em evento no Rio de Janeiro.

João Carlos Brega, presidente da Whirlpool para a América Latina: “Precisamos das reformas da Previdência e política, com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado”

A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) defende a elevação da alíquota do Reintegra de 2% para 5%, aumentando a desoneração dos produtos vendidos ao exterior. Já no setor de infraestrutura, Temer aposta em uma nova leva de concessões à iniciativa privada sairá do forno ainda neste ano, com projetos que podem somar R$ 21 bilhões. A 14ª rodada de licitações de Blocos Exploratórios da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), prevista para setembro, já tem 14 empresas credenciadas, das quais 11 são estrangeiras. Neste segundo semestre, o governo também vai conceder as quatro usinas da Cemig (São Simão, Miranda, Volta Grande e Jaguara) e a Lotex, loteria conhecida como “raspadinha”.

Há ainda a possibilidade de o governo incluir no pacote algumas rodovias, três linhas de transmissão de energia e o aeroporto de Viracopos, que foi devolvido ao poder público. Em 2018, há a previsão de uma nova leva de concessões de aeroportos, incluindo o carioca Santos Dumont, considerado uma das “joias” da Infraero. Não são apenas os empresários que estão confiantes no avanço da agenda econômica do presidente Temer. Os indicadores do mercado financeiro demonstram que, passada a fase mais turbulenta na política, os investidores nacionais e estrangeiros abriram os olhos para as oportunidades.

Antonio Carlos Pipponzi, presidente do IDV: “A reforma tributária será perigosa se for apenas parcial, com aumento de carga e sem uma regra clara de transição”

Na terça-feira 8, o índice Bovespa atingiu os 67.640 pontos, superando o patamar registrado em 17 de maio, data da divulgação das gravações da JBS. “Os investidores estão confiantes em que a matriz econômica será mantida”, diz Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners. “Há, neste momento, ingresso de investidores estrangeiros em fundos de ações no Brasil.” No mercado de câmbio, o dólar permanece comportado, abaixo de R$ 3,20, enquanto o risco-país se aproxima do patamar da época em que o Brasil tinha grau de investimento.

Superada a primeira denúncia da PGR, dizem os empresários, é hora de o governo aproveitar a janela de oportunidade para aprovar as medidas que vão asfaltar a retomada do PIB. “As reformas em geral, e a da Previdência em particular, são fundamentais para as expectativas de empresários e investidores”, diz Edmir Lopes de Carvalho, presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). “Não há outro caminho.” O presidente da Multiplus, Roberto Medeiros, concorda. “Se tem um governo que pode fazer as reformas é esse aí, que sabe que não terá continuidade”, diz o executivo. “Que o governo Temer entre para a história como um governo reformista.”