Formado em engenharia química e ex-professor de cursinho pré-vestibular, o paulistano Mário Ghio, de 50 anos, é um dos executivos mais experientes no setor de educação. Com 32 anos na área, ele chegou à Kroton em 2016 para estruturar o método de ensino para a educação básica, uma volta às origens para a companhia mineira, fundada em 1966 a partir do colégio Pitágoras e que se expandiu para o ensino superior, até tornar-se o maior grupo educacional do mundo, com receita anual de R$ 7,4 bilhões. Vice-presidente acadêmico e de educação básica, Ghio lidera a estruturação da holding Saber, criada em abril para reunir os investimentos do grupo em escolas. Duas semanas depois de sua fundação, a Kroton adquiriu a Somos por R$ 6,2 bilhões, dona das escolas Anglo, Sigma e Ser.

Com o negócio, a missão de Ghio ficou ainda mais ambiciosa. Cabe a ele transformar a nova empresa na plataforma de crescimento da Kroton no ensino básico. “Temos bolso e conhecimento para isso”, afirma o executivo, que será o comandante da Saber e que pediu o registro de companhia aberta à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na terça-feira 13. Antes da aquisição, esse segmento respondia por apenas 3% do faturamento do grupo, fatia que crescerá para 30% com a compra. E novas aquisições podem ocorrer. “É um projeto de longo prazo, em um segmento em transformação e com grandes perspectivas de crescimento”, diz Rodrigo Galindo, presidente da Kroton. “Podemos contribuir para o desenvolvimento da educação básica no País.”

Escola da vida: com a compra da Somos, a Saber vai administrar o Anglo, onde Ghio começou a sua carreira

Estudioso, Ghio analisa diversas instituições. “Conheço os donos de quase todas as escolas de referência e sei quais planejam vender para perpetuarem seus legados”, diz. A Saber mapeou 56 regiões com potencial para abrigar instituições voltadas às classes alta ou média alta. O modelo será baseado na compra de escolas de referência em suas regiões, que não conseguem atender à demanda de matrículas, por falta de vagas ou pelos potenciais alunos morarem longe. Os colégios adquiridos podem ganhar filiais. Além da Somos, a empresa já comprou o Centro Educacional Leonardo da Vinci, de Vitória (ES).

O registro da Saber na CVM, na categoria B, indica esse apetite por consolidação. Segundo um analista de um grande banco, essa classificação não permite negociações de ações em mercado aberto. Mas costuma ser usada para que fundos de renda fixa comprarem dívidas da empresas. O mercado estima que a Saber possa captar R$ 5,5 bilhões para financiar a compra da Somos e, ao mesmo tempo, dar fôlego para novas aquisições. Isso indicaria o interesse da Kroton em manter o seu perfil de pouco endividamento, mesmo realizando uma aquisição de grande porte.

Há, porém, um desafio. Apesar de ser um mercado mais amplo – são 40 mil escolas no Brasil, contra 2,4 mil faculdades – a educação básica tem menor rentabilidade. A conta que a Kroton fez para entrar no segmento é sedutora. Entre as mensalidades escolares e os cursos contraturnos, que são aulas de música, esportes, entre outros, a educação básica movimenta R$ 100 bilhões, quase o dobro do mercado de educação superior, que é de R$ 57 bilhões. A Saber vai atuar em um nicho que movimenta R$ 45 bilhões por ano, o de escolas com mensalidades a partir de R$ 1,25 mil. São os chamados colégios de elite. “A mensalidade de um aluno nessas escolas pode superar a de uma classe inteira de faculdade”, diz Ghio. Segundo Willian Klein, CEO da consultoria Hoper Educação, as escolas desse perfil podem cobrar mensalidades de até R$ 7 mil, e representam entre 15% e 20% dos colégios particulares. “Elas podem ser construtivistas ou internacionais, em tempo integral e trilíngues”, afirma o consultor.

Galindo: um projeto de longo prazo com grande capacidade de expansão (Crédito:Andre Lessa/Istoe)

Outra vantagem é o fato de que os alunos mantêm uma relação longa com as instituições, que pode chegar a 15 anos. O mercado vê o avanço da Kroton como uma diversificação necessária. Com o porte que atingiu, o grupo tem poucas oportunidades para seguir crescendo no ensino superior, especialmente depois de ver a compra da rival Estácio barrada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 2017. Por isso, não apenas na Kroton, mas também em todo o setor, a Saber deve assumir o protagonismo nas estratégias de expansão. E no comando estará Ghio. À frente dessa missão, o executivo reencontra uma velha conhecida: a rede de cursinhos e sistema de ensino Anglo.

Como aluno do curso, ele se preparava para prestar vestibular na década de 1980, quando chamou a atenção do corpo docente, ao qual foi integrado. Sua vida mudou, de fato, em 1989, quando a Fuvest incluiu questões de desenho geométrico no vestibular da USP daquele ano. Um dos poucos professores a dominar a disciplina, Ghio, então com 20 anos, teve mais trabalho. “Isso salvou a minha vida. Os meus pais morreram naquele mesmo ano e precisei cuidar da casa”, diz. “Comecei a dar aula todos os dias e consegui pagar as contas.”

Nos anos seguintes, Ghio passou por outras editoras até chegar à Abril Educação em 2011, quando ela digeria a aquisição do Anglo. Quatro anos depois, já CEO, vendeu a empresa para o fundo Tarpon, que a rebatizou de Somos Educação. Agora, como executivo da Kroton, o Anglo cruza novamente seu caminho. Passou 15 anos ligado ao Anglo, em três momentos diferentes da vida, e vai continuar essa história. O aluno que entrou no cursinho para passar no vestibular de engenharia química, agora promete ser um dos homens que mais influenciarão o setor de educação básica nos próximos anos.